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ATUALIZANDO

Inflamações de umbigo em bezerras leiteiras: prevenção e

boas práticas de manejo

Os primeiros cuidados começam com a desinfecção do umbigo com solução de iodo, que deve ser aplicado de forma correta

Gisele Dela Ricci *

Nossa convidada para falar sobre o assunto é a médica veterinária Cristiane Azevedo, da Qualy&Calf Consultoria. A inflamação do umbigo em bezerros leiteiros é um problema no dia a dia das fazendas, observada a partir de erros básicos de manejo após o nascimento dos animais. É uma doença que exige cuidados fundamentais, uma vez que essa inflamação causa dor aguda ou crônica, além de consequências sistêmicas como aparecimento de diarreias, abscessos hepáticos, peritonites, pneumonias, poliartrites, meningites, cistites e septicemia, causando danos à saúde do animal que resultam em emagrecimento e atraso no crescimento, podendo evoluir inclusive à morte.

"Até que todo o processo de cicatrização ocorra, o umbigo é uma porta aberta para a entrada de micro-organismos causadores de doença, sendo necessária a intervenção rápida"

Qual a importância dos cuidados com o umbigo para os animais recém-nascidos? Em qual idade das bezerras podemos observar a inflamação de umbigo?

Cristiane Azevedo – Durante a gestação, o umbigo serve como meio de comunicação para o fornecimento de nutrientes e oxigênio entre a vaca e o feto. Pelo cordão umbilical também serão eliminadas substâncias provenientes do metabolismo do feto. Após o nascimento, o umbigo do bezerro perde essa função e, em poucos dias, as veias e artérias utilizadas na comunicação materno-fetal se fecham. Até que todo esse processo aconteça, o umbigo é uma porta aberta para a entrada de micro-organismos causadores de doenças, sendo necessária a intervenção rápida.
Em conjunto com o fornecimento do colostro, a cura adequada do umbigo está entre as práticas mais importantes de manejo nas primeiras horas de vida do recém-nascido. É fundamental que, imediatamente após o nascimento, o umbigo seja curado com uma solução de iodo a 10% para evitar infecção local ou que seja disseminada em órgãos internos.
O umbigo do bezerro recém-nascido é composto por uma veia umbilical, duas artérias e o úraco. As inflamações do umbigo podem ser caracterizadas como onfalites, onde há o acometimento da porção externa do umbigo, podendo ser encapsuladas ou fistuladas, com secreção de pus.
São denominadas onfaloflebites quando o processo inflamatório acomete a veia umbilical e essa evolução muitas vezes leva ao desencadeamento dos abscessos hepáticos, devido à ligação que existe entre o sistema porta e o umbigo do recém- nascido. Nas onfaloarterites há a inflamação das artérias umbilicais e comumente se desencadeiam os quadros de poliartrites. Há ainda a uraquite, onde o úraco é acometido e pode disseminar a infecção para a bexiga, desencadeando uma cistite ou piúria.
As onfalites acometem as bezerras principalmente nos primeiros 30 dias de vida, mas faz-se necessário monitorar todo o período de aleitamento, observando as inflamações externas e internas, a formação de abscessos e hérnias.

Cristiane examina a bezerra para verificar o problema que está afetando o umbigo do animal

Umbigo da bezerra em que se vê um forte inchaço ao redor

Quais cuidados nos primeiros dias após o nascimento são necessários para manter a saúde do umbigo e do animal? Qualquer animal pode ter inflamação de umbigo?

Cristiane – É fundamental que a fazenda possua protocolo operacional de cura de umbigo imediato após o nascimento e que seja de conhecimento técnico e prático de todos os funcionários.
O umbigo deve ser curado com solução de iodo na concentração a 10%, utilizando recipiente de boca larga que possibilite a imersão do coto umbilical na solução (muitas fazendas utilizam os copos sem retorno utilizados na sala de ordenha para dipping dos tetos). É importante salientar que o armazenamento da tintura de iodo deve ser feito ao abrigo de luz solar e protegido do contato com matéria orgânica, uma vez que esses fatores podem reduzir e afetar o seu desempenho como antisséptico e desidratante.
O tamanho do umbigo deve ser de aproximadamente 10 cm, uma vez que umbigos muito curtos ou longos acarretam problemas para cicatrização. O corte de umbigos muito compridos pode ser realizado por funcionários treinados na fazenda, desde que realizado com tesoura limpa e desinfetada na tintura de iodo na mesma concentração.
Para a prática de cura do umbigo, recomenda-se que as bezerras permaneçam em pé, buscando a desinfecção de todo o umbigo, desde a sua base, atingindo todo o cordão, duas vezes ao dia durante pelo menos cinco dias. Tanto fêmeas quanto machos podem ser acometidos pelas inflamações de umbigo na fase após o nascimento e na fase neonatal até a sua completa cicatrização.

