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A raça tem papel estratégico não só como produtora de leite, mas também na formação dos rebanhos leiteiros, com participação em vários sistemas de cruzamento outras raças leiteiras

MELHORAMENTO GENÉTICO

GIR LEITEIRO

avança em melhoramento genético e presta grande contribuição à produção leiteira

Iniciativas como o Programa Nacional de Melhoramento Genético do Gir Leiteiro, criado em 1985, a seleção genômica, além de outras pesquisas realizadas, colocam a raça num nível de protagonista da pecuária de leite tropical

Erick Henrique

Considerando-se as condições de produção em clima tropical, na avaliação do pesquisador da Embrapa Gado de Leite Claudio do Carmo Panetto, o Gir Leiteiro tem papel estratégico na formação dos rebanhos leiteiros, especialmente por sua participação em vários sistemas de cruzamento envolvendo as raças Gir e Holandesa. Para o especialista em melhoramento genético, hoje o Gir Leiteiro não contribui apenas com a rusticidade, como era no princípio, mas também com genética favorável à produtividade nos rebanhos mestiços ou Girolandos resultantes desses cruzamentos.

“O Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro (PNMGL), da Associação Brasileira de Gir Leiteiro/Embrapa Gado de Leite, é marcado, desde o seu início, em 1985, pela constante inovação e pela forte conexão entre ciência e setor produtivo. Ele foi o primeiro programa de melhoramento do mundo a utilizar um delineamento de teste de progênie para a melhoria da produção de leite em rebanhos zebuínos”, lembra o pesquisador da Embrapa e coordenador técnico do PNMGL.

Panetto diz que já no início deste milênio os técnicos começaram a coletar material biológico de todos os touros importantes e de fêmeas PO que possuíam registros de controle leiteiro nas fazendas participantes. A Embrapa estava vislumbrando a crescente importância da genética molecular e das análises do DNA para os programas de melhoramento. Isso possibilitou, em 2016, ser o primeiro programa de melhoramento de zebuínos para leite a implementar a seleção genômica de forma sistemática em sua rotina de avaliações.

Como resultado desse trabalho, a evolução genética dos rebanhos participantes e colaboradores do PNMGL foi crescente ao longo dos anos. “A média de produção passou de algo em torno de 2 mil kg na lactação, quando as filhas dos primeiros grupos de touros começaram a ser testadas, no início dos anos 1990, para cerca de 4,6 mil kg nas lactações das filhas de touros nascidas nos anos recentes”, ressalta Panetto, acrescentando que essa evolução pode ser observada também pelos valores genéticos estimados para os touros dos grupos recentes.

Ele pontua que, após a implementação da seleção genômica na pré-seleção dos touros que entram no teste de progênie, as médias dos grupos são cada vez maiores. “Para se ter ideia, a média dos grupos atuais de touros, cujo sêmen está sendo distribuído agora, é próxima ao valor dos touros de maiores GPTAs para leite disponíveis no mercado. Isso significa que muito deles serão provados bem acima do que temos hoje, acelerando ainda mais os ganhos genéticos da raça.”

Cláudio Panetto | A evolução genética dos rebanhos participantes e colaboradores do PNMGL foi crescente ao longo dos anos. A média de produção passou de algo em torno de 2 mil kg na lactação, no início dos anos 1990, para cerca de 4,6 mil kg nas lactações das filhas de touros nascidas nos anos recentes

Para o superintendente técnico da ABCGIL, André Rabelo, além do aumento na produção de leite, o PNMGL propiciou melhorias em características ligadas a conformação e manejo da raça, como estrutura, úbere, aprumos, temperamento, facilidade de ordenha, além de melhorar a idade ao primeiro parto das fêmeas Gir leiteiras.

“Vale frisar também que o aumento de produtividade do Gir Leiteiro contribui diretamente para o aumento da média do Girolando, raça esta que predomina na maioria das fazendas produtoras de leite do Brasil. Ou seja, é uma raça de grande importância para a pecuária leiteira nacional, visto que confere ao País uma condição de produzir leite de forma sustentável nos trópicos, tanto como raça pura ou em cruzamentos”, diz Rabelo.

