balde branco
revista-baldebranco-goias-01-ed690

Com base no Diagnóstico de 2019, a cadeia leiteira goiana busca soluções para fortalecer o setor

DESAFIOS

Goiás pode avançar mais

na solução de seus problemas na cadeia do leite

O Estado, que já foi destaque na produção de leite do País, busca recuperar posição, mas ainda enfrenta desafios

Luiz H. Pitombo

Considerando o ano de 2021, a produção total de leite atingiu a 3,12 bilhões de litros em Goiás, o que representa 8,8% do total nacional, segundo dados preliminares da última Pesquisa Pecuária Municipal (PPM/IBGE). O estado foi o quinto maior fornecedor, bem diferente de 2000 quando ocupava a segunda colocação com 11% do País.

Desde então, Goiás tem apresentado evoluções menores que a média nacional acarretando em perda de posição. Se no período o volume brasileiro de leite cresceu 78% chegando a 35,30 bilhões de litros, no estado a evolução foi de 42%.

Com números mais recentes, outro sinal veio por meio da comercialização de leite inspecionado da Pesquisa Trimestral do Leite, também do IBGE. Em 2021, esta caiu 3% na comparação com o ano anterior, ao ficar em 2,43 bilhões de litros, e só no primeiro semestre de 2022, menos 20%, contra queda próxima a 9% do total nacional, o que piorou mais a ociosidade da indústria.

O quadro vinha trazendo apreensão, tanto que foram elaborados dois diagnósticos da cadeia produtiva por intermédio da Federação da Agricultura do Estado (Faeg) e de outras instituições, um em 2009 e outro em 2019. Este último mereceu uma apresentação com sugestões de pontos a trabalhar no Interleite 2022, realizado em Goiânia, no mês de agosto.

A avaliação ampla que se faz é de que algumas melhorias foram obtidas, mas ainda poucas, porém parcela da indústria se mostra atualmente mais disposta e atuante em sua contribuição rumo à mudança da situação.

Em 2019, foram entrevistados 568 produtores de significativas regiões produtoras, 21 cooperativas, 14 laticínios e 51 empresas de varejo.

Chama a atenção, o que também deve ocorrer em outras regiões, que quase 80% dos pecuaristas não calculavam seus custos de produção e que 50% não possuíam planejamento da atividade. Também perto de 80% não contavam com assistência continuada e 57% não tinham recebido nenhuma visita técnica no último ano. No repasse da inseminação artificial ou monta natural, 38% utilizam animais da raça Nelore para obter uma renda adicional na venda dos animais.

Como principais problemas, os produtores apontaram as oscilações dos preços, a incerteza quanto aos valores a serem recebidos e a baixa remuneração, dentre outros.

Aspectos positivos surgiram quando 43% daqueles que disseram que a principal atividade da fazenda era o leite, e destes 71% pretendiam aumentar a produção. Na questão da sucessão, afirmaram que 51% dos filhos pretendiam continuar na atividade.

Entre os vários os problemas que devem ser enfrentados está a orientação técnica para melhor desempenho dos rebanhos, a começar pela dieta adequada dos animais

Na comparação com o diagnóstico anterior, houve crescimento nos investimentos dentro das propriedades, como na adoção da ordenha mecânica e a maior realização de registros de parições. Mostraram algum aumento as anotações referentes às despesas e receitas, na adoção de duas ordenhas e na maior participação das esposas no trabalho.

Para a indústria, as principais dificuldades apontadas foram o baixo volume de leite captado por quilômetro rodado, que na média foi de 44 litros; a infraestrutura deficitária de estradas e pontes, além de problemas no fornecimento de energia elétrica, que igualmente afetam o produtor.

Para 32% delas, o número de fornecedores aumentou nos últimos dez anos, como a oferta média por produtor para 44%. Já nas cooperativas, o número de fornecedores cresceu apenas para 6% e a oferta média só melhorou para perto de 8%.

Potencial e sugestões – “Goiás tem todas as condições de ter uma produção de leite pujante e competitiva, existe disponibilidade de terra, potencial para forrageiras tropicais, produção de grãos, gente e mercado”, afirma o engenheiro agrônomo Antônio Carlos de Souza Lima Junior, da SL Consultoria, uma das empresas que realizaram o diagnóstico de 2019.

