

ATUALIZANDO
MASTITE
Higiene ambiental e conforto das vacas são os principais desafios para seu controle
Nosso convidado para falar sobre esse assunto é o médico veterinário Marcos Veiga dos Santos, professor titular do Departamento de Nutrição e Produção Animal (VNP) da FMVZ-USP. Coordena o Qualileite-FMVZ-USP, Laboratório de Pesquisa em Qualidade do Leite. É autor, juntamente com Luís Fernando Laranja da Fonseca, do livro “Controle da Mastite e Qualidade do Leite – Desafios e Soluções”.
João Antônio dos Santos

Balde Branco – De maneira geral, a mastite ainda é um dos principais problemas nas fazendas leiteiras?
Marcos Veiga Santos – Sim, a mastite é a doença que mais causa prejuízos na cadeia produtiva do leite, tanto no Brasil quanto no mundo todo. Podemos dizer que os prejuízos podem ocorrer de forma direta (desembolsos e custos diretos associados com a doença) ou por perdas de um benefício ou potencial não aproveitado (custos indiretos, por exemplo, quando o produtor deixa de receber uma bonificação pelo preço do leite e as perdas de produção das vacas doentes). A parcela dos custos diretos é facilmente percebida pelos produtores, pois demanda o desembolso e as perdas são evidentes (leite descartado, tratamentos, descarte da vaca). No entanto, os custos indiretos são os que mais afetam a produção e, na maioria das vezes, são subestimados, pois não são fáceis de serem quantificados e percebidos.
BB – Dá para estimar essas perdas/prejuízos que o produtor não percebe e/ou não quantifica?
MVS – Para termos uma ideia do impacto da mastite subclínica na produção de leite, um estudo recente do nosso grupo estimou que vacas com CCS alta produzem de 1 a 3 kg/vaca/dia a menos do que vacas sadias, o que resulta em menor produção, menor receita e menor lucratividade das fazendas com alta CCS. Os dados do Observatório da Qualidade do Leite – OQL (https://bit.ly/3BeMulx) indicam que a CCS média do Brasil varia de 400 mil a 600 mil células/ml, o que indica que cerca de 40% das vacas em lactação desses rebanhos apresentam mastite subclínica. Além dos efeitos negativos sobre a produtividade e lucratividade das fazendas, a mastite também causa prejuízos para as indústrias de laticínios, pois o leite com alta CCS apresenta redução da qualidade e do rendimento industrial para a fabricação dos derivados lácteos subestimados, pois não são fáceis de serem quantificados e percebidos.
BB – Por que é tão difícil o controle dessa doença?
MVS – O controle da mastite é um desafio constante nas fazendas, em razão de ser uma doença multifatorial, que pode ter inúmeras causas. Historicamente, a mastite contagiosa foi o principal problema de mastite nas fazendas, mas com a aplicação de programas de controle que envolvem medidas de rotina de ordenha (destaque para a desinfecção pós-ordenha ou pós-dipping), tratamento de vaca seca e a adequada manutenção de equipamentos de ordenha, uma parcela significativa das fazendas conseguiu reduzir a CCS média nos últimos anos. Por outro lado, com a intensificação dos sistemas de produção de leite e o aumento da produtividade das vacas, atualmente temos também um grande desafio de controle da mastite ambiental. As condições ambientais de higiene e conforto das vacas são hoje um dos principais desafios para o controle de mastite. Assim, um bom controle de mastite envolve a necessidade de medidas de controle de mastite ambiental e contagiosa, considerando um cenário de fazendas cada vez maiores, com vacas mais produtivas e com margens de lucratividade cada vez mais apertadas.
BB – Quais as principais falhas que os produtores cometem no controle da mastite?
MVS – Cada fazenda tem o seu desafio próprio para o controle de mastite. É difícil generalizar. Para sabermos o tamanho e se a mastite é um problema dentro de uma fazenda leiteira é essencial que as fazendas tenham indicadores de mastite. Estes indicadores funcionam como um termômetro sobre a situação atual e a evolução do controle da doença, o que permite concluir se há ou não falhas no controle e possibilidade de melhoria.
Atualmente, a falta de rotina de diagnóstico e de bons indicadores de monitoramento são as principais deficiências e limitações para o controle de mastite, pois não se controla aquilo que não se mede. São três os principais indicadores de controle de mastite: 1) mastite clínica; 2) mastite subclínica; 3) CCS do tanque.
