balde branco
revista-baldebranco-sucessão-01-ed-690

Ítalo Yuri assumiu há dois anos o comando da propriedade da família e introduziu transformações que em pouco tempo fizeram dobrar a média do rebanho

SUCESSÃO

Jovem vira referência na cadeia do leite

no alto oeste do Rio Grande do Norte

Com apenas 19 anos, mas envolvido desde criança com a produção de leite juntamente com o avô, Ítalo Yuri vem transformando a propriedade, agregando novos conhecimentos e melhorando o desempenho

João Carlos de Faria

A história do jovem produtor potiguar Ítalo Yuri, de 19 anos, é um exemplo interessante de sucesso no que diz respeito à sucessão familiar na pecuária de leite. Seu interesse pela atividade, que vem desde a infância, e o amadurecimento precoce como produtor são alguns dos diferenciais que o distinguem de muitos jovens de sua idade.

Somando-se a isso o esforço e a dedicação de uma zootecnista disposta a transformar a realidade de uma região onde a extensão rural e a assistência técnica ao produtor de leite praticamente não existem, a história junta todos os elementos para se tornar um caso de sucesso.

Em pouco mais de dois anos, a Fazenda Maia, que Yuri assumiu aos 17 anos, localizada no município de Rafael Fernandes, no Rio Grande do Norte, saiu de 5 para 11 litros de média por vaca/dia. A propriedade tem 70 hectares, dos quais 20 hectares são utilizados na produção de leite, sendo 15 de pastagens e produção de silagem e 5 para infraestrutura, além da reserva legal de 5 hectares. O restante da área é destinado ao gado de corte.

A zootecnista Ana Paula orientou e acompanhou a evolução de Yuri e reconhece que sua boa vontade em aprender foi fundamental

Ele tornou-se então uma referência na sua região, graças ao interesse e à disposição em aprender e absorver as orientações da zootecnista Ana Paula Pinheiro, técnica de campo do Plano Agronordeste, desenvolvido numa parceria entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater).

Quando o projeto começou, em 2019, como Yuri ainda era menor de idade, não podia participar oficialmente como assistido. Coube ao seu pai, Rogivan Dantas de Lima, se inscrever em nome da propriedade. Mesmo assim, além de acompanhar todas as atividades, era Yuri quem fazia a maior parte das tarefas propostas nas orientações.

O proprietário da fazenda é seu avô, Luzimar Maia Fernandes, a quem Yuri sempre acompanhou, desde os 10 anos de idade, no dia a dia da produção de leite. Quando o avô adoeceu, foi ele quem assumiu o controle da propriedade e passou a intensificar seus conhecimentos técnicos e a aplicá-los para melhorar seus índices. Isso ocorreu em abril de 2019, quando o jovem ainda cursava o 3º ano do ensino médio.

Na época do avô, que tem 65 anos de idade, a média por animal não passava de 2 litros por vaca/dia.

Quando assumiu, uma das primeiras providências tomadas por Yuri foi descartar as vacas de menor produção. “Tinha muita vaca, escolhi as melhores e reduzi o plantel de 50 para 18 e elevei a média por vaca entre 10 e 11 litros/dia”, conta. Neste último ano, no entanto, apesar das melhorias feitas na propriedade e das práticas adotadas no manejo do rebanho, ele diz estar passando pelo que chama de “fase de transição”. Como teve que descartar mais animais e não fez a reposição, ficando apenas com 12 vacas em lactação, a maioria Girolando, e com produção diária de 80 litros, a média caiu para 6,5 litros/vaca/dia. “Aqui, se for muito ‘puxada’ para a raça Holandesa, a vaca não resiste. Tem que ser um gado mais forte e adaptado”, afirma Yuri.

Ele diz que está consciente de que não é uma boa média, mas cita algumas dificuldades que enfrenta. Uma delas é a luta contra os carrapatos, que prejudicam o desempenho dos animais; a outra é a distância que as vacas precisam percorrer entre as áreas de pasto e a ordenha, o que, segundo Yuri, acaba influenciando na produtividade por causa da energia despendida.

Três gerações da família: o pai, Rogivan (à esquerda), o filho Ítalo Yuri (ao centro) e o avô Luzimar Maia Fernandes (à direita)

Também neste ano ele teve problemas com a lavoura de sorgo, que não se desenvolveu adequadamente, deixando as vacas sem silagem, tendo que reforçar o trato com ração concentrada no cocho, em média de 2 a 3 kg por vaca, dependendo da produção. Preventivamente, para o próximo ano, ele vai aumentar a área de produção de palma forrageira, passando de 0,3 hectare para 1 hectare. “A palma, além de alimentar, vai repor também essa energia que as vacas perdem na caminhada.”

