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QUALIDADE DO LEITE

Laboratório móvel

leva tecnologia e inovação para dentro das propriedades

São iniciativas que visam levar aos produtores de leite o acesso à análise do leite, bem como conhecimentos e orientação sobre as boas práticas de produção

João Carlos de Faria

O antigo provérbio que diz sobre Maomé ir à montanha, caso a montanha não venha até ele, pode ser aplicado perfeitamente à proposta do Instituto BioSistêmico (IBS), lançada em 2008, o “Vaca Móvel”. Trata-se de um veículo equipado para análise do leite que vai às propriedades rurais, levando até os produtores, principalmente da agricultura familiar, tecnologia à qual antes eles não teriam acesso, caso tivessem que buscar por conta própria os laboratórios especializados.

Outra iniciativa de levar conhecimento e tecnologias aos produtores é a do Instituto de Zootecnia/Apta, com o Laboratório Móvel. No local em que ele estiver, faz análises de amostras de leite, enquanto os produtores assistem a palestras técnicas importantes para incrementar a qualidade da sua produção.

O lançamento do Vaca Móvel ocorreu no município de Votuporanga, no interior de São Paulo, região onde o IBS – organização da sociedade civil sem fins lucrativos sediada em Piracicaba – executava um projeto com o Sebrae/SP, voltado ao desenvolvimento da pecuária leiteira. Hoje a “invenção” já se espalhou pelo País, ampliando parcerias com prefeituras, associações, cooperativas e órgãos como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).

Inicialmente, as propriedades recebiam a visita de um consultor especializado (médico veterinário, zootecnista ou engenheiro agrônomo) que fazia o teste de qualidade do leite num laboratório móvel. A maior parte do resultado dos testes era entregue no momento da visita, quando o produtor também já recebia as recomendações para os ajustes necessários.

Luís Henrichsen: “A grande inovação promovida pelo Vaca Móvel foi levar para dentro da propriedade de leite algo que o produtor nunca teve, ou seja, alguém fazendo a análise e imprimindo um extrato na hora, com os resultados”

Além da análise do leite, os técnicos também verificavam a infraestrutura para o manejo nutricional e de ordenha e, após a visita, faziam as recomendações técnicas para que o produtor pudesse melhorar a qualidade do leite e a sanidade do rebanho.

Hoje, o projeto expandiu-se para outras soluções inovadoras, com vistas ao melhoramento genético, à nutrição do rebanho e às boas práticas. “Percebemos que os produtores tinham muito pouca informação sobre a qualidade do leite, mas não inventamos nada. O que fizemos foi colocar instrumentos e equipamentos dentro de um veículo e levá-los para fazer a análise do leite dentro da propriedade. Acabou virando o Vaca Móvel porque o carro tinha umas ‘manchinhas’ e uma buzina que imitava o mugido das vacas e chegava buzinando”, conta o diretor corporativo do IBS, Luís Henrichsen.

E não parou aí. Com o tempo, a equipe do IBS percebeu que só a qualidade do leite não era suficiente, mas que era preciso adicionar outros elementos de suporte ao produtor.

“A nutrição já trazia orientações sobre manejo de pastagens, balanceamento de dietas e formação de piquetes. Daí, introduzimos a reprodução, o que deu um ‘boom’ e aumentou muito a adesão. O programa, que a gente chamou de ‘Cria IATF’, faz todo o mapeamento reprodutivo, também como uma unidade móvel batizada de ‘Rufião’, equipada para a verificação das vacas, permitindo que seja realizado um diagnóstico imediato sobre a situação.”

Outra tecnologia implementada a partir das Instruções Normativas 76/2018 e 77/2018 foi o CheckMilk, plataforma digital de Boas Práticas de Produção Pecuária, estruturada e baseada nas orientações do Guia de Boas Práticas da Pecuária de Leite, produzido pela FAO e pelo FIL/IDF (Federação Internacional do Leite), publicado em 2013. Esse guia propõe a aplicação de 22 objetivos de boas práticas nas propriedades, organizados em seis pilares: Nutrição Animal, Sanidade Animal, Higiene da Ordenha, Bem- Estar Animal, Meio Ambiente e Gestão Socioeconômica.

Para contemplar esses objetivos da FIL/FAO e também os critérios de boas práticas, estabelecidos na IN 77/2018 do Ministério da Agricultura, o CheckMilk orienta a observação de 160 quesitos e a avaliação automática do grau de conformidade com as normativas.