Ele comenta que a pandemia atrapalhou que fosse melhor aproveitado, mas que ainda é atual e representa um ponto de partida, sendo necessário colocar “a mão na massa”, o setor se organizar mais e buscar uma ação articulada para reverter a situação.

Esses aspectos aparecem nas sugestões que apresentou no evento, que tiveram como ponto de partida caminhos indicados no diagnóstico de que participou. Por exemplo, fala da necessidade do fortalecimento do sistema agroindustrial por meio de uma melhor governança pelas representações dos diferentes integrantes.

Também defende maior articulação institucional entre os agentes de assistência técnica e gerencial (Senar, Sebrae, Emater e Senai), indústrias e cooperativas, estas também realizando mais ações de capacitação e facilitando, por exemplo, o acesso dos produtores a melhor genética e equipamentos. 

Antônio Carlos de Lima Júnior: “O Diagnóstico 2019 ainda é atual e representa um ponto de partida, sendo necessário colocar 'a mão na massa', o setor se organizar mais e buscar uma ação articulada para reverter a situação”

Ele informa que já existem trabalhos em andamento, como o fornecimento pelo Sebrae- GO de embriões FIV (fecundação in vitro) a valores subsidiados e o bom programa de assistência realizado pelo Senar-GO. Mas salienta que as ações precisariam ser expandidas e com maior integração entre elas.

Outro aspecto que destaca é também o fortalecimento das cooperativas, em sua maioria pequenas, com ênfase no desenvolvimento dos produtores e o estímulo ao aumento da produção por intermédio da assistência aos fazendeiros mais engajados. O agrônomo reforça que o ganho de escala é uma necessidade para diluir os custos fixos, o que igualmente precisaria acontecer com a indústria, além de aprimorar sua gestão.

Ele aponta que os recursos do Programa Mais Leite Saudável poderiam ter seu uso ampliado e que abarcassem questões de gerenciamento e não só qualidade do leite.

Na sensível e polêmica área de preços, Lima ressalta que em 2019 foi criada a Câmara Técnica de Conciliação da Cadeia Láctea, onde possuem assento a Secretaria da Agricultura, produtores e indústria. Diferentemente dos Conseleites, ela não apresenta valores, mas índices de variação de preços no atacado de uma cesta de produtos que servem de referência para as negociações. O agrônomo indica que ela também representa um espaço para se discutirem outras questões do setor.

Mudanças e dificuldades – Vinícius Correia de Oliveira, presidente da Comissão de Pecuária de Leite da Faeg, ao observar as transformações ocorridas na cadeia entre os dois diagnósticos, considera que não foram muitas, mas aponta a maior tecnificação dos produtores, com a adoção do compost barn e do free-stall, além da ampliação na gestão profissional, embora reconheça que ainda falte avançar para mais propriedades.

Em relação ao diagnóstico mais recente, indicou dois aspectos que tocariam mais de perto o produtor, que seriam a necessidade de ter maior escala de produção e ganhar eficiência na atividade. Já sobre a atuação da indústria na assistência técnica aos seus fornecedores, avalia que o investimento permanece tímido até hoje. Ele também informa que após 2019 muita gente deixou a atividade por falta de previsibilidade de preços e rentabilidade, em especial os pequenos, o que teria ocorrido principalmente em 2021 e que deve se acentuar neste ano, como estima.

Em diferentes momentos da entrevista mostrou insatisfação sobre a precificação do leite e a forma de pagamento, que diz praticamente não ter sido alterada há anos. “A indústria reclama que o varejo aperta muito e aí ela aperta o produtor, e do seu lado o consumidor reclama dos preços altos”, afirma. Igualmente diz que são poucos os compradores de leite e que acabam por distorcer o mercado numa cadeia que diz estar desequilibrada. O assunto levou à abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito em andamento na Assembleia Legislativa estadual.

