O novo Código Florestal, que completará, no próximo mês de maio, uma década, trouxe, como uma de suas principais virtudes, a oportunidade da adequação das propriedades e posses rurais à lei ambiental. Este aspecto foi fortemente reclamado pelo setor produtivo nas discussões que levaram à aprovação daquela lei. A segurança jurídica que a regularidade ambiental do imóvel rural traz é fundamental para que os produtores rurais possam planejar suas atividades na propriedade e investir para produzir cada vez mais e melhor. Os impactos da nova realidade da situação dos imóveis rurais frente à legislação ambiental vigente e à regularização dos passivos ambientais conferem sustentabilidade e competividade ao agro brasileiro e são essenciais para o País demonstrar o equilíbrio entre a valorização da produção agropecuária e o compromisso com a preservação do meio ambiente.
O equilíbrio entre proteção da vegetação e produção agropecuária, em certa medida, vem sendo perseguido há quase oito décadas, com a publicação do “primeiro Código Florestal” (Decreto Federal nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934), resultando no fato de a vegetação nativa brasileira estar, na sua maioria, distribuída em todas as regiões, nos 6 milhões de imóveis rurais existentes no País, já que as áreas protegidas públicas se encontram mais concentradas em algumas regiões e algumas áreas específicas também nos Estados.
O código de 1965 e os instrumentos criados na sua implementação reforçaram a proteção das áreas de preservação permanente, como nascentes, margens de rios, topos de morros e encostas mais íngremes e estabeleceu limites para a Reserva Legal, expressa em uma fração da área do imóvel que deveria ser mantida com vegetação nativa.
Esses limites, que desde a origem são diferentes para cada região brasileira e a vegetação nativa existente no imóvel, foram sofrendo alterações no período de vigência daquela lei. Assim, as propriedades rurais que já estavam ocupadas com produção agropecuária ou benfeitorias, na data da publicação daquela lei (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965), ou de uma de suas alterações (como a Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989), poderiam passar para uma situação considerada irregular ou inadequada em relação à legislação, sem que houvesse, pelo menos até a publicação do novo Código Florestal, o estabelecimento de procedimentos, com viabilidade técnica e considerando o princípio do equilíbrio entre a proteção ambiental e a produção agropecuária, para a necessária adequação. Essa situação de “inadequação” das propriedades rurais à legislação ambiental tem maior impacto nos Estados da Federação, notadamente do Centro-Sul e Nordeste, que já estavam ocupados com produção agropecuária nos períodos em que as referidas leis foram publicadas.
“Desta forma, o levantamento aerofotográfico de 1962, interpretado pelo Instituto Agronômico de Campinas, vai revelar que as matas do Estado estão estacionadas em limites bastante críticos: 13,7% em relação ao território, ou seja, 3.425.800 hectares e uma distribuição espacial bem irregular: um pequeno resíduo no extremo-oeste e outra mancha dominante na Escarpa Atlântica; nas regiões de pendentes pronunciados, que se esparramam naturalmente pela região litorânea do Vale do Ribeira.” Esse registro histórico nos leva a inferir que, no Estado de São Paulo, quase a totalidade de seus imóveis já se encontrava ocupada com a produção agropecuária, no advento do Código Florestal de 1965, ou seja, já não detinham o porcentual mínimo (20%), que deveriam ser mantidos com vegetação florestal nativa, limite que passava a ser exigido por aquela lei. Ficou então demonstrada a enorme necessidade do estabelecimento de procedimentos que possibilitassem a regularização ambiental imóveis rurais.
Este conjunto de ações ou iniciativas a serem desenvolvidas por proprietários e posseiros rurais, com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental dos imóveis, é o que define o Programa de Regularização Ambiental (PRA), que foi finalmente criado e amplamente tratado e detalhado no Código Florestal de 2012.
As questões sociais também foram fortemente consideradas pelo Congresso Nacional na discussão e aprovação do Código Florestal de 2012, especialmente quanto aos impactos da regularização dos imóveis rurais de pequeno porte ou da chamada agricultura familiar. Nos pequenos imóveis, os impactos da regularização ou adequação ambiental são ainda mais significativos, pois a descontinuidade da produção em uma determinada gleba pode determinar a inviabilidade econômica e financeira do produtor. As glebas onde ocorrerá a continuidade da ocupação antrópica com as edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris que já existiam em 22 de julho de 2008 são chamadas no Código Florestal de áreas consolidadas. Assim foram estabelecidas, para regularização das Áreas de Preservação Permanente e das Reservas Legais para imóveis até quatro módulos fiscais, normas distintas daquelas que são aplicáveis aos imóveis com área maior do que quatro módulos fiscais. Cabe ressaltar que o módulo fiscal é um valor específico para cada município, que o proprietário pode facilmente consultar neste link https://www.embrapa.br/codigo-florestal/area-de-reserva-legal-arl/modulo-fiscal
A partir da publicação do Código Florestal, em 2012, cada Estado passou a instituir o seu Programa de Regularização Ambiental, já que esse conjunto de ações e inciativas devem atender a aspectos ambientais, sociais e econômicos e até mesmo históricos de cada unidade da Federação. Assim, há certo descompasso, fazendo com que o status de sua implementação seja também diferente em cada Estado. É muito importante que o proprietário verifique junto ao órgão responsável pela implementação dessa lei em seu Estado os prazos e as demais condições para adesão ao PRA. No Estado de São Paulo, está determinado que a adesão ao PRA poderá ser realizada até 31 de dezembro de 2022.
É sempre importante considerar que os proprietários que não aderirem ao PRA poderão adequar seus imóveis. No entanto, sem a previsão de reconhecimento do uso consolidado. Neste caso, a regularização acontece com a recomposição da vegetação nativa ou a compensação da reserva legal.
De certo modo, todo proprietário ou possuidor que fez a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) já iniciou o processo de regularização do imóvel. O CAR, ao ser analisado e “aprovado”, define a existência de déficit (passivos) ou mesmo de superávit (ativos) de vegetação nativa nas APPs e Reservas Legais. Assim, as situações onde se constatam passivos ambientais determinam a necessidade de regularização. Esta pode ser realizada com o reconhecimento do uso consolidado (que só é possível com a adesão ao PRA) ou com a recomposição da vegetação nativa ou, especificamente, na reserva legal, com a compensação.
Em 2021, o Serviço Florestal Brasileiro e diversos Estados, de forma integrada, realizaram a análise das declarações (CAR) de forma eletrônica (dinamizada). A inserção dessas funcionalidades confere maior dinamismo nos procedimentos de análise. A dinamização das análises permite que os proprietários e possuidores possam ter, em curto prazo, a homologação do seu cadastro (CAR), ficando assim reconhecida a adequação ambiental de seus imóveis, ou eles serão chamados para realizar retificações em suas declarações, com vistas a essa aprovação ou homologação.
Aprovados os CAR e identificados os passivos ambientais, os proprietários poderão formalizar suas adesões ao PRA que, seja por meio do reconhecimento da continuidade das atividades produtivas nas áreas consolidadas e/ou o cumprimento dos compromissos assumidos no processo de regularização, resultará finalmente na homologação da regularidade ambiental do imóvel rural.
Para concluir, verificamos recentemente avanços significativos que podem levar finalmente à tão esperada implementação do Código Florestal, política pública que trará enorme avanço em sustentabilidade e competividade para o agro brasileiro.
(1) Cem anos de devastação: revisitada 30 anos depois/Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas: Mauro Antônio Moraes Victor… [et al.]. – Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005
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