balde branco

Pesquisas apontam que vacas criadas sob sombra tiveram um aumento do número de folículos em 16%, e, no de ovócitos viáveis, de 81%

SUSTENTABILIDADE

ILPF garante mais leite e proteção ao meio ambiente

Pesquisadores mostram que a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta é grande aliada para o desenvolvimento sustentável de uma fazenda produtora de leite – traz benefícios econômicos, zootécnicos e reduz emissões de gases nocivos à natureza

Erick Henrique

   Inúmeras pesquisas e exemplos concretos em muitas fazendas, de várias regiões do País, comprovam os benefícios da integração entre lavoura, pecuária e floresta em uma mesma área, sistema que forma a sigla ILPF. E, em propriedades leiteiras que utilizam essa tecnologia, há exemplos claros de melhoria da atividade nas mais diversas situações e tamanho da fazenda. 

   Os beneficiários são todos os envolvidos num sistema de produção, no caso a propriedade leiteira. A começar pelo pecuarista, que pode aumentar a sua margem de lucro por meio da elevação dos níveis de produtividade. As vacas, que têm a missão de dar leite, em contrapartida, recebem os desejáveis conforto térmico e bem-estar animal. Já a população, de maneira geral, terá menos gases do efeito estufa (GEE) sendo emitidos na atmosfera. Ou seja, pessoas vivendo com qualidade e saúde por muito mais anos, e consumindo diariamente os produtos da cadeia láctea.

   “O principal benefício do produtor de leite que utiliza o sistema de ILPF é a produção de alimento durante o ano todo, tanto no período das chuvas, que terá pasto disponível em quantidade e qualidade, e na seca, quando a forrageira proveniente da integração pode ser ensilada. Outro grande benefício é promover a recuperação das pastagens. Isso ocorre quando o produtor começa a fazer consórcio de milho ou sorgo com capim e muda as áreas de plantio ao longo dos anos”, explica a médica veterinária Isabel Cristina Ferreira, pesquisadora da Embrapa Cerrados. 

   Conforme a especialista, com o plantio de árvores, em um projeto mais a longo prazo, há vantagens como a utilização de madeira na própria fazenda, venda para diferentes usos, a função de quebra-vento, além de sombra para as vacas leiteiras. Desse modo, são vantagens de muita importância, principalmente em regiões e nas épocas mais quentes do ano. 

   “No Centro de Tecnologias para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) da Embrapa Cerrados, temos resultados de três anos de estudos em ILPF. O estudo com vacas leiteiras se iniciou quando as árvores tinham quase quatro anos de idade. E no segundo ano de avaliação tivemos um aumento da produtividade da terra de 11% da ILPF em relação à ILP. Isso muda muito em relação ao tipo de sistema adotado, das raças das vacas, a região e o clima”, diz Isabel Ferreira.

 

Isabel Cristina Ferreira: durante três anos de estudos no CTZL, as vacas Gir que estavam sob ILPF tiveram um aumento médio de 22% na produção

   A reprodução agradece –  O CTZL trabalha com biotecnologias da reprodução para multiplicação e seleção de zebu leiteiro, tais como Gir, Sindi e Guzerá. E, como o estresse de calor afeta as funções reprodutivas e pode prejudicar o desempenho dos animais, o objetivo da pesquisa foi avaliar como se comportaram as vacas quanto à qualidade e à quantidade de ovócitos e embriões produzidos, em animais criados a pleno sol e sob sombra de eucalipto (ILPF). 

   Os resultados para a raça Gir, no período mais quente do ano, indicaram que as vacas que estavam sob sombra tiveram um aumento do número de folículos em 16%, aumento de ovócitos viáveis em 81% e quatro vezes mais embriões quando comparadas com as vacas do pleno sol.

   “A metodologia utilizada foi a seguinte: em área de 16 hectares de capim mombaça em manejo rotacionado, sendo 8 hectares a pleno sol e 8 hectares com ILPF (árvores em linhas únicas a cada 25 metros e 1,5 m entre cada uma), mantivemos 20 vacas, sendo 11 sob sol e 9 sob sombra durante um ano. Separamos o efeito no período da chuva (novembro a abril) e no período da seca (maio a outubro). Durante um ano, foram feitas 25 aspirações foliculares guiadas por ultrassom, com intervalos entre 14 e 22 dias, avaliações laboratoriais e fertilização in vitro para medir as respostas em ovócitos e embriões”, descreve a especialista do CTZL.