Para diagnóstico da mastite clínica, a recomendação é realizar a rotina de teste da caneca de fundo preto em todas as ordenhas e registrar os casos clínicos e a gravidade da mastite. Essa etapa é fundamental para tomar a decisão sobre a necessidade de tratamento da vaca. Por outro lado, a mastite subclínica somente pode ser diagnosticada pelo teste da CCS (alternativamente pelo teste do CMT), que deve realizada mensalmente em todas as vacas em lactação. Nas fazendas sem os dados de CCS individual, a situação geral da mastite pode ser avaliada pela CCS do tanque, mas mesmo sendo uma informação útil, esse dado não permite a tomada de decisões sobre as medidas específicas de controle.
É interessante notar que a maioria das fazendas ainda não tem essas rotinas básicas de diagnóstico de mastite clínica e subclínica, o que gera uma percepção que subestima a situação da mastite nos rebanhos. Sem essa percepção do problema, não há incentivo por parte dos produtores para buscar soluções para o problema da mastite, que deve ser feita de forma individualizada em cada fazenda.
BB – Por que é importante o produtor conhecer mais sobre os organismos causadores da mastite – os contagiosos e os ambientais?
MVS – O primeiro passo para a controle da mastite é adotar uma rotina de coleta de dados para definir os indicadores de mastite clínica e subclínica na fazenda, o que permite identificar quais vacas estão com mastite dentro da fazenda. O próximo passo é identificar as causas da mastite nesses animais em específico, uma vez que cada tipo de causa de mastite apresenta uma medida de controle ou tratamento diferente. Não é possível saber qual a causa da mastite somente pelas características da mastite, como o tipo de sintoma ou a CCS da vaca.
Para a identificação das causas da mastite o teste recomendado é a cultura microbiológica, que é realizada a partir de uma amostra de leite coletada da vaca com mastite. Atualmente, a cultura microbiológica pode ser realizada em laboratórios especializados, como o Qualileite FMVZ-USP (www.qualileite.org) ou pela metodologia de cultura na fazenda, que permite obter resultados em cerca de 24 horas, e assim, tomar decisões sobre os tratamentos ou adotar medidas de controle de forma imediata.
A mastite pode ser causada por mais de 130 diferentes tipos de microrganismos, mas os que mais causam prejuízos podem ser classificados em dois grandes grupos: contagiosos e ambientais. De uma forma simplificada, a mastite contagiosa é transmitida a partir de vacas infectadas durante a ordenha, enquanto a mastite ambiental tem como fonte de transmissão o ambiente da vaca, principalmente a partir da contaminação por esterco e matéria orgânica. É essencial a identificação das causas da mastite, pois assim é possível definir quais são as medidas de controle e/ou tratamento mais recomendadas para uma vaca em específico ou quais as medidas de controle devem aplicadas ou melhoradas para reduzir a mastite.
Um exemplo simples é a importância de identificar as causas da mastite clínica, o que atualmente pode ser feita na própria fazenda, com o uso da cultura na fazenda. Como não é possível inferir sobre a causa da mastite clínica somente com base nos sintomas, as fazendas que não realizam diagnóstico de cultura na fazenda necessitam tratar todos os casos de mastite clínica com antibióticos. No entanto, estudos científicos e de monitoramento de fazendas indicam que cerca de metade dos casos clínicos não necessitaria de tratamento com antibiótico, pois ou não apresentam bactérias (mastite clínica sem isolamento de bactérias) ou são causados por bactérias com alta taxa de cura espontânea. Isso permite reduzir em cerca de 50% o uso de antibióticos que não seria necessário, o que gera redução de custos e uso mais responsável de antibióticos na produção de leite.
BB – Qual é a principal estratégia para o controle efetivo da mastite?
MVS – Atualmente, a mastite é um dos grandes problemas de qualidade do leite, pois as vacas doentes, além de produzirem menos, produzem leite com alteração de composição. Por exemplo, vacas com alta CCS produzem leite com menor teor de caseína (a principal proteína do leite e a que é responsável direta pelo rendimento de fabricação de queijos), gordura e lactose. Além dos menores de teores de componentes de leite, a mastite aumenta os defeitos de qualidade, como alteração de sabor, maior degradação e menor tempo de prateleira. Todos esses fatores, somados, resultam em menor qualidade dos produtos lácteos, menor rendimento de fabricação e menor competitividade da indústria de laticínios.
Dessa forma, a grande maioria das empresas de laticínios incentiva a melhoria da qualidade do leite e a redução da CCS por meio dos sistemas de pagamento por qualidade. Os sistemas de valorização da qualidade do leite bonificam as fazendas que produzem leite com excelente padrão de CCS, entre outros critérios de qualidade utilizados.
BB – O que o senhor destacaria como a principal inovação no tratamento das mastites e que tem sido comprovada?