A reprodução das vacas e novilhas é feita por cobertura, com um touro 3/4 de Holandês, mas futuramente a intenção é ter um touro com genética mais apurada ou até mesmo partir para a inseminação artificial. Yuri calcula um lucro líquido de R$ 1,25 por litro de leite produzido, em relação ao preço pago por um laticínio da região, o que considera razoável. “Hoje o custo da ração e da energia está muito alto e a mão de obra, além de difícil por aqui, ainda é cara. Tudo isso vai agregando no custo e reduzindo a margem de lucro”, afirma.

Empenho em aprender – “Em dois anos de atendimento, a cada dia ele me surpreendia mais pelo interesse incomum em aprender. Mesmo com o fim do projeto, em fevereiro deste ano, a gente continuou mantendo contato”, afirma Ana Paula Pinheiro, responsável por todo o acompanhamento e assistência dada à propriedade. Yuri, segundo ela, evoluiu muito rápido, considerando inclusive os meses de pandemia, quando não houve atendimento presencial.

“Mesmo à distância, ele sempre tinha perguntas, questionamentos ou alguma novidade para contar; enviava vídeos, fotos e queria resolver todas as suas dúvidas. Isso demonstra que ele realmente queria fazer diferente”, destaca Ana Paula. E de fato, nesse tempo o produtor não ficou parado: conseguiu um empréstimo no Banco do Nordeste para construir a sala e instalar a ordenha mecânica e também começou a planejar e a fazer anotações para acompanhar o movimento da propriedade e controlar o manejo e os índices zootécnicos do rebanho.

Segundo Ana Paula, quando o atendimento presencial foi retomado, no pós-pandemia, muita coisa havia sido transformada por ele. Yuri também passou a se preocupar mais com a seleção de matrizes e com uma alimentação mais balanceada e incluiu o sal mineral na dieta dos animais.

Futuro – Para quem conhece a história de Yuri fica claro que, além da boa vontade, o que mais ajudou e ainda ajuda no seu desempenho à frente da propriedade são as orientações e o acompanhamento de Ana Paula e do projeto. “Ela me ensinou sobre gestão e sobre manejo, pois eu não tinha, por exemplo, o controle que tenho hoje em relação a índices zootécnicos, de produção e produtividade e alguns parâmetros de formulação de ração. Isso tudo veio junto com a assistência dela.”

Yuri ressalta ainda que, antes do projeto, os produtores do município e da região não recebiam nenhuma informação ou assistência técnica importantes para fomentar a produção de leite. “Aqui tem muito produtor que, se recebesse uma assistência melhor, poderia crescer bastante, apesar de ainda haver muitos deles com a mentalidade fechada”, diz.

Ele acredita que essa seja uma das barreiras para que jovens da sua idade não se envolvam e nem se preocupem em sedimentar a atividade do leite para o futuro. “Na minha idade não tem nenhum produtor por aqui nas redondezas”, revela. Em sua avaliação, o que mais dificulta a permanência desses jovens no campo é a falta de incentivo e valorização do leite.

Sala de ordenha foi uma das primeiras melhorias introduzidas pelo jovem produtor na fazenda

“Às vezes, na cidade, esses jovens ganham menos do que no campo, mas trabalham muito menos. Se o leite fosse valorizado e os custos mais baixos, garanto que muito mais gente iria produzir e muitos jovens ficariam nas propriedades”, afirma. A falta de acesso à tecnologia também é outro impedimento. “A internet facilita bastante, porque por meio dela vem a informação e o jovem sente falta disso.”

Mas, apesar de todas as dificuldades, ele faz planos para continuar na pecuária de leite. “Quero melhorar meu rebanho e chegar a um grau de sangue adequado à nossa região para ter boa produtividade e produção que renda o suficiente para cobrir os custos e ter uma vida razoável”, afirma.

A sala de ordenha foi apenas um dos primeiros passos nesse sentido. Agora, ele planeja ter um resfriador para manter o leite na propriedade, pois, por enquanto, esse armazenamento é feito no tanque de um primo, mas seu intuito é entregar a produção direto para a indústria e com isso ganhar mais. “No ano passado lutei por isso, mas não consegui.” Continuar os estudos também está entre suas metas futuras e a ideia é cursar zootecnia para se aperfeiçoar ainda mais dentro da produção de leite.