André Rabelo | A raça é de grande importância para a pecuária leiteira nacional, visto que confere ao País uma condição de produzir leite de forma sustentável nos trópicos, tanto como raça pura ou em cruzamentos

João Vicente A. de Ávila | Recebo feedback de produtores brasileiros e de países como a Colômbia, que utilizam a genética de gabarito AVLA em seus cruzamentos com vacas Gir Leiteiro e também com holandesas PO

Paixão pelo Gir Leiteiro desde a tenra idade – O criador e selecionador de animais melhoradores João Vicente Alves de Ávila acompanha de perto a evolução da raça e se enche de orgulho por integrar o time de 450 fazendas colaboradoras do teste de progênie. O pecuarista de Barra Longa (MG), que criava cavalos de raça, e resolveu investir, em 2007, numa paixão de infância: a criação de animais leiteiros, especialmente o gado Gir Leiteiro.

“Eu sempre quis melhorar o gado leiteiro, logo comecei o meu rebanho investindo na tecnologia de transferência de embrião (TE), pois essa ferramenta, bem como a inseminação artificial, democratizou muito o melhoramento genético das fazendas. No entanto, o uso da TE era muito caro, há 15 anos, quando utilizada a genética de doadoras famosas”, explica Ávila.

O criador recorda que, pelo fato de a fazenda não dispor de muito dinheiro em caixa, eles resolveram estudar os acasalamentos, observar qual animal é complementar, porque, segundo ele, algo que o criatório AVLA GIR nunca fez foi inseminar de bica corrida, por exemplo, utilizando apenas sêmen do mesmo touro em todas as fêmeas. “Sempre buscamos corrigir a necessidade de cada animal, claro que com ajuda de assessoria técnica, olhando o que os criadores vizinhos estão fazendo, estudando o sumário do PNMGL, pois o melhoramento genético é algo de que eu gosto muito.”

Todo esse trabalho tem obtido excelentes resultados, tanto que o criatório conta com destacados animais nas principais centrais de inseminação do Brasil, como o touro Gabarito AVLA, que se sagrou bi-Grande Campeão da Megaleite e Grande Campeão da última ExpoZebu, realizada em 2019. Duplicata, sua mãe, produziu 11.335 kg na primeira lactação, algo que demonstra todo o potencial dessa genética do criador mineiro. Além disso, o pecuarista comercializa bezerros, bezerras e doadoras Gir Leiteiro em leilões ou em venda direta durante o ano.

“Recebo feedback de produtores brasileiros e de países como a Colômbia, que utilizam a genética de Gabarito AVLA em seus cruzamentos com vacas Gir Leiteiro e também com holandesas PO. Esses pecuaristas disseram que as filhas desse reprodutor estão apresentando excelentes resultados em termos de produtividade. Tal retorno dos criadores é bastante satisfatório para nós.”

Bruna Hortolani | Volto a dizer que a seleção via melhoramento genético deve ser sempre vista como um conjunto. Por exemplo, de nada adianta buscar o A2A2, mas com baixa produção de leite, problemas de aprumos, úberes mal inseridos, ligamentos fracos e conformação corporal fraca

Gir Leiteiro pelos estudos do IZ – A zootecnista formada pela Unesp/Jaboticabal Bruna Hortolani procurou o Instituto de Zootecnia, do Estado de São Paulo, para desenvolver sua tese de mestrado em produção animal – com ênfase em melhoramento genético por meio do “Estudo de Características Produtivas da Raça Gir Leiteiro”. De acordo com o estudo publicado em 2019, foram estimados os parâmetros genéticos para as características de peso da vaca ao parto e produção de leite. Também foram avaliadas as frequências genotípicas dos animais para a beta-caseína e kappa-caseína, bem como sua associação com as características de produção e composição do leite.

No estudo de estimativa de parâmetros genéticos para peso da vaca ao parto (PP) e produção de leite acumulada aos 305 dias de lactação (P305) foram aplicadas análises bicaracterísticas, sob um modelo animal, com dados oriundos de duas fazendas, de partos ocorridos entre os anos de 1984 e 2019. Foram utilizadas 1.587 informações de pesos da vaca ao parto (PP) e 3.617 lactações encerradas (P305), pertencentes a 2.131 fêmeas.

