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Rebanho da Fazenda Natville, em Nossa Senhora da Glória (SE)

HOLANDÊS

Gado holandês:

quebrando tabus no semiárido do nordeste

Produtores rompem preconceitos a respeito da viabilidade da raça Holandesa no semiárido pernambucano e sergipano, mostrando que os animais podem produzir mais de 40 kg de leite por dia

Erick Henrique

Na semana de 14 a 18 de fevereiro, os especialistas da Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos da Raça Holandesa (ABCBRH) visitaram produtores em Pernambuco e Sergipe, a pedido do presidente da entidade, Hans Jans Groenwold, para auxiliar na construção de ações para melhoria no atendimento aos criadores da região. Os designados para a missão foram o médico veterinário e superintendente da associação, Altair Valloto, e o gerente do Parleite, José Augusto Horst.

Logo no início da empreitada, bastante agitada e produtiva, os especialistas conheceram a Estação Experimental do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), em São Bento do Una, considerado o berço da raça no Nordeste, pois, segundo Valloto, há registros de vacas Holandesas por ali desde a década de 1930. “Fiquei bastante impressionado quando visitamos o IPA, porque eles criam o rebanho Holandês desde 1936, com média de produção de 15 litros de leite por dia, já naquela época”, destaca o superintendente da associação paranaense.

Altair Valloto: “Realizamos a classificação linear de 28 animais da Agropecuária Bom Leite. Deste grupo, cinco vacas foram classificadas como excelentes"

Para Valloto, a instituição é fantástica e a raça trabalha muito bem por lá, mesmo com os desafios encontrados, como a limitação de água, por exemplo, na região de Garanhuns. Contudo, nada impede o desenvolvimento dos animais, uma vez que existe a questão da altitude, que é muito favorável para o gado Holandês. Segundo destaca a Prefeitura de Garanhuns, essa região é considerada a “Suíça Pernambucana”: está a 842 metros acima do nível do mar, a temperatura média anual é de 23 graus, variando entre 9 graus no inverno, e podendo chegar a 30 no verão.

“Ao mesmo tempo em que ocorre a ausência de umidade, em uma temperatura de 38 graus, com pleno calor, como presenciamos na semana em que estivemos lá, pude observar que as vacas Holandesas não estavam com a frequência respiratória elevada. Jamais poderia imaginar que isso acontecesse andando por esses dias no semiárido, vendo tantos animais da raça. Vale pontuar também que, lá no IPA, existem atualmente 45 vacas em lactação, produzindo em média 36 litros de leite por dia”, relata Valloto.

De acordo com o pesquisador do IPA Sebastião Guido, que também ocupa o cargo de presidente do Conselho Deliberativo Técnico (CDT) da raça em Pernambuco, o objetivo foi apresentar o trabalho desenvolvido com o rebanho na estação, além de a equipe da associação conhecer in loco a adaptabilidade dos animais perante as condições do agreste pernambucano. Durante a visita da ABCBRH, foram discutidas a possibilidade de firmar futuras parcerias institucionais, principalmente para maior difusão da raça no Nordeste, e a realização do controle leiteiro oficial.

A importância da classificação dos animais – Em São Bento do Una (PE), os bons exemplos se estendem à Agropecuária Bom Leite, do criador Stênio Galvão. A fazenda, que trabalha no sistema free-stall, possui 109 vacas Holandesas em lactação, produzindo, em média, 40 litros de leite/vaca/dia. A propriedade ganhou destaque quando a vaca Holandesa Bom Leite Coca Fever Amanda levou o título de grande campeã do torneio leiteiro da 19ª Exposição de Animais de São Bento do Una. O animal surpreendeu a todos com um pico de produção de 81,630 kg de leite e média de 77,675 kg em duas ordenhas.

Valloto aproveitou a oportunidade também para realizar o trabalho de classificação de tipo dos animais da propriedade associada à ABCBRH. “Realizamos a classificação linear de 28 animais da Agropecuária Bom Leite. Desse grupo, cinco vacas foram classificadas como excelentes. Essa avaliação é uma ferramenta muito importante para os criadores, pois independe se o animal está no Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo ou Minas Gerais, porque o classificador é uma pessoa treinada para analisar a vaca, sem ter em conta as condições de ambiente e o manejo, por exemplo, já que o importante mesmo é verificar as 23 características de interesse: sistema mamário, força leiteira, garupa, pernas e pés, por exemplo”, diz.

O produtor Fábio Júnior Santos (à esq.) recebe os técnicos da associação para a realização da classificação linear dos animais da raça Holandesa

Conforme o superintendente da APCBRH, com base nesses dados, há a pontuação final do animal avaliado, que pode ser Regular, de 65 a 74 pontos; Boa Figura, de 75 a 79; Boa Para+, de 80 a 84; Muito Boa, de 85 a 89, e Excelente, acima de 90 pontos. Com essa avaliação, os técnicos apresentam ao criador uma espécie de fotografia individualizada de seus animais, para que possa ser comparada com o padrão ideal da raça Holandesa no Brasil.

Além disso, a classificação é oportuna também para melhorar algumas características muito importantes para a pecuária leiteira do Nordeste, como a angulosidade dos animais, que o classificador deve avaliar, pois representa cerca de 22% do potencial de produção leiteira, segundo explica o especialista da associação paranaense.

“A característica de estrutura de ângulos das vacas é importante para que o animal consuma um grande volume de alimentos. No semiárido, a palma forrageira predomina, assim como o feno. Este é o caso do produtor Galvão, que produz grandes volumes desse material em uma determinada região da fazenda”, explica Valloto.