Apesar de todas as dificuldades, o gosto pela atividade leiteira é uma herança que ele pretende deixar para os filhos que virão. “Vou me esforçar para isso e vou incentivá-los a ser como eu. O gosto que eu tenho pelo leite e pelas vacas desde criança é algo muito gratificante para mim”, conclui.

PROJETO MELHORA OFERTA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA NA REGIÃO

 
O Plano AgroNordeste foi lançado pelo Ministério da Agricultura em 2019 para impulsionar o desenvolvimento econômico, social e sustentável da Região Nordeste e do norte de Minas Gerais, além do Espírito Santo. O plano visa fortalecer as cadeias produtivas regionais, ampliando o potencial de sucesso dos agricultores familiares em 16 territórios e 17,1 mil estabelecimentos rurais, em dez Estados.

A região do Alto Oeste potiguar é caracterizada por baixas médias de produtividade e rebanhos sem padrão genético, com alguma incidência de animais das raças Girolando e Holandesa. Segundo Ana Paula, dos 22 produtores assistidos por ela no projeto, apenas quatro se preocupavam com a genética e apenas um fazia inseminação artificial. “São produtores com produtividade melhor, chegando a 16 litros/vaca/dia. Os demais têm médias muito baixas e o pior é que às vezes se conformam com isso”, diz.

Ana Paula afirma que o grande desafio para desenvolver o trabalho na região foi quebrar paradigmas e mudar a mentalidade assistencialista de boa parte dos produtores, que é mantida pelo poder público. “Eles estão acostumados a receber tudo e não se interessam em aprender para melhorar. Foi difícil entenderem o objetivo do projeto”, diz. Outro desafio foi fazê-los entender a importância da genética e da alimentação para terem animais mais produtivos.

No caso do município de Rafael Fernandes, onde está localizada a propriedade de Yuri, a participação no programa foi viabilizada por intermédio do Sindicato dos Produtores Rurais de Pau dos Ferros, que reúne 22 municípios da região do Alto Oeste do Rio Grande do Norte e é presidido por Edileusa Queiróz (foto). Como representante do sindicato, ela também faz parte do Comitê Gestor de Bovinocultura de Leite do Alto Oeste, que reúne entidades e órgãos públicos visando melhorar a produção de leite na região.

“O projeto foi uma luz no caminho de cada pequeno e médio produtor do Alto Oeste e tem dado bons resultados. O jovem Ítalo Yuri é um exemplo e um caso de sucesso do Agronordeste na cadeia produtiva do leite”, afirma a presidente.

Na área de abrangência do sindicato, o programa atendeu cerca de cem produtores e os índices conseguidos por Yuri são citados por ela como exemplo da relevância que tem a assistência técnica junto aos produtores. A meta agora é continuar trabalhando por políticas públicas que gerem negócios e fomentem o empreendedorismo dentro das propriedades de leite.

Aprender a ouvir – A produtora Janaine Costa Bezerra Gomes (foto), da Fazenda Boa Esperança, também participou do projeto e, juntamente com o marido, Samuel Gomes do Nascimento, aprendeu, entre outras coisas, a importância de anotar e fazer contas seguindo as orientações técnicas. “O projeto visa muito isso”, diz. Ela destaca o valor das instruções que ela e o marido receberam quanto à segurança e qualidade do leite, como a adoção de boas práticas de higiene e sanidade e o conforto animal.

Na sua propriedade, que fica em Riacho de Santana, município próximo a Rafael Fernandes, Janaine tem 13 vacas em lactação, todas da raça Holandesa, com produção de 210 litros/dia e média de 16 litros/vaca/dia. Tudo é feito por ela e pelo marido, pois a mão de obra é escassa na região. “Nem que queira não acha”, afirma.

A assistência técnica também é rara, mas ela confirma que o assistencialismo é forte, assim como é grande o preconceito em relação à mulher dentro da atividade, a ponto de muitos produtores resistirem em ser orientados por uma profissional. “Aqui, os homens acham que sabem de tudo e que, por ser mulher, a gente não sabe de nada. Mas eu me realizo com o que faço e busco fazer com excelência”, afirma.

Abrir bate-papo
1
Escanear o código
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?