“Com o leite A2A2 (beta-caseína) o assunto já está bem na mídia, mostrando as possibilidades que este produto pode oferecer. Portanto, no meu trabalho busquei a associação desse produto final, pensando nas características de produção e composição do leite (% de gordura e proteína), ou seja, juntando o enfoque de mercado com os benefícios para a indústria. E, claro, pensando no valor agregado que isso pode gerar para o criador que produz neste formato”, ressalta a zootecnista.

Conforme a pesquisadora, no Gir Leiteiro a frequência do alelo A2 é bem superior ao A1, o que facilita o processo, porém os rebanhos possuem animais com perfil A1A2 (heterozigoto) e estes precisam ser selecionados para garantir as futuras gerações apenas homozigotas, A2A2. “Porém, vale destacar que não pode ser uma seleção isolada, ou seja, apenas para o gene A2. De nada adiantará ter um rebanho 100% A2A2, mas com baixa produção de leite, problemas de aprumos, úberes mal inseridos, ligamentos fracos, conformação corporal fraca, e outros. Volto a dizer que a seleção via melhoramento genético deve ser sempre vista como um conjunto.”

Já na outra pesquisa, ela avaliou a associação das características de peso da vaca e produção de leite, buscando entender os impactos que a seleção provocou e que ainda podem acontecer caso o caminho seguido seja o de maior produção de leite apenas. “Ou seja, nossa preocupação é entender se isso pode gerar impactos negativos ao sistema produtivo.”

De acordo com Bruna Hortolani, é preciso entender se uma seleção intensa e exclusiva para uma determinada característica, como a produção de leite, por exemplo, pode afetar negativamente a outra. “Neste caso, a nossa preocupação é se, ao selecionar para produção de leite, não estamos selecionando indiretamente para vacas de maior tamanho. Pensando no sistema de produção da raça, isso poderia influenciar negativamente, inclusive financeiramente, pois bovinos Gir Leiteiro maiores têm maiores demandas nutricionais e consequentemente oneram o sistema. Ademais, uma seleção para animais maiores pode trazer outros prejuízos, como problemas no parto, por exemplo, e outros.”

A zootecnista avalia que cada criador deve ter o seu enfoque, e assim desenhar os passos para a lucratividade da sua atividade. “Tenho um amor enorme pelo Gir Leiteiro (que não é segredo para ninguém), também acredito muito no potencial da raça. É um animal com características importantes, que vem sendo melhorado geneticamente e está trazendo resultados positivos nos sistemas tropicais, seja como produção de leite exclusiva, seja como fornecedora de genética (inclusive para produção do Girolando).”

Mercado de genética leiteira – No balanço do superintendente da ABCGIL, a raça vem aumentando a venda de sêmen e de animais nos últimos anos. Prova disso, segundo Rabelo, são os leilões e as centrais de inseminação que aumentaram sua demanda por animais Gir Leiteiro.

Quem atesta tal crescimento é o zootecnista e gerente de Produto Leite Tropical da Semex, Christian Milani: “Na nossa bateria a raça Gir Leiteiro é a quarta mais bem vendida no Brasil. Nós temos em primeiro lugar a raça Holandesa, e, em seguida, a Girolando, a Jersey e depois a Gir”.

A propósito, Milani informa que, em 2020, a Semex detectou um bom crescimento pela genética da raça, muito em virtude do trabalho realizado pela ABCGIL em parceria com a Embrapa Gado de Leite, no mapeamento da genômica dos animais, sobretudo das fêmeas, descobrindo que são os melhores indivíduos em PTA Leite, auxiliando o mercado a promover os melhores acasalamentos.

“O Gir Leiteiro tem uma representatividade importante dentro do cenário nacional, por ser uma raça rústica, e isso é muito interessante, pois vivemos num país tropical. Logo, o cruzamento do Gir Leiteiro entra exatamente nesse segmento, buscando trazer essa pitada de rusticidade ao rebanho para que as vacas realmente não sofram com estresse calórico. Aliás, a raça traz a possibilidade de ter animais mais longevos, de melhor produção, podendo pastorear mais sob essas condições.”