Como pode ser feito o diagnóstico da inflamação de umbigo?
Tem algum exame que pode ajudar na identificação do problema?

Cristiane – O diagnóstico da inflamação de umbigo pode ser feito na rotina da fazenda facilmente pela visualização e por meio da palpação, observando o aumento do volume na região umbilical (inchaço), caracterizado em pequeno, médio ou grande. Pode haver presença de secreção purulenta saindo do coto do cordão umbilical, calor, sensibilidade ao toque, vasos umbilicais espessados, presença de miíases, que podem, inclusive, ser causa de inflamações. Por meio da palpação é possível ainda diferenciar as onfalites externas ou internas, além de abscessos e hérnias umbilicais.

Qual melhor tipo de tratamento? A idade do animal interfere no tipo de tratamento empregado? É preciso um médico veterinário para realizar o tratamento? 

Cristiane – O melhor meio de prevenir a inflamação de umbigo em bezerros leiteiros é a cura efetiva do cordão umbilical imediatamente após o nascimento com tintura de iodo a 10%. É de extrema importância ainda atentar-se ao ambiente da maternidade, que deve ter boa drenagem e cobertura vegetal em caso de piquetes ou em baias maternidades secas, com camas de palha ou de serragem desinfetadas, com reposição e troca periódica e ainda alojar os recém-nascidos em baias limpas e secas com o intuito de diminuir a carga microbiológica do ambiente. Fornecer um colostro de qualidade, na quantidade e no tempo de fornecimento corretos, também é de extrema importância, pois isso proporcionará uma imunidade rápida que os protege contra infecções bacterianas sistêmicas que podem começar a partir de umbigos infectados.
Quando a infecção já se instalou, o tratamento pode ser realizado na rotina das fazendas por funcionários treinados que farão a administração de antibioticoterapia, anti-inflamatórios, analgésicos e curativos externos até a cicatrização completa do umbigo, de acordo sempre com a prescrição do médico veterinário. Comumente há o aparecimento de abcessos que precisam ser drenados e cauterizados, e as hérnias que podem ter resolução espontânea ou evoluir para correção cirúrgica.
No verão devemos ter um cuidado especial com as miíases umbilicais ou bicheiras, que podem piorar o quadro inflamatório. Além do uso tópico do spray mata-bicheira, se faz necessária a remoção das larvas para acelerar a cicatrização e recuperação mais rápida do bezerro.
Ao nascimento, pode haver ainda o rompimento do umbigo com presença de hemorragias graves, levando o bezerro à morte. Emergencialmente, o funcionário deve realizar uma amarração do coto com fio de algodão previamente desinfetado em solução de iodo 2% ou amônia quaternária e o médico veterinário deve ser comunicado imediatamente para a intervenção mais adequada.

De quanto em quanto tempo devemos observar se o tratamento está funcionando? 

Cristiane – O monitoramento do umbigo deve ser realizado na primeira semana de vida diariamente, por tratar-se de uma fase mais crítica. Após esse período, o monitoramento deve ocorrer no mínimo três vezes por semana pelo funcionário previamente treinado e responsável pelo setor do bezerreiro, por meio da visualização e palpação, verificando se há secreção de pus e evolução da cicatrização e inflamação. Em casos mais graves que necessitam de intervenção cirúrgica, como as hérnias umbilicais, se faz necessária a revisão periódica pelo médico veterinário responsável.

A inflamação de umbigo em bezerras pode causar prejuízos econômicos à produção leiteira? Há perdas para o bem-estar animal?? 

Cristiane – Com certeza, a inflamação umbilical causa muito prejuízo ao setor de criação, comprometendo a saúde, o desenvolvimento e a produtividade animal, uma vez que aumenta a incidência de doenças no rebanho, o que, consequentemente, acarreta aumento de gastos com medicamentos, mão de obra extra e aumento na taxa de mortalidade. Ainda reflete com menor taxa de reposição de novilhas, afetando de forma negativa o futuro produtivo da propriedade.
O bem-estar dos bezerros com certeza é prejudicado, uma vez que a inflamação umbilical causa dor aguda ou crônica, e esse desconforto reduz o tempo de descanso e o consumo de leite e ração, com menor taxa de crescimento e menor ganho de peso diário (GPD). Todos esses fatores deixam os bezerros menos resilientes e com a imunidade comprometida, o que os torna mais suscetíveis às doenças.

 

 

*Zootecnista, mestra, doutora e pós-doutoranda pela USP. Atua no laboratório de etologia, bioclimatologia e nutrição de animais de produção (bovinos, suínos e ovinos)

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