Vinicius Correia: “A indústria reclama que o varejo aperta muito e aí ela aperta o produtor, e do seu lado o consumidor reclama dos preços altos”

Oliveira entende que a Câmara de Conciliação trouxe alguma melhoria na relação. Os índices, que afirma serem bons, diz que eram para ser utilizados em contratos de fornecimento, que na sua avaliação não tiveram boa adesão pela indústria. Com a pandemia e a grande volatilidade de preços que se seguiu, tem observado que produtores e indústria mostram receio em utilizá-lo.

Para voltar a crescer a produção no Estado, sugere que seria preciso tentar equilibrar e harmonizar a cadeia, criando ferramentas que protejam o consumidor e o produtor, as duas pontas que considera mais prejudicadas. Ele conta que se discute isso na Câmara, “mas não é fácil e o que mais pega são os interesses comerciais”, aponta.

Caso fossem bem geridas, é da opinião que as cooperativas seriam uma alternativa de solução para Goiás, realizando, por exemplo, a compra coletiva de grãos e dando tranquilidade ao pecuarista de que não receberia valores abaixo do mercado.

Visão da indústria e genética – A realização do diagnóstico de 2019 foi considerada positiva e contou com o apoio do Sindicato das Indústrias de Laticínios no Estado de Goiás (Sindileite), como informa Jair José Antônio Borges, seu presidente. No entanto, considera que poderia ter abarcado mais regiões e que posteriormente houve alterações no cenário como a queda no fornecimento.

Quanto às dificuldades indicadas pela indústria, concorda que a baixa captação por quilômetro é problema e lamenta que prefeituras não estejam sensíveis ao rápido retorno que investimentos em infraestrutura trazem. Em relação à energia elétrica, afirma que houve melhorias e, como Oliveira, cita que a sucessão é aspecto que traz preocupação.

Ao tratar dos rumos sugeridos, acredita que no caso do fortalecimento da cadeia estariam implícitas algumas ideias, como a verticalização, a exemplo da avicultura e suinocultura. “É um ponto de vista e a indústria tem pensado nisso, mas precisaria aprimorar algumas coisas como não aprisionar os dois lados”, diz.

Sobre a integração da cadeia, pondera que ela já existe em alguns projetos, mas que seria necessário definir como ficariam as áreas de atuação dos segmentos. De qualquer forma, nota que a indústria é favorável e está disposta.

Jair José A. Borges: “A presença do varejo na Câmara Técnica de Conciliação seria interessante, desde que com representantes com poder de decisão, o que é muito difícil acontecer”

O dirigente avalia que a Câmara Técnica de Conciliação trouxe um caminho e maior conhecimento entre as partes. A presença do varejo seria igualmente interessante, desde que com representantes com poder de decisão, o que é muito difícil acontecer, pontua.

Ele não considera que os produtores estejam prejudicados na divisão dos valores na cadeia. A maior fatia, como afirma a partir de médias de preços dos últimos anos, estaria no campo vindo a seguir o varejo, este com sinais claros de oligopólio. Borges acrescenta que a indústria não tem praticado os preços mais baixos do País e diz que “nos últimos anos o Brasil está entre os cinco melhores”.

Sobre contratos com fornecedores, entende que são os produtores que estão reticentes e que a indústria é favorável, assinalando que neste ano foi colocado à disposição da Faeg um modelo sugerido pelo Sindileite.

A queda na oferta de leite inspecionado no Estado trouxe um aumento da ociosidade na indústria, acima dos 36% indicados pelos participantes do diagnóstico de 2019. Segundo o dirigente, hoje ela estaria em até 45% e chegando a 50% em alguns casos, gerando necessidade de adequações, busca de leite em outros Estados, mas sem quebradeira.

Tal quadro tem levado empresas a investirem mais nos fornecedores, o que não teria acontecido antes, pois, assinala Borges, não se imaginava que a situação chegasse onde está.

A assistência técnica e gerencial, que já vinha ocorrendo em algumas empresas por meio do Programa Mais Leite Saudável, deve aumentar a partir de agora, espera o dirigente.

Uma área que haveria certo consenso para mais investimentos é a melhoria genética. Ele informa que alguns laticínios já providenciam a produção de novilhas de qualidade a serem financiadas aos produtores.

Abrir bate-papo
1
Escanear o código
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?