
Manutenção preventiva dos equipamentos faz parte dos itens obrigatórios do programa

QUALIDADE CERTIFICADA
Frísia: 94% do leite tem certificação de qualidade
e 80% dos produtores participam do programa
A cooperativa faz todo o acompanhamento do processo de certificação, oferecendo suporte técnico ao produtor para o cumprimento das exigências
João Carlos de Faria
A qualidade do leite é uma exigência legal das Instruções Normativas 76 e 77, que estabelecem, respectivamente, os regulamentos técnicos que fixam a identidade e as características de qualidade que devem apresentar o leite cru refrigerado, pasteurizado ou do tipo A, e os critérios e procedimentos para produção, conservação, transporte e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no Serviço de Inspeção oficial.
Mais do que isso, é o que vem fazendo a Cooperativa Frísia, de Carambeí (PR), que, por meio do Programa Boas Práticas Agropecuárias (BPA), cobra de seus fornecedores de matéria-prima uma série de procedimentos que, sendo cumpridos, garantem a eles uma certificação que pode representar de 2,5% a 3,5% a mais no seu pagamento no fim do mês.
Os resultados têm demonstrado o acerto das medidas, considerando que, em 2021, esta certificação de qualidade alcançou 94% do volume de 835 mil litros de leite diariamente produzidos dentro dos requisitos do programa, sendo o melhor resultado dos últimos anos.
O programa de BPA tornou-se há cerca de dez anos um incentivo à qualidade para as propriedades que produzem leite cru e o comercializam junto ao Pool Leite, grupo que reúne as cooperativas Castrolanda (Castro), Frísia (Carambeí) e Capal (Arapoti), que é o responsável pela mediação das relações entre produtores e indústrias, a organização dos processos de pagamento por volume e qualidade e a logística de coleta do leite. A Frísia tem 262 produtores de leite associados, distribuídos por 15 regiões, num raio de 150 km de Carambeí.
“Esse índice de certificação representa um incremento de 22% sobre o resultado de 2016, quando foi de 77%. Além disso, dos 262 produtores associados à cooperativa, 208 já participam do programa, o que equivale a 80% de adesão”, explica o médico veterinário Leonardo Moreira Sviercoski, responsável pela qualidade do leite do setor de Pecuária da Frísia.
As poucas propriedades que ainda não aderiram quase sempre é porque entendem que seriam necessários grandes investimentos para se adequarem ao programa ou porque resistem à ideia do controle externo, que seria visto por eles como uma auditoria com o objetivo de punir o produtor.
“Hoje nem falamos mais em visitas de auditoria, porque isso assusta o produtor.” Na verdade, segundo Sviercoski, as exigências do programa são as mesmas que o produtor, via de regra, já deveria cumprir, o que significa dizer que não há a necessidade de nenhum investimento extra.

Leonardo Moreira Sviercoski: “Para ter a certificação, o produtor precisa atender aos cinco pilares do Manual de BPA, que representam a organização da fazenda e são os principais pontos verificados para a certificação”
O principal objetivo do BPA, segundo ele, é levar o produtor a atingir padrões mínimos auditáveis de procedimentos dentro da fazenda, para garantir a comercialização do leite de forma sustentável, com qualidade e segurança do alimento, uma necessidade que não é só das fazendas, mas também das indústrias.
No seu entendimento, quando o produtor adere ao programa, demonstra que não está preocupado apenas com o seu negócio, pois indiretamente sabe que vai beneficiar o consumidor final, com a entrega de um leite produzido a partir de uma programação focada na melhoria dos resultados de qualidade e na segurança do produto que chega à plataforma da indústria. “Ao processar um leite que já vem do campo com medidas de autocontrole, sem dúvida que isso se torna um grande diferencial.”