   Melhoria dos índices zootécnicos – Segundo estudos da Embrapa Cerrados, a ILPF pode aumentar a receita do sistema de produção do pequeno e médio produtor de leite porque eleva os índices produtivos e reprodutivos, inclusive os sólidos desengordurados do leite e a qualidade da pastagem. Durante três anos de estudos no CTZL, as vacas Gir que estavam sob ILPF tiveram um aumento médio de 22% na produção de leite e de 6% na produção de sólidos desengordurados.

   “O teor de proteína bruta do capim sob sombra foi 30% maior e a digestibilidade 6% maior. O sistema proporciona ainda que o pecuarista possa produzir grãos para alimentação animal e silagem, o que faz com que produtores economizem na compra de alimentos para o plantel, sobretudo no auge da seca. Ou seja, é o somatório de vários indicadores que, ao fim, com uma propriedade bem gerenciada, traz retorno”, afirma Isabel Ferreira.

   Uma  publicação produzida em 2019, pela Rede ILPF, pela Embrapa e pelo Ministério da Agricultura sobre as estratégias regionais de transferência, avaliação da adoção e de impactos da ILPF, informa que a Embrapa Gado de Leite tem conduzido estudos nos aspectos do manejo desses sistemas e sua influência na produtividade dos componentes agrícola, pecuário e florestal.

   Um bom exemplo de sucesso é a Chácara das Gabirobas, do produtor Vanderlei dos Reis Souza, situada a dois quilômetros do município de Coronel Xavier Chaves, em Minas Gerais. A propriedade foi transformada pela correta aplicação dos preceitos da tecnologia de integração entre lavoura, pecuária e floresta. Em menos de dez anos, uma propriedade improdutiva, com alta incidência de pragas e com o solo degradado, se tornou uma Unidade de Referência Tecnológica (URT) em ILPF por meio de uma parceria entre Emater-MG, Embrapa Gado de Leite e Prefeitura Municipal. 

   A partir de 2008, quando se evidenciou que a melhor solução para a Chácara das Gabirobas seria adotar um sistema de integração, a Emater-MG recorreu aos pesquisadores da Embrapa Gado de Leite para pôr em prática a ILPF. Desde então, vários pesquisadores contribuíram com seus trabalhos, estudos, sugestões e acompanhamento, em perfeita harmonia com o produtor e o técnico. 

O produtor Vanderlei dos Reis Souza recebe os pesquisadores da Embrapa (Sergio Rustichelli e Alexandre Brighetti) e Leonardo Calsavara (Emater-MG)

   A primeira gleba foi uma área de 4 hectares, onde foi feito o plantio de linhas duplas de árvores de eucalipto espaçadas em três metros entre as linhas e dois metros entre as plantas. Os renques foram estabelecidos em distâncias variáveis (18 a 35 metros), acompanhando os terraços existentes. Na área entre os renques de árvores, foi feito o plantio do capim Urochloa brizantha juntamente com o milho para silagem, com o uso de uma semeadora múltipla para plantio direto. 

   A partir do segundo ano, a área passou à fase silvipastoril. A segunda gleba foi implantada no ano seguinte, com o estabelecimento de renques de linhas duplas de eucalipto (clone GG 157), com espaçamento de cinco metros entre linhas e dois metros entre plantas. Neste caso, o espaçamento entre renques foi fixo, de 40 metros, totalizando 222 árvores/ha. Nos entre-renques foi feito o plantio de milho e capim nos mesmos moldes da primeira área. 

  No ano seguinte foi implantada a terceira gleba, com o estabelecimento de renques de linhas triplas espaçadas de três metros entre linhas e dois metros entre plantas. Entre os renques foi adotado o espaçamento fixo de 30 metros, totalizando 417 árvores/hectare. Da mesma forma que nas outras áreas, o plantio entre renques foi feito com o estabelecimento de pastagem de braquiária consorciado com milho para produção de silagem. Por fim, foi estabelecida uma quarta gleba, com implantação de linhas simples de eucalipto espaçadas em 18 metros e dois metros entre plantas, totalizando 222 árvores/hectare. 

