Pesquisas em andamento há pelo menos uma década no Centro de Pesquisa do Desenvolvimento de Bovinos Leiteiros do Instituto de Zootecnia de São Paulo, sobre o uso de fitoterápicos na bovinocultura de leite, projetam resultados bastante promissores, inclusive com impactos positivos nas taxas de emissão de gás metano, além da redução de células somáticas, visando encontrar soluções inovadoras para o tratamento e controle da mastite e da qualidade do leite.
Os pesquisadores Luiz Carlos Roma Júnior, engenheiro agrônomo, doutor em Ciência Animal e Pastagem e diretor do centro, e a biomédica e doutora em microbiologia Lívia Castelani explicam que, por levarem em conta muitas variantes, essas pesquisas normalmente exigem tempo para serem testadas, mas sempre trazem à luz resultados muito importantes à bovinocultura de leite.
A fitoterapia é, na verdade, apenas uma das diversas terapias alternativas que têm sido estudadas por diferentes grupos de pesquisa. Existem trabalhos com homeopatia, ozonioterapia, fotodinâmica, acupuntura, cromoterapia e até o tratamento com os bacteriófagos, que são vírus capazes de infectar as bactérias e destruí-las.
Os fitoterápicos, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são oriundos da industrialização da planta medicinal, processo que evita contaminações por micro- organismos, agrotóxicos e substâncias estranhas. Além disso, os fitoterápicos garantem a padronização da quantidade e da forma como devem ser utilizados, permitindo maior segurança para seu uso.
O início dessa linha de pesquisa pelo grupo do IZ ocorreu por volta de 2013, com um trabalho de melhoria da qualidade do leite e monitoramento de propriedades leiteiras da região de Ribeirão Preto.
Roma conta que, num curso sobre controle de mastite, ele foi indagado por um produtor sobre a existência de alguma alternativa ao uso dos antibióticos para controlar a doença, sem que fosse preciso descartar o leite e deixar de vender sua produção por causa do resíduo do medicamento.
“Fiquei com isso na cabeça e comecei a estudar e a ler bastante a respeito do tema. Entretanto, quando a gente começa a estudar as terapias alternativas, entramos num leque gigante, inclusive de suposições sem respaldo científico”, afirma ele, que posteriormente viria a integrar a equipe da colega Lívia Castelani, na fazenda do IZ, em Americana.
Dentre outras opções, a escolha pela fitoterapia, a partir de compostos provenientes de plantas medicinais, se deu principalmente pela facilidade da sua aplicação e dos próprios estudos já existentes em relação ao uso dessas plantas.
Ainda em Ribeirão Preto, em 2016, um projeto em conjunto com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) envolveu pesquisadores de diferentes áreas, que estudaram as prováveis interferências da fitoterapia na nutrição e o seu efeito sobre a fermentação ruminal dos animais e avaliaram vacas em lactação, para também observar a qualidade do leite e as respostas imunológicas, além da vida útil do produto (tempo de prateleira).
“Foi o primeiro experimento com plantas medicinais na dieta de vacas com resultados muito interessantes, apresentando melhorias substanciais na qualidade do leite e com uma significativa redução, em termos de controle de mastite, da contagem de células somáticas, o que nos instigou a continuar os estudos nessa área”, resume.
Lívia Castelani, por sua vez, conta que seus estudos e experimentos estão direcionados principalmente à mastite e ao controle de patógenos, voltados em especial para o uso dos fitoterápicos no tratamento específico para mastites causadas por Staphylococcus, um dos gêneros bacterianos mais impactantes para a produção bovina, que causa muitos prejuízos. “É uma bactéria bastante virulenta e resistente a diferentes antimicrobianos”, explica.
“Buscamos uma alternativa para enfrentar essas bactérias, que muitas vezes são multirresistentes e já não respondem mais às terapias convencionais. Por isso, avaliamos o efeito dos fitoterápicos, testando também diferentes vias de administração, seja tópica – quando as substâncias ativas são aplicadas diretamente na pele ou em áreas de superfície de feridas, com efeito local – ou intramamária”, explica a pesquisadora.
Vantagens e dificuldades – No uso de óleos essenciais – aqueles que juntam moléculas diferentes, cada uma com uma qualificação e uma função específica, normalmente utilizadas pelas plantas como proteção –, uma das vantagens é que, juntos, os compostos podem favorecer a ação sobre as bactérias e seus mecanismos de sobrevivência.
“Se trabalhamos com um composto fitoterápico, a presença de diferentes substâncias dificulta o desenvolvimento de mecanismos de resistência pela bactéria”, diz Lívia. Também no caso da produção de leite orgânico, que apresenta restrições ao uso de antimicrobianos, os fitoterápicos podem representar uma boa alternativa.
Entretanto, é importante avaliar a presença de resíduos que esses tratamentos podem gerar no leite, que podem interferir, por exemplo, no processo de fermentação de iogurtes e na produção de queijos, além de alterar a qualidade sensorial dos derivados lácteos. Sendo assim, se fazem necessários estudos que envolvam essas premissas.