MVS – A mastite é uma das doenças mais estudadas em termos de controle e tratamento e, até hoje, não foi desenvolvida nenhuma medida ou produto que de forma isolada consiga erradicar ou controlar a situação da mastite nas fazendas. Por outro lado, há cerca de 50 anos temos um conjunto de medidas de controle comprovado, conhecido inicialmente como programa dos 5 pontos para controle da mastite contagiosa e, posteriormente, foi ampliado para um programa dos 10 pontos, que comprovadamente tiveram sucesso no controle da doença. Vale reforçar algumas dessas medidas de controle como uma excelente rotina de ordenha, manutenção adequada do equipamento de ordenha, tratamento de vaca seca e boas condições de higiene de ambiente das vacas.
Considerando que nenhuma medida, isoladamente, é capaz de resolver o problema da mastite, as inovações mais recentes em termos de controle têm sido o uso de diagnósticos na própria fazenda, como a cultura na fazenda, que permite, em cerca de 24 horas, identificar a causa da mastite e, assim, tomar decisões sobre a necessidade ou não do tratamento, com alto grau de segurança. Outras inovações que estão ocorrendo nas fazendas envolvem o uso de ferramentas digitais para a tomada de decisões mais assertivas, com base em análise de dados. Um dos exemplos é o desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial para identificar a chance de cura da mastite clínica, com base no tipo de causa da mastite, nas características da vaca e na gravidade do caso de mastite clínica.
BB – O que falta fazer para incentivar mais ainda os produtores para o controle da mastite?
MVS – Doenças multifatoriais como a mastite devem ser enfrentadas por meio de programas de controle, que inclui diferentes medidas. Como forma de incentivar os produtores e aumentar a percepção desse problema em toda a cadeia produtiva do leite, são necessárias diferentes frentes de ação. Por exemplo, uma das principais medidas de incentivo e fomento é a qualificação dos produtores, que é uma etapa inicial para conhecer que os produtores possam entender melhor o problema, as causas, os principais prejuízos e as medidas de controle mais recomendadas.
No entanto, essa qualificação deve estar aliada a um programa de pagamento por qualidade, que seja simples e estável no médio e longo prazos, para que haja um incentivo financeiro (bonificação e desconto do preço do leite) para que as fazendas avancem na melhoria da qualidade do leite e do controle da mastite. Nesse ponto em particular, vale a pena destacar que, para resolver problemas de mastite nas fazendas, o produtor precisa contar com uma boa assistência técnica, que o ajude a tomar as melhores decisões de controle da doença. Finalmente, além de qualificação, sistemas de valorização da qualidade do leite e assistência técnica, é fundamental termos uma legislação que defina os critérios mínimos de qualidade para o leite cru que é produzido no Brasil, cujo limite de CCS atual é <500 mil células/ml.
BB – O pagamento do leite por qualidade tem avançado? Ainda continua sendo um estímulo para os produtores?
MVS – O sistema de valorização da qualidade, que bonifica as fazendas que produzem leite de excelente qualidade e descontam das que produzem leite com qualidade deficiente, tem sido uma excelente estratégia para redução da CBT (contagem bacteriana total) do leite, que é um indicador de higiene de produção. No entanto, esses mesmos programas não têm tido sucesso em relação à redução da CCS. Possivelmente, os produtores não têm a percepção de ganho ou de valor em relação às faixas de bonificação que têm sido usadas para CCS ou faltam ainda os demais componentes de qualificação e de assistência técnica, uma vez que a CCS média das fazendas tem permanecido estável nos últimos anos.
BB – Em relação ao compost barn, já se têm conhecimentos suficientes sobre seus impactos em relação à mastite – se realmente ajuda na redução dos casos. E se em determinadas situações (quais?) contribui para seu aumento? O que se sabe com certeza hoje?
MVS – O sistema de compost barn é uma excelente opção de confinamento de vacas leiteiras, mas deve ser construído e manejado de forma adequada para se ter bons resultados. Quando o sistema é bem dimensionado (lotação) e com manejo adequado de ventilação e da cama, fornece boas condições de conforto e bem-estar para as vacas, com obtenção de ótimos resultados de controle de mastite e aumentos de produção de leite.
Nosso grupo de pesquisa está concluindo um estudo de monitoramento de mastite em sistemas de compost barn que foi realizado em oito fazendas, durante um semestre. Os dados preliminares indicam que as principais causas da mastite nas vacas confinadas em sistema de compost barn não mudam em relação a outros sistemas. Por outro lado, quando o compost barn tem problemas de alta umidade na cama, alta lotação e deficiências de manejo da cama, tem-se um ambiente de alto risco para mastite ambiental.