A sucessão familiar é um problema que aflige muitos produtores, outro é a falta de mobilização e a união dos produtores. Vale destacar ainda que há desunião da cadeia do leite – produtor-indústria-mercado-consumidor –, principalmente quando se fala de preços. Falta uma ligação entre esses elos, uma troca de informação e o entendimento por parte de todos sobre o que acontece nessa atividade. Afinal, um depende do outro.

ENTREVISTA

VANDERLEI HOLZ LERMEN

Força do produtor de leite

passa pela união da classe produtora

Vanderlei Holz Lermen nasceu e viveu no município de Boa Vista do Buricá, região noroeste do Rio Grande do Sul, até fevereiro deste ano. Hoje, mora em Marques de Souza, região do Vale do Taquari (RS). De família de produtores agrícolas e de leite, numa pequena propriedade, ele sempre esteve ligado a essa atividade.  Com formação em Tecnologias em Agropecuária, bacharel em Desenvolvimento Rural, entre outras, no momento finaliza pós-graduação em Gestão Empresarial. Em 2018 assumiu a propriedade de seus pais. Recentemente, como não tinha mais para onde crescer na produção, aceitou o convite de um amigo para trabalhar na região do Vale do Taquari com assistência técnica na área do leite. Porém, apenas três meses depois, diz que “não aguentou”. “Também estou retomando, junto com meu sócio, uma pequena produção de leite, com planejamento de elevar a produção com sustentabilidade.”

Balde Branco - A partir de sua vivência de produtor e técnico, como você vê a produção leiteira no Brasil, destacando seus pontos fracos e pontos fortes?

Vanderlei Holz Lermen – Um dos pontos mais fracos é a sucessão rural. Já trabalho com esse tema há alguns anos, fazendo pesquisa e palestras. Agora, no campo, atendendo a produtores na região onde atuo, vejo que isso é ainda mais preocupante. Temos uma grande porcentagem de produtores com idade avançada, que ainda produzem leite, enquanto conseguem trabalhar. A pergunta que sempre me faço é “como será daqui a 10 ou 20 anos?”  Falta maior mobilização da classe produtora e também há a desunião da cadeia do leite – produtor-indústria-mercado-consumidor –, principalmente quando se trata de preços. Um joga o problema para o outro. Na minha opinião, falta uma ligação entre esses elos, uma troca de informação e o entendimento por parte de todos sobre o que acontece nessa atividade. Afinal, um depende do outro. Produtor dizendo que indústria o explora e o mercado jogando a culpa pela alta de preço para o produtor (como vimos no início da pandemia) está errado. Destaco também que a assistência técnica ainda seja um gargalo em muitas regiões. A troca de sistemas simples e baratos – leite a pasto, piqueteamento, sistema silvipastoril por sistemas complexos e caros, como confinamentos, vejo isso como certa ameaça, principalmente pensando na sustentabilidade das propriedades.

BB - E quais os pontos fortes que você destaca?

VHL – Pontos fortes: regiões ricas que conseguem produzir leite e alimentos para os animais todo o ano, e também em outras regiões temos tecnologias que o permitem fazer, mesmo com dificuldades. Novas tecnologias que aumentam a produção e muitas áreas que podem ser trabalhadas, melhorando o solo, adaptando tecnologias e assim aumentando a produtividade e elevando a escala de produção.

BB - O caminho para o produtor, sem dúvida, é o da profissionalização. Eles estão buscando isso (sobretudo com as IN 76 e 77), ou ainda não se conscientizaram? A indústria está ajudando nisso?

VHL – Vou falar da região onde hoje atuo – o Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul. Temos produtores que adotam tecnologias, buscam conhecimento e novidades. Mas temos também produtores que produzem leite como sempre produziram, como seus pais produziam. Os mais jovens geralmente buscam mais a profissionalização, mas esses são poucos em números. Em relação às INs 76 e 77, os produtores estão organizados, os menores de forma simples, mas que atende à normativa. As indústrias auxiliam na assistência técnica, levando essas informações ao produtor e o orientando.

BB - Nesse período de pandemia, como está a situação dos produtores? Eles vêm sofrendo algum impacto negativo – preço, custo alto da ração?

VHL – Acho que essa foi uma das únicas vezes em que uma crise não atingiu tanto o produtor de leite, ou melhor, na minha opinião, não atingiu. Tivemos um mês de queda de preço, mas foi pouca coisa. Agora os preços estão em elevação. Ração encareceu aqui na região mais devido ao aumento do preço dos grãos, e isso em decorrência da estiagem que tivemos na região Sul. Isso também reduziu a produção de leite. Mas a pandemia, em si, trouxe preocupação, mas não prejuízos.

BB - O que é fundamental o produtor fazer neste momento para sobreviver e sair lá na frente, depois da pandemia, mais preparado e em condições de aproveitar novas oportunidades?

VHL – Neste momento, como o preço do leite está subindo, o produtor deve fazer caixa, com o foco sempre numa gestão rigorosa da atividade. Não vejo como sendo um bom momento para investimentos, como compra de equipamentos e animais. É um momento para guardar dinheiro para um próximo momento de baixa e aproveitar oportunidades. Ou tentar pagar o que ficou atrasado devido à estiagem. Então, a melhor organização seria fazer caixa nos bons momentos e investir nos piores. Por quê? Porque quando temos uma “crise” muitos deixam de produzir e vendem animais, equipamentos, por exemplo. As empresas do setor também têm redução de vendas e aí você consegue melhores preços e condições. Sobre investimentos, antes de fazê-los, o produtor precisa avaliar se o investimento vai trazer retorno para se pagar e para aumentar o lucro da propriedade. Nessa avaliação sempre levar em consideração o preço médio do leite no ano, e ter atenção a momentos de baixa. Nunca fazer investimentos contando com preços na alta.