Animais Holandeses da Agropecuária Bom Leite

Ele destaca outro aspecto muito importante da força leiteira, que é a abertura de peito, em que a vaca demonstra uma boa capacidade cardíaca e respiratória, sendo fundamentais para a boa funcionalidade do gado Holandês nesse bioma. “Ou seja, um animal não pode ser fraco na abertura de peito, logo é fundamental a realização da classificação para mostrar ao criador a importância dessas características para adaptar os animais às condições de ambiente, clima, bem como para que tenha sucesso no seu projeto, com vacas Holandesas produzindo cerca 9.000 kg de leite numa lactação, daí por diante.”

Também convém é salientar que, conforme Valloto, as avaliações das características de pernas e pés das vacas são muito importantes, uma vez que o animal estará no confinamento (free-stall ou compost barn), deverá utilizar com frequência os aprumos posteriores para buscar o alimento. Esse tipo de seleção tem sua relevância comprovada, há muitos anos, por meio de pesquisas cientificas.

Manejo favorece a expressão da genética – Com conhecimento de causa, o zootecnista formado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Pablo Jonata, que atua na pecuária leiteira desde 2011 e atualmente trabalha como técnico do Senar/SE, também é controlador leiteiro oficial e técnico da raça Jersey, diz ter notado cada vez mais investimentos na raça Holandesa no Nordeste, bem como no Estado de Sergipe.

Para Jonata, o mito de não haver condições de criação da raça Holandesa vem sendo quebrado, conforme demonstram os investimentos na raça do pequeno ao grande produtor. Quanto aos bons resultados, ele destaca que, segundo o controle leiteiro oficial, há animais que atingem médias de nível nacional. Um dos rebanhos de destaque é o da Fazenda Encanto, em Nossa Senhora da Glória (SE), que apresenta uma média de 43 kg de leite/dia, a maior do Nordeste, segundo o levantamento do controle leiteiro oficial. “Portanto, o nosso gado Holandês não deixa a desejar quando comparado aos grandes plantéis do País, sendo nítido também o papel importante que a raça vem desempenhando em grande parte das propriedades leiteiras do nosso Estado”, afirma o técnico do Senar/SE.

Ele atua também dando suporte aos criadores da raça Holandesa no Estado, em todo o processo de registro, controle e classificação dos animais, e esteve acompanhando a equipe da ABCBRH durante a semana de visitas técnicas em Sergipe. “Aqui no Estado surgiram grandes projetos, um deles é o do produtor Fábio Junior Santos, da Fazenda Encanto, por meio da implementação do sistema de compost barn, sendo um dos principais modelos de criação adotados no Estado”, diz Pablo Jonata.

Pablo Jonata: O mito de não haver condições de criação da raça Holandesa vem sendo quebrado, conforme demonstram os investimentos na raça do pequeno ao grande produtor

Os animais da Fazenda Encanto, em Nossa Senhora da Glória (SE), atingiram uma média de 43 kg de leite por dia, a maior da raça no Nordeste

“Na opinião do especialista, o que ele tem visto, na prática, é uma quebra de tabu, demonstrada por meio da crescente adoção da raça Holandesa nos cruzamentos e até mesmo no uso da raça de forma única, notando-se um crescimento de rebanhos de animais PO, “principalmente os animais já nascidos aclimatados, no qual o resultado em produção tem sido extremamente satisfatório”, observa ele.

O zootecnista orienta os criadores de gado Holandês a buscarem sempre maior eficiência na gestão e na adoção de tecnologias, para que seu custo de produção seja o mais em conta possível, a fim de garantir a sustentabilidade da propriedade. “Nosso objetivo é sempre trabalhar para otimizar os custos do produtor, ressaltando a importância de se oferecer uma dieta de qualidade a custo mínimo, visando atender plenamente às exigências da raça. Desta forma, um dos alimentos mais utilizados aqui em Sergipe e na região é a palma forrageira, que serve como base da alimentação de nossa vacas.”

De acordo com o técnico do Senar/SE, conforme o contexto da região, a forragem de palma tem sido uma excelente alternativa, contribuindo de maneira efetiva no manejo dos animais, garantindo aporte hídrico e nutricional, não alterando a composição do leite. “Além do mais, é uma vegetação de fácil cultivo, e os produtores do Nordeste estão sempre lançando mão dessa opção para garantir o manejo do plantel”, ressalta.

Na avaliação de Valloto, o crescimento da raça na região é uma quebra de tabu, tanto que, em cada propriedade leiteira onde os técnicos da associação passaram pela região de Nossa Senhora da Glória, eles puderam notar que todas as fazendas possuem algumas vacas Holandesas no rebanho. “Com 33 anos de experiência, fiquei muito impressionado e pude comprovar a questão da adaptabilidade dos animais, pois é incrível como os animais leiteiros se adaptam tão bem às condições de clima, debaixo de um sol ardente de 38 graus. Basta ver os bezerreiros.”

No seu entender, o avanço dessa genética só foi possível porque os produtores estão realizando o manejo adequado de criação desses animais, aplicando na prática a técnica, o conhecimento, e, claro, mensurando a viabilização econômica do projeto para ter uma estrutura básica de suplementação, sombreamento, seja de forma artificial, seja natural com suficiente quantidade de árvores.

“Além disso, os criadores trabalham muito bem o manejo alimentar do rebanho, usando a palma forrageira, que é um alimento fantástico, bastante difundido entre os pecuaristas, também em Sergipe, que é um dos grandes produtores de milho, tanto que existe alta produção e oferta de silagem de boa qualidade”, conclui Valloto.

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