Técnicos do IBS vão às propriedades e realizam os testes para verificar a qualidade do leite e avaliam na hora, com o produtor, quais medidas a serem adotadas para melhorar o resultado

Acesso remoto – A plataforma pode ser acessada remotamente pelo produtor, o que lhe permite, a partir de uma experiência de autoavaliação, receber um relatório completo, com a indicação de um plano de ação e com as orientações de melhorias apontadas a partir de um diagnóstico inicial.

“Com isso, a gente fechou o pacote de melhorias e inovações, fazendo os reajustes e correções necessários para que as propriedades obtenham maior produtividade e melhor qualidade, nos diversos aspectos do sistema de produção”, assinala Henrichsen.

A “grande inovação” promovida pelo Vaca Móvel, segundo ele, foi levar, desde o início, para dentro da propriedade de leite algo que o produtor nunca teve, ou seja, alguém fazendo a análise e imprimindo um extrato na hora, com os resultados. Em 90% dos casos, o produtor não paga nada por isso, pois o custo básico do atendimento, que fica em torno de R$ 600, é pago pelo projeto.

Odemir Capello: “Lidar com a melhoria de qualidade exige transformação, mudança de comportamento e um trabalho que não se faz da noite para o dia”

Norte Pioneiro no Paraná, um bom exemplo – A adoção desse “pacote”, ao qual se refere o diretor do IBS, tem se estendido por vários Estados do Brasil, como ocorre no norte pioneiro do Paraná há cerca de quatro anos, em conjunto com a agência do Sebrae/PR de Jacarezinho, dentro do programa Sebraetec. Segundo dados do IBGE de 2018, o rebanho leiteiro dessa região é de 45.111 vacas em lactação, com produção total de 129.100 litros de leite/dia e produtividade de 9,39 litros/dia por vaca.

“É uma parceria com os municípios para melhorar a qualificação dos seus produtores, para que consigam boa produtividade, aumento do volume e maior preço para o seu produto, vendendo mais e melhor”, observa o gerente da agência, Odemir Capello. As melhorias para o leite, segundo ele, fazem parte de um processo que pretende levar a região a se destacar por oferecer produtos diferenciados ao mercado.

O primeiro município da região que adotou o projeto foi Carlópolis, onde, segundo Capello, os produtores andavam desanimados e desorientados e muitos deles pensavam em desistir da atividade. Ele avalia que, embora ao longo do tempo muitos produtores tenham desistido da atividade, “os que ficaram estão se dando muito bem”, conseguindo inclusive certificações e premiações.

Os resultados obtidos por esses produtores tornaram o município referência para toda a região. Capello aponta várias justificativas para esse desempenho, como a efetiva participação dos produtores e a parceria da prefeitura, que custeia parte do projeto, garantindo o acesso gratuito aos produtores e a prestação de serviços de qualidade. O custo anual é de cerca de R$ 100 mil, sendo 70% bancados pelo Sebraetec e 30% pela prefeitura.

“Apesar do grande envolvimento dos produtores, lidar com a melhoria da qualidade do leite exige transformação e mudança de comportamento e um trabalho que não se faz da noite para o dia”, ressalta. Por isso também o respaldo da Associação dos Produtores de Leite de Carlópolis (Aproleic), que é citado por Capello como “um fator fundamental”.

Para o produtor Nivaldo Nascimento (de camisa branca), proprietário do Sítio Dois Irmãos, que migrou do café para a produção de leite, a ajuda dos técnicos trouxe muito aprendizado e tranquilidade

Nova mentalidade – O Sítio Dois Irmãos foi um dos primeiros a aderirem ao Vaca Móvel, o que trouxe muitas mudanças e novas perspectivas ao proprietário, Nivaldo do Nascimento, que é presidente da Aproleic. A associação conta com 19 associados, dos quais 16 fazem parte do grupo que recebe assistência técnica. “Aprendemos muito e o projeto renovou a mentalidade dos nossos produtores, que passaram a entender o que realmente é o negócio do leite”, avalia.