Outra questão, no caso dos óleos essenciais, é o seu alto custo e, por isso, a equipe avalia também o efeito de diferentes doses e associações de óleos oriundos de diferentes plantas, com potencial de sinergismo.
Como uma das dificuldades na manipulação dessas plantas em laboratório, ela menciona o trabalho de separação e isolamento das suas diversas substâncias. “A gente precisa identificar cada uma delas e verificar individualmente qual é o seu efeito terapêutico.”
Ponto de partida – “Tudo isso precisa ser estudado, com pesquisas e seguindo os devidos protocolos para se obterem dados confiáveis até chegar a um produto que possa ser comercializado”, complementa. Além dos óleos essenciais, são pesquisados no laboratório as tinturas e os extratos, entre outras possibilidades de uso das plantas medicinais.
Roma, porém, acha difícil nomear plantas com princípios ativos e efeitos terapêuticos, que já tenham uso regular entre os produtores brasileiros, mas cita o cravo e a canela, que são plantas bastante acessíveis e já foram avaliadas e constam da literatura internacional. Existem igualmente, segundo ele, trabalhos com plantas aromáticas como o orégano, o tomilho, a sálvia, o alecrim, o manjericão e o gengibre.
Lívia Castelani chama a atenção para a divulgação desse tipo de informação sem os devidos esclarecimentos. “Temos que tomar cuidado ao colocar esse tipo de informação, para que as pessoas não leiam e já queiram começar a usar sem nenhum estudo ou critério científico, quando muitas vezes existem ainda várias etapas a serem percorridas para se chegar a um produto”, explica.
Os pesquisadores reconhecem a importância da tradição popular no uso das plantas medicinais na produção animal, mas ressaltam que há uma grande diferença entre fazer o tratamento caseiro para um animal e indicar o tratamento para um grande rebanho de vacas.
Mas a sabedoria popular não é dispensada e muitas vezes é utilizada como ponto de partida para as pesquisas. “Se uma ou mais pessoas já utilizam uma determinada planta como um anti-inflamatório, por exemplo, a gente estuda essa planta e verifica se realmente existem essas propriedades e se não há nenhum tipo de efeito tóxico no seu uso”, afirma.
Ou seja, eles utilizam conhecimento popular, como ponto início de uma avaliação científica, de forma a entender todas as propriedades da planta, considerando que às vezes o isolamento de um determinado princípio ativo pode gerar o desenvolvimento de uma nova medicação, sem que para isso seja preciso utilizar a planta toda.
A equipe do Centro de Pesquisa do Desenvolvimento de Bovinos Leiteiros do IZ que realiza as pesquisas sobre os fitoterápicos no tratamento de mastite e seus reflexos na qualidade do leite é composta por um grupo de 13 pesquisadores, mas há outras pesquisas sendo desenvolvidas no mesmo ambiente.
“Há, por exemplo, projetos voltados ao controle de carrapatos, moscas e verminoses, com a utilização das plantas adicionadas ao sal mineral”, exemplifica Roma. Ele cita a experiência com a Nutrimed, empresa localizada em Mogi Mirim, que teve um produto comercial, à base de alho e neem – cuja ação inseticida é 100% natural, auxiliando no controle de insetos indesejáveis, sem agredir a saúde humana, os animais e o meio ambiente – testado pela equipe e que, adicionado ao sal mineral, obteve bom resultado no controle de carrapatos.
Além desse e de outros experimentos com a iniciativa privada também já foram desenvolvidas outros estudos sobre a avaliação do desempenho de bezerros em aleitamento suplementado para alcançar um desempenho melhor na desmama e sobre a utilização de plantas para efeito de curativos e cicatrização de ferimentos como cortes, abcessos ou picadas.
Além desses, outros experimentos já foram feitos, como a avaliação do desempenho de bezerros em aleitamento suplementado para buscar um desempenho melhor na desmama, e a utilização de plantas para efeito curativo e cicatrização de ferimentos como cortes, abcessos ou picadas.
Algumas dessas pesquisas já foram publicadas como artigos científicos e outros projetos são realizados em parceria com a iniciativa privada para o desenvolvimento de novos produtos, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além do trabalho realizado junto a cooperativas para orientar e monitorar a qualidade do leite.
Nesse universo de pesquisas dos fitoterápicos, estudos mais recentes estão relacionados ao uso dos polifenóis e um dos seus resultados aponta para a redução das taxas de emissão de gás metano, indicando um caminho de maior sustentabilidade para a atividade leiteira. “No caso dos polifenóis, nos referimos a compostos bioativos encontrados nas plantas com efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios, entre outros”, diz Lívia.
Roma destaca que, nesse caso, além do bom desempenho em relação à saúde animal, o resultado dos experimentos com os polifenóis chama a atenção pelos seus impactos ambientais. Com isso, segundo ele, será possível pensar futuramente num leite mais sustentável do ponto de vista do meio ambiente, produzido de forma “mais ecológica”.
“Obtivemos um bom resultado na qualidade do leite em termos de redução das células somáticas, mas é muito importante também termos conseguido reduzir as taxas de emissão do gás metano. Agora o trabalho continua com o objetivo de potencializar ainda mais esses resultados”, diz.
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