   Em 2009, a produção média diária de leite era de 100 litros, após 9 anos a produção passou para 1.200 litros diários, além de um estoque considerável de madeira para comercialização, conforme demonstra Sérgio Rustichelli Teixeira, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, em seus estudos, divulgados em 2018. A propriedade já iniciou o desdobre dos recursos florestais com a produção de réguas, estruturas para a construção de um curral.

"Verificamos que os sistemas de produção com pastagens degradadas são o pior cenário quanto ao balanço dos Gases de Efeito Estufa (GEE)"
Patrícia Anchão

   O balanço das emissões de GEE – De acordo com a pesquisadora de pastagens e forragicultura da Embrapa Pecuária Sudeste, Patrícia Perondi Anchão Oliveira, o balanço das emissões de GEE na pecuária depende de vários fatores, como  o sistema de produção adotado, a dieta dos animais, a categoria e raça dos animais, a qualidade da forragem ofertada, o uso de insumos, o uso de aditivos, dentre outros. 

   “Pelos resultados obtidos até o momento para as condições brasileiras, temos verificado que os sistemas de produção com pastagens degradadas são o pior cenário quanto ao balanço dos GEE, porque, além das emissões dos animais, ainda existe a emissão do sistema solo-planta advinda da perda de matéria orgânica em função do manejo inadequado do solo e das pastagens nesse tipo de sistema”, informa Patrícia Anchão.

   Segundo ela, os sistemas baseados em pastagens manejadas intensivamente e os sistemas integrados de produção com componente arbóreo (ILPF ou agrossilvipastoril e o IPF ou silvipastoril) são, por sua vez, bem melhores quanto ao balanço das emissões de GEE. As emissões por litro de leite no Brasil, conforme trabalhos realizados na Embrapa em sistemas de produção com pastagens intensivas  e bem manejadas, exploradas por vacas especializadas (alta produção de leite, período de lactação superior a 10 meses e intervalo entre partos ao redor de 12 meses) foram compatíveis com os melhores sistemas mundiais de produção.

   “Apesar de os resultados obtidos serem animadores, a produção leiteira se comporta de forma diferente da pecuária de corte, pois as vacas produzem muito leite, necessitam de muita energia para realizarem esse processo, para isso consomem praticamente o dobro de matéria seca (MS) por quilo de peso vivo e por isso acabam por emitir mais metano que um bovino de corte, fazendo com que, além do sequestro de carbono do solo, seja necessário o plantio de árvores para mitigar as emissões dos GEE”, ressalta a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste.

   Patrícia alerta que, desde que o fim da madeira não seja a queima, o plantio dessas árvores pode ocorrer de forma integrada nos sistemas de produção agrossilvipastoris (ILPF) ou silvipastoris (IPF) no sentido de se abaterem as emissões de GEE por meio do acúmulo de carbono no fuste (tronco) das árvores, ou com talhões de florestas plantados para esse fim, ou mesmo com o plantio de árvores no entorno dos sistemas de produção (por exemplo, nas cercas de divisas).

SITUAÇÃO ATUAL (ÁREA EXPLORADA COM ILPF)

   De acordo com pesquisa realizada pela Kleffmann Group, com apoio da Embrapa e da Rede ILPF na safra 2015/2016, Minas Gerais possuía a maior área de adoção dessa tecnologia na região Sudeste (1,05 milhão de hectares), seguido por São Paulo (860 mil hectares), Espírito Santo (120 mil hectares) e Rio de Janeiro (10 mil hectares). As tecnologias adaptadas e transferidas nesta região permitem a adaptação regional para diferentes tamanhos de propriedades, atividades agropecuárias e condições de clima e cultivo. 

Entre os sistemas de cultivo predominantes em Minas Gerais, destacam-se  rotação e sucessão de culturas para implantação do plantio direto e o consórcio entre culturas produtoras de grãos com espécies forrageiras para produção de grãos ou silagem e posterior utilização da pastagem no período de outono-inverno.

 
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