Os cinco pilares do BPA – No início, a adesão ao programa era voluntária para as propriedades que já estavam no sistema, segundo Sviercoski. Porém, tornou-se obrigatório e requisito básico para quem ingressa atualmente em qualquer uma das cooperativas que compõem o Pool Leite, estruturado em cinco pilares: bem-estar animal, infraestrutura, sustentabilidade e padrões mínimos de qualidade e de gestão (vide quadro 1).
“Esses cinco pilares, que estão no manual, representam a organização da fazenda e são os principais pontos verificados para a certificação. São pontos cruciais que influenciam diretamente na rentabilidade e na sustentabilidade da atividade”, afirma o médico veterinário.
As normativas são definidas por um comitê técnico, que também faz a validação junto às propriedades, a partir de critérios auditáveis. “São visitas técnicas relacionadas aos procedimentos estabelecidos pelo programa, para auxiliar o produtor nos ajustes necessários.”
Esses pilares e os itens que compõem o BPA estão diretamente relacionados às IN76 e IN77 do Mapa e em conformidade com o Plano de Qualificação dos Fornecedores de Leite (PQFL), implementado pelas cooperativas. “O programa é uma das ferramentas do plano”, completa.
O passo a passo da certificação – Todo processo de certificação começa com uma visita técnica da equipe da cooperativa, que repassa as orientações importantes para o produtor sobre as providências que ele precisa tomar para ser inserido no BPA.
A segunda visita é de verificação e também é feita por técnicos da cooperativa, para conferir essas providências. Na sequência, após agendamento, a equipe do Pool Leite faz a terceira visita, que é de conferência dos pontos. Estando cumpridas as exigências, o produtor recebe a certificação, que poderá classificá-lo num dos dois patamares definidos pelo comitê, ou seja, na classe prata ou na classe ouro.
“A partir daí as visitas passam a ser anuais, para a verificação dos itens que foram trabalhados ao longo daquele ano.” Nesse período também são colhidas amostras semanalmente, para que o produtor possa conferir se os seus padrões de qualidade estão sendo atendidos, além da coleta de material feita na plataforma da indústria para a identificação de possíveis resíduos no leite, que possam contaminá-lo.
A certificação traz ao produtor um sentimento de orgulho, por fazer parte de algo que influencia positivamente para o consumidor final. Por isso ele faz questão de colocar o certificado em lugar de destaque na propriedade, onde mais pessoas possam ver que o seu leite é produzido de acordo com as exigências do programa
A cooperativa faz todo o acompanhamento do processo de certificação, oferecendo suporte técnico ao produtor para o cumprimento das exigências. Também o auxilia a trabalhar na melhoria dos pontos observados durante as visitas anuais para renovação da certificação, principalmente quanto à nutrição e gestão do negócio, visando alcançar os padrões mínimos do BPA.
Os níveis de classificação prata e ouro, segundo Sviercoski, são uma forma de incentivar o produtor a progredir sempre mais. Na classe prata são conferidos itens básicos necessários à produção em qualquer propriedade leiteira; no nível ouro são observadas algumas boas práticas a mais, envolvendo tecnologia e procedimentos de manejo, que, mesmo não sendo obrigatórias, são adotadas pelo produtor. “Esses níveis de evolução proporcionam ao produtor a chance de elevar a sua bonificação, hoje fixada em 2,5% para prata e 3,5% para o nível ouro”, conta.


Exemplos de procedimentos exigidos pelo BPA são a farmácia organizada e a marcação visual das vacas
No caso de reprovação em algum item na visita de credenciamento ou de recredenciamento, o produtor é orientado a executar as ações corretivas com o acompanhamento do técnico da cooperativa e com base nos apontamentos do credenciador. Nesse caso, os custos do agendamento de uma nova visita ficam sob sua responsabilidade.
Pontos-chave do BPA – Sviercoski cita três exemplos de boas práticas que constam do rol de exigências do programa: a marcação visual das vacas lactantes em tratamento para evitar, por exemplo, que vacas medicadas com antibióticos sejam ordenhadas e contaminem o tanque de leite; a manutenção preventiva dos equipamentos, para que estejam sempre em dia e garantam a qualidade do leite, e a mochação com a utilização de analgésicos para reduzir a dor nos animais.
Não é possível acumular pontos de um ano para o outro, podendo o produtor do nível prata ser punido em apenas um item específico, mas este mesmo item não poderá ser novamente apontado no ano seguinte. Já no ouro, além de ter a aprovação obrigatória em todos os itens relativos ao nível prata, o produtor precisa também ser aprovado em 100% das demais exigências definidas nesse nível.
Sviercoski afirma que, mais do que a bonificação e a qualidade do produto, o que se tem percebido é que os produtores que participam do BPA passam a se preocupar mais com o impacto sobre a rentabilidade do negócio e sobre o produto final a ser entregue ao consumidor.
“Vejo que a certificação traz a ele um sentimento de orgulho por fazer parte de algo que influencia positivamente para o consumidor final. Por isso ele faz questão de colocar o certificado em lugar de destaque na propriedade, onde mais pessoas possam ver que o seu leite é produzido de acordo com as exigências do programa.”
Fazenda Shangrila – Uma das produtoras que fazem parte do programa BPA da Frísia, certificada no nível ouro, é Gilciane Neivert Roepke, da Fazenda Shangrila, que iniciou a atividade leiteira há 11 anos, com o marido, Daniel Roepke. A fazenda tem um plantel de 180 animais da raça Jersey, sendo 82 vacas em lactação, que produzem a média diária total de 1.976 litros, somando cerca de 61,2 mil litros por mês. Além do leite, também produzem e comercializam soja e feijão safrinha e plantam o milho que é utilizado na alimentação do rebanho.
Antes de se associar à Frísia, o casal entregava o leite para outra empresa que já havia apresentado a eles um programa semelhante ao BPA, mas que tinha o intuito apenas de certificar a produção, sem nenhuma bonificação extra. “Sempre fomos muito abertos a coisas novas e sabemos que hoje a indústria e o mercado estão cada vez mais exigentes”, afirma Gilciane.