Com o aprendizado, Nascimento já conquistou três certificados de qualidade da Capal, cooperativa sediada em Arapoti, que compra e negocia a produção do grupo com a Usina de Laticínios Jussara, localizada em Patrocínio Paulista. Sua produção diária é de 500 litros e o rebanho tem 30 vacas em lactação, entre as raças Jersey e Jersolando, com média de 18 litros/dia/vaca, o que reflete a realidade dos demais produtores, cujas propriedades em geral são pequenas e familiares, com áreas de aproximadamente 30 hectares e rebanhos com 20 a 30 vacas.

“Sendo móvel, o laboratório ajuda muito e a análise é completa e confiável. Além disso, a gente aprendeu muito sobre limpeza e gestão de custos, sempre mantendo o olho na qualidade e absorvendo positivamente tecnologias de reprodução e os cuidados mais importantes”, afirma Nascimento.

Uma das vantagens que ele observa é a possibilidade de ter o ultrassom na propriedade, economizando tempo. “Isso nos traz tranquilidade, pois já não acontece mais de perder a hora certa de inseminar”, diz. Importante também são as orientações sobre bem-estar animal, fator essencial para evitar o estresse das vacas, que também influencia na produtividade.

Depois de trabalhar com café por muitos anos, Nascimento encontrou no leite uma ótima fonte de renda, desde que comprou a primeira vaca, há 21 anos, para garantir o leite na mamadeira do filho primogênito, Everton Augusto, que hoje o ajuda na produção, juntamente com a mãe, Solange Messias do Nascimento. Como a sobra do leite começou a lhe render um bom trocado, aumentou aos poucos o rebanho e a produção de leite, enquanto foi diminuindo o café. “Este ano acabei com o que restava de café no sítio”, revela.

 

Resultados promissores – Os resultados observados em Carlópolis são promissores e confirmam a consolidação do projeto, conforme balanço realizado em 2019, que apontou uma produção anual de 1.179.604 litros de leite, superando a marca de 2018, que havia sido de 888.601 litros. Isso corresponde a 254.000 litros produzidos a mais, advindos da adoção de práticas como ajuste de dietas, balanceamento e equilíbrio da ração, aumentando também a rentabilidade em cerca de 40%, segundo Henrichsen.

“Além disso, quando começamos, apenas a metade das amostras estava em conformidade com a normativa, mas, nos últimos três anos, elevamos esse índice para cerca de 95% do padrão exigido. Se analisarmos a qualidade pela média geométrica, que é o indicador do governo, todos os produtores atendem a 100% de conformidade.”

Quanto ao índice de vacas prenhes, o cenário é de cerca de 80% de prenhez positiva, índice que se repete no número de vacas em lactação em relação ao rebanho leiteiro. “Obviamente que o resultado se deve ao empenho dos produtores, porque o que fizemos foi só ajudar. Mas nos alegra muito ver o leite deles sendo disputado pela qualidade e produtividade e vê-los conseguir vender a produção conjuntamente.”

De acordo com os dados do IBS, entre julho e dezembro de 2021, a receita gerada pelo grupo foi de R$ 2.351.478,16, sendo 98,2% com a venda de leite, enquanto a despesa foi calculada em R$ 1.584.271,45, gerando um lucro médio de 33% por litro produzido.

PREFEITURA APONTA “PARCERIA POSITIVA”

 

“A experiência tem sido muito positiva nesses anos de parceria com o Sebrae, pois temos apenas um técnico agropecuário na equipe e a parceria com o Vaca Móvel vem reforçar nosso trabalho, trazendo uma equipe multidisciplinar para atender aos produtores”, avalia Francislane Luz Bohrz, secretária de Agricultura de Carlópolis.

Em termos práticos, segundo ela, logo no primeiro ano já se observou uma melhoria significativa da qualidade da produção, o que influenciou diretamente na renda das propriedades e trouxe premiações aos produtores. A receptividade foi muito boa em função desses resultados percebidos de imediato e da rapidez com que as propriedades se adequaram às exigências de qualidade e práticas de gestão trazidas pelo projeto.

Francislane avalia que a pecuária de leite tem um peso importante na economia local, porque proporciona renda mensal ao produtor e representa 4% do Valor Bruto da Produção (VBP) do município, com faturamento de R$ 8,174 milhões (2019). “Em certos períodos do ano, alguns desistem do leite, mas esse grupo de 16 produtores tem se mantido firme, trabalhando de forma cooperativa”, diz.

Um dos principais impactos do Vaca Móvel, como aponta ela, foi fazer com que o produtor permanecesse na atividade, com uma boa estrutura e mais experiência, além da garