balde branco

As cooperativas são fundamentais neste momento porque, se elas deixassem de existir, a indústria pagaria ao produtor o preço que quisesse e os fornecedores cobrariam o que quisessem pelos insumos. Porque, queira ou não, em qualquer parte do País quem ainda dita as regras na cadeia do leite são as cooperativas

ENTREVISTA

ARISTEU DE BARROS TRANNIN

Investir na cooperativa é investir no associado

Esta é a diferença

Aristeu de Barros Trannin, presidente da Cooperativa do Médio Vale do Paraíba (Comevap), cargo que assumiu há pouco mais de um ano, fala nesta entrevista sobre a importância das cooperativas de leite, principalmente nos momentos mais difíceis para o produtor. Ele vem de uma família tradicional que produz leite há mais de 90 anos, desde os seus avós, tendo sido anteriormente diretor de produção e conselheiro da cooperativa. A Comevap é resultado da fusão das cooperativas de Taubaté, Pindamonhangaba e Roseira, então integrantes da antiga Cooperativa Central de Laticínios (CCL-SP), e tem cerca de 600 cooperados, em 17 municípios do Vale do Paraíba.

João Carlos de Faria

Balde Branco – Qual a importância das cooperativas leiteiras, mesmo que elas, nas últimas décadas, tenham perdido espaço neste mercado altamente competitivo?

Aristeu de Barros Tranin – Hoje o que ainda dá suporte ao produtor são as cooperativas. Nós temos quatro cooperativas no Vale do Paraíba, algumas ficaram pelo caminho e deixaram de existir, mas na região ainda é a cooperativa que dá atenção ao pequeno ou ao grande produtor. Seria difícil para um produtor pequeno continuar na atividade sem as cooperativas, porque os grandes laticínios e empresas multinacionais não se preocupam muito em coletar o leite desses produtores, dando preferência aos maiores. Sem as cooperativas, os pequenos iriam ter muita dificuldade em colocar seu produto no mercado, papel que hoje fica com a cooperativa. Outra coisa importante é a proximidade com o associado, coisa que, nas grandes multinacionais, nem sempre acontece. Aqui, o produtor que vem nos procurar é acolhido e a gente estuda caso a caso e muitas vezes exerce até um papel social, dando assistência às mais diversas necessidades.

BB - Qual seria hoje, neste momento de crise, o papel das cooperativas de leite?

ABT – Um dos papéis fundamentais das cooperativas, já que sempre tiveram maior poder de compra, é oferecer um preço mais justo de insumos e serviços aos seus associados, indistintamente. Além disso, temos que dar assistência, seja agronômica ou veterinária, para que ele possa produzir com qualidade e eficiência. Nossa cooperativa, por exemplo, oferece todo esse apoio, para que ele possa ter qualidade. Fomos os pioneiros no Vale do Paraíba a fazer o pagamento do leite por qualidade, assegurando a origem e a procedência dos produtos e, nos momentos de crise, ajudamos o produtor em todos os sentidos. É papel nosso estar ao lado dele neste momento que é crítico para a produção de leite. Acho que nunca atravessamos uma crise tão grande como esta. Buscamos melhorar sua remuneração e reduzir seus custos com a venda de insumos mais em conta e ainda oferecer a assistência de profissionais para que possa formular a sua própria ração e, com isso, baratear o seu custo, um serviço que é prestado pelas cooperativas no sentido de melhorar a situação do produtor.

BB - A Comevap tem uma participação histórica no cooperativismo de leite no País. Isso ajuda na sua gestão e no seu posicionamento no mercado?

ABT – A nossa cooperativa é o resultado da fusão das unidades de Pindamonhangaba, Taubaté e Roseira, que tiveram participação muito importante na formação da Cooperativa Central de Laticínios (CCL-SP), que abastecia o Vale do Paraíba e a Grande São Paulo e que tinha até o “trem do leite” para levar a produção daqui para a capital. Ela também exerceu um papel importante na história da pecuária de leite de São Paulo e do País. Mas, diante da realidade do mercado, eu entendo que as cooperativas não podem deixar de ser cooperativas, porém precisam funcionar como empresas, e a Comevap procura fazer isso estrategicamente, usando sua marca tradicional no Vale do Paraíba, principalmente no eixo Taubaté-Caçapava-Pindamonhangaba, onde nossos produtos ocupam uma fatia de 60% do mercado em venda de leite, da manteiga Taubaté, o nosso principal produto, além de bebidas lácteas, iogurtes e queijos.

BB - Além de colocar a sua produção no mercado, trazendo renda ao produtor, o que mais a Comevap faz para que ele possa ter qualidade no seu produto?

ABT – Procuramos oferecer toda a retaguarda que ele precisa em questões de veterinária, para melhorias da genética dos seus animais, da nutrição e na redução dos custos. Temos enfatizado, por exemplo, a produção de volumoso para a alimentação do gado, um dos motivos pelos quais celebramos recentemente um convênio com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, porque, sem comida, a vaca não produz. O projeto prevê o uso de uma área do Estado na fazenda da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio (Apta), em Pindamonhangaba, para a produção de milho para fornecer silagem a custo subsidiado ao pequeno produtor. Também inclui a realização de dias de campo e pesquisas. Essa foi uma das formas que encontramos para ajudar o pequeno produtor. Também procuramos orientar os associados para obter um leite de qualidade, com baixos índices de CBT e CCS, por meio do programa Leite Mais Saudável, que desenvolvemos aqui desde 2016, que é justamente para ele produzir um leite de ótima qualidade com lucratividade. Também implementamos o Plano de Qualificação de Fornecedores de Leite (PQFL), em conformidade com as Normativas 76 e 77, que é realizado com todos os produtores. Nele está definida a política em relação aos fornecedores de leite, visando oferecer assistência técnica e gerencial e capacitação com foco em gestão da propriedade e adoção de boas práticas agropecuárias.

Um dos papéis fundamentais das cooperativas, já que sempre tiveram mais poder de compra, é oferecer um preço mais justo
de insumos e serviços aos seus associados indistintamente”

BB - Os produtores estão abertos à tecnologia?

ABT – Ainda encontramos resistência em alguns, mas a maior parte é participativa e absorve bem as novas tecnologias. Com as novas gerações estão assumindo as propriedades, é preciso também adotar medidas para incentivá-las a se manter no campo e na propriedade. Temos que considerar que a rotina na produção de leite é um negócio difícil, de sete dias por semana, sem descanso, e, para que esses jovens se sintam atraídos a permanecer no campo, é preciso facilitar ao máximo. Por isso é que nós estamos sempre pleiteando do poder público políticas públicas e incentivos para que isso possa acontecer, com a melhoria da infraestrutura e o acesso a serviços como a internet.

BB - Por falar em poder público, a Comevap tem estreitado suas relações institucionais com Estado, prefeituras e órgãos como o Sebrae e o Senar. Em que medida esse tipo de parceria beneficia o produtor?

ABT – Recentemente, assinamos um convênio com o Estado para o APL Leite (Arranjos Produtivos Locais), ficando à frente como gestores do programa, que terá a participação de prefeituras, sindicatos rurais, outras cooperativas, o Sebrae e o Senar. Com isso, será possível obter um quadro que apresente dados da produção, de como se produz e quanto se produz, ou seja, vamos passar à Secretaria de Agricultura um mapa com as informações para orientar os investimentos, principalmente do pequeno produtor. Esse é um dos benefícios desse tipo de parceria. Temos também um bom relacionamento com as prefeituras, porque sempre estamos cobrando melhorias, como a manutenção das estradas e da eletrificação rural, que é um problema hoje, e sobre outras providências que afetam diretamente o dia a dia do produtor.

BB - A cooperativa fica posicionada entre o produtor e o mercado, sujeita às oscilações do consumo. Como se impor no mercado e ao mesmo tempo atender aos interesses do produtor? Que estratégias a Comevap tem usado para isso?

ABT – A Comevap consegue uma boa parcela do mercado por causa da qualidade dos seus produtos, porque a gente mantém a qualidade e tem tradição no mercado do Vale do Paraíba, parte da Região Metropolitana de São Paulo, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira. Com isso, conseguimos nos impor. Mas não podemos nos esquecer de que o produtor precisa ser bem remunerado pela matéria-prima, ao mesmo tempo que também não podemos onerar o consumidor, ou seja, cabe a nós promover esse equilíbrio. Por isso, investimos em novas linhas de produtos e em equipamentos modernos, inserindo novos produtos no mercado, de acordo com a demanda exigida e dando prioridade sempre à qualidade e à agregação de valor. Atendemos aos gostos e às necessidades de nossos consumidores de produtos lácteos, inclusive os que são intolerantes à lactose. Quando investimos na cooperativa, estamos investindo no associado e essa é a diferença: a cooperativa é do cooperado, ele é o dono da cooperativa. Por isso, frisamos sempre a importância da fidelidade dos cooperados, para que, juntos, consigamos cada vez mais continuar com preços competitivos.

BB - Diante das circunstâncias e da situação econômica que vive o País, que perspectiva pode ter o produtor? Qual a sua mensagem para ele?

ABT – Na pandemia, muitos estabelecimentos que adquiriam os nossos produtos fecharam suas portas, mas conseguimos contornar a situação e manter os pagamentos em dia. Hoje, o mercado está se recuperando e assim nossa perspectiva é boa, tanto que estamos melhorando o valor do leite pago ao nosso produtor mês a mês. Está faltando leite, mas, mesmo assim, o mercado ainda é muito incerto, com a constante alta de combustível, de energia elétrica e de uma série de coisas, o que dificulta fazer qualquer previsão. Mas o produtor sabe que pode contar com a cooperativa, que ela é dele e está sempre ao lado dele. Somos parceiros e de nada adiantaria ter uma cooperativa forte, mas um produtor fraco, em dificuldades. As cooperativas são fundamentais neste momento porque, se elas deixassem de existir, a indústria pagaria ao produtor o preço que quisesse e os fornecedores cobrariam o que quisessem pelos insumos. Porque, queira ou não, em qualquer parte do País, quem ainda dita as regras na cadeia do leite são as cooperativas. Se algum dia elas deixarem de existir, tenho certeza de que o pequeno produtor vai perecer.

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