O programa, segundo o casal Gilciane e Daniel, proporciona novas ferramentas que facilitam o dia a dia na propriedade
Como já eles adotavam algumas das práticas exigidas pelo programa, as dificuldades iniciais foram mais facilmente superadas, ressalvando-se apenas a falta de hábito de anotar os dados e informações necessárias. “A maior dificuldade é quando vem algo novo, como o controle de roedores, por exemplo, que a gente já fazia, mas que agora precisa ser monitorado e relatado por escrito. Mas é só entrar na rotina”, destaca.
Apesar de reconhecer na bonificação – que lhes rendeu, somente no último mês de maio, cerca de R$ 4,2 mil – um fator determinante para a adesão ao BPA, ela e o marido consideram que o mais importante é a oportunidade de aprender.
“O programa oferece muitas ferramentas que nos ajudam no dia a dia”, destaca, citando como exemplo a obrigatoriedade de marcação das vacas para separação em casos de tratamento com antibióticos, algo que, segundo ela, é muito simples, mas que evita muitos problemas. “É uma medida que proporciona segurança e minimiza erros”, concorda o marido, Daniel Roepke.
Gilciane também se preocupa com a qualidade e segurança do leite produzido na fazenda e que vai para a indústria, porque é o mesmo que é consumido por ela, pela filha, Sophia, e pelo marido. “Por isso, estou sempre atenta à questão dos medicamentos e busco cumprir à risca a determinação de mantê-los muito bem guardados e longe da área de produção, para evitar qualquer tipo de contaminação”, afirma.
Chácara Veriato – Há 17 anos, o casal Juliana e Cleber Ventura iniciou a produção de leite apenas como uma atividade complementar à criação de frangos, situação que foi se invertendo até o leite tornar-se, há seis anos, a única fonte de renda da Chácara Veriato, onde trabalham com os filhos Beatriz e Bruno Ventura.
No princípio foram muitas as dificuldades, pois ela e o marido não tinham noção e nenhuma experiência do que era a pecuária de leite, situação que foi sendo superada, até que, três anos atrás, em 2018, ela foi destaque na Balde Branco, figurando como exemplo de evolução na produtividade de leite, graças a um programa de assistência técnica da própria Cooperativa Frísia.
A produção da chácara saiu de 450 litros/dia com 40 vacas, em 2015, passando para 980 litros/dia em 2018 e atingindo os atuais 1,4 mil litros/dia, com 44 vacas em lactação. A meta agora é chegar até 2025 à média de 36 litros/dia por vaca.
A adesão ao programa BPA aconteceu há cerca de cinco anos, após a família ser convencida das vantagens e das ferramentas oferecidas para ajudar na melhor organização da propriedade e da bonificação que era paga pela cooperativa.

Juliana Ventura ; “Hoje, temos um quartinho com a farmácia, mas antes tinha remédio por todo canto. Também aprendemos que cada ferramenta tem que ter o seu lugar”
“O primeiro ano foi difícil, porque, mesmo procurando sempre manter as coisas da forma correta, percebemos que elas ainda não estavam de acordo com o padrão que era exigido. Com o tempo, porém, essas práticas tornaram-se uma rotina e hoje a auditoria pode ser feita a qualquer momento que estaremos sempre dentro da conformidade.”
Assim como também apontou a produtora Gilciane Neivert Roepke, uma das barreiras iniciais de Juliana era o manuseio dos medicamentos e a falta de organização das ferramentas utilizadas no dia a dia. “Hoje temos um quartinho com a farmácia, mas antes tinha remédio por todo canto. Também aprendemos que cada ferramenta tem que ter o seu lugar.”
Ela também faz a marcação das vacas com fitas de cores diferentes colocadas no rabo de cada animal para facilitar o seu manejo, na hora de apartar os animais em tratamento com algum medicamento ou até mesmo para separar as vacas secas das demais.

Rebanho da Chácara Veriato tem 44 vacas em lactação e a meta é chegar a 2025 com média de 36 litros/dia por animal
Neste ano, depois de cumprir todas as normativas do BPA, a propriedade passou para o nível ouro, o que, para Juliana, representa uma grande vitória, considerando não só a bonificação, que representa um acréscimo de R$ 0,08 por litro, mas também pela qualidade e pela segurança do produto, além da superação de todas as suas dificuldades iniciais.
“O leite que a gente produz aqui na propriedade é o mesmo que nossos próprios filhos consomem e que colocamos no mercado. Por isso, buscamos ter qualidade e segurança. E acho que cada vez mais os produtores precisam entender que a qualidade agrega valor ao produto e por isso vale a pena investir em boas práticas.”