Christian Milani: "O Gir Leiteiro tem uma representatividade importante dentro do cenário nacional, por ser uma raça rústica, e isso é muito interessante, pois vivemos num país tropical"

Já o médico veterinário e gerente de Produto Leite da Genex, Bruno Scarpa Nilo, destaca que, dentro do portfólio de touros da central, o Gir Leiteiro tem um papel bastante importante. “A cada ano a gente vem aumentando principalmente a nossa exportação de sêmen Gir Leiteiro, além disso, dobramos as vendas de sêmen nacional em 2020, e a raça entra nessa conta. Mas precisamos melhorar, de maneira geral, os entraves de alguns países, por causa dos protocolos sanitários, que são bem complicados. No entanto, não é nada impossível de ser resolvido. Feito isso, as portas para o Gir Leiteiro se abrem sobremaneira.”

Scarpa, no entanto, acrescenta que o investimento em material genético ainda não ocorre da maneira como deveria ser na bovinocultura leiteira brasileira por falta de não serem medidos os dados de produção, visto que a grande maioria das fazendas leiteiras não possui nenhum tipo de controle, e com isso não é possível mensurar o ganho adquirido.

“Este é um grande gargalo, uma vez que o produtor acaba por não enxergar o valor de trabalhar com uma genética de melhor qualidade. Mas quando se fecha uma lactação com 2 mil quilos a mais, tendo uma vaca produzindo duas crias a mais, emprenhando com dois ciclos antes, o pecuarista começa a mensurar esses dados, e passa a sentir o impacto disso tudo na propriedade.”

Bruno Scarpa Nilo: "Dentro do portfólio de touros da central, o Gir Leiteiro tem um papel bastante importante. A cada ano a gente vem aumentando principalmente a nossa exportação de sêmen da raça"

ESTÂNCIA SILVANIA TEM PIONEIRISMO NO LEITE A2


No quesito melhoramento genético da raça, vale lembrar o que disse Bruna Hortolani: “Volto a dizer que a seleção via melhoramento genético deve ser sempre vista como um conjunto”. Quem faz isso com maestria é o médico veterinário e pecuarista Eduardo Falcão de Carvalho, da Estância Silvania, localizada em Caçapava (SP), desde que assumiu a gestão da fazenda e profissionalizou as atividades do negócio. Avaliações genéticas, touros provados, multiplicação genética e acasalamentos direcionados, com a introdução da seleção do leite A2 no Brasil, oriundos da raça Gir Leiteiro, trabalho iniciado em 2010, proporcionaram à Estância Silvania alcançar o marco desejado.

“Como resultados, fomos a primeira fazenda da América Latina certificada para Leite A2A2 e Bem-Estar Animal, atestando nosso compromisso de produzir dentro de normas com respeito à natureza, aos animais e aos consumidores que a cada dia são mais exigentes. Com isso, o produto ganhou visibilidade, fomentando a qualidade e o potencial de produção de leite A2 no Brasil, que pode e deve se tornar um grande produtor, inclusive com grande potencial de exportação”, ressalta Carvalho.

Eduardo e Camila: a Estância Silvania se posiciona no Brasil e no exterior como uma das referências na pecuária tropical, com o Gir Leiteiro como raça produtora de leite comercialmente rentável

Ele e sua esposa, Camila, direcionam os trabalhos para produção de queijos maturados de leite A2 de Gir Leiteiro, criados a pasto, sem uso de hormônios para estimular a produção ou descida do leite e ordenha mecanizada com bezerro ao pé. “Nossos produtos têm se destacado no mercado consumidor e também em avaliações e concursos, como no IV Prêmio Brasil 2018, em que conquistamos dez medalhas com nossos queijos. E a produção atual é de 650 kg de leite A2 por dia”, diz ela.

Segundo Carvalho, a Estância Silvania vem, ao longo de seus 58 anos de existência, se dedicando ao melhoramento genético do Gir Leiteiro e por meio desse trabalho de seleção tem conseguido se posicionar no Brasil e no exterior como uma das referências na pecuária tropical, tanto na questão de fornecimento de material genético superior, como no fortalecimento do Gir Leiteiro como raça produtora de leite comercialmente rentável.

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