As redes sociais estão aproximando o produtor do consumidor. Esse ‘mostrar o dia a dia do campo’ é muito positivo. Apresenta a realidade do campo aos consumidores, como é a produção agropecuária, de onde vêm os alimentos”

BB - Avaliando esse contexto qual sua perspectiva para o mercado leite depois da pandemia?

VHL – Creio que o restante do ano de 2020 seja um ano positivo para o produtor, levando em consideração a volta aos poucos das atividades e pelas informações que temos a campo, da procura por mais volume de leite por parte das indústrias. Essa concorrência ajuda a valorizar mais o leite.

BB - Falando em mercado do leite, como vê a ques­tão da relação entre os produtores e a indústria láctea?

VHL – Tenho uma opinião clara sobre esse assunto. A expressão, que até ouvimos constantemente por aí, “a indústria só quer explorar o produtor de leite” está errada. O produtor precisa ver a indústria como parceira e vice-versa. Sem a indústria o produtor de leite não teria para quem vender sua produção. Da mesma forma que a indústria, sem valorizar o produtor, não teria o que “industrializar”. Essa relação tem se intensificado, principalmente em indústrias que trabalham no sistema de cooperativas, oferecendo benefícios a seus produtores. Isso gera fidelização do produtor com a indústria. Pensando como negócios – produção e indústria – os dois precisam ter lucro. Nós sabemos, ou pelo menos temos uma ideia clara, de tudo o que está envolvido para a produção de leite. Já parou para analisar tudo o que está envolvido na industrialização do leite, desde o recolhimento na propriedade até chegar à gôndola do supermercado? É fundamental o produtor se mobilizar, se unir para se fortalecer e ter mais poder nas negociações. Ou seja, essa parceria precisa ser forte. Produtor precisa ter um bom relacionamento com a indústria, e esta precisa se aproximar do produtor. Ter transparência e seriedade entre os dois. A questão de preço, que é a primeira coisa que vem à frente nesse tema, é questão de mercado. Não é a indústria que determina. É o mercado em si. São inúmeros fatores. E acredite, a indústria às vezes também tem seus momentos difíceis. No caso das INs 76 e 77, a indústria deu todo o suporte técnico aos produtores, levando a informação ao campo e buscando a adequação de todos, dentro de sua realidade. Em alguns casos, vimos produtores revoltados com a indústria, porém ela também precisou se adequar à legislação. Todos os elos da cadeia têm seus deveres.

BB - A classe produtora sempre foi marcada pela falta de mobilização. O associativismo e o cooperativismo podem ser um caminho para o fortalecimento dos produtores?

VHL – Com certeza fortalecem. Quando produtores se reúnem, eles têm mais força para adquirir insumos, para vender seus produtos e até para conseguir recursos governamentais. Além disso, a própria troca de informações entre eles já é importante. Associações de máquinas e equipamentos também são interessantes, pois um produtor não precisa investir um alto capital em maquinário somente para seu serviço. Lembro que anos atrás, na minha comunidade, vizinhos tinham alguns equipamentos em conjunto, como distribuidor de esterco líquido. O investimento era menor para cada um, porém tinha acesso ao equipamento na propriedade.

BB - De uns tempos para cá, os produtores têm ganhado projeção nas redes sociais, com muitos selfies, lives, depoimentos, reclamações, etc. – Qual a importância disso?

VHL – As redes sociais estão aproximando o produtor do consumidor. Esse “mostrar o dia a dia do campo” tem um lado muito positivo, que é apresentar a realidade do campo aos consumidores, principalmente de cidades maiores, como é a produção agrícola e de onde vêm os alimentos. Outro ponto positivo é o contato entre produtores, de todas as partes do estado e do País, podendo trocar ideias, informações e promover a difusão de técnicas e tecnologias que podem ajudar a todos. Com isso o agro está ganhando força e sendo cada vez mais valorizado.

BB - Inclusive você tem conquistado bastante seguidores com seus vídeos. O que significa essa experiência?

VHL – Já faz muitos anos que uso a internet para mostrar um pouco do meio rural, ainda na época em que nem tinha internet em casa e atualizava um blog usando o computador de uma lan house. Mais adiante coloquei no ar meu canal do YouTube, chamado “Empreendedores do Campo” (www.youtube.com/empreenndedoresdocampo), para mostrar meu dia a dia na propriedade e divulgar informações, tecnologias e ideias para outros produtores. Além de passar informação, esse trabalho também me traz muita informação, por meio da troca de ideias entre os seguidores do canal. Também tem me  proporcionado conhecer alguns lugares por meio de viagens, onde faço séries de vídeos – já fiz na Argentina, em Santa Catarina e regiões do Rio Grande do Sul. Nos últimos meses, o canal vem crescendo bastante e atingindo cada vez mais produtores. Além disso, ofereço um curso de Gestão Financeira da Produção de Leite aos produtores que me acompanham na internet, para auxiliá-los na administração financeira da propriedade. Também faço palestras sobre os temas sucessão rural e uso de tecnologias no campo.

BB - Que recado você gostaria de deixar para os produtores?

VHL – Buscar conhecimento, informação e profissionalização na atividade. Administrar a propriedade como uma empresa/negócio, pensando em todos os setores – produtivos, financeiros, humanos, ambientais. Aproveitar as oportunidades de crescimento, estando atento ao melhor momento de investir e, fundamentalmente, crescer dentro da realidade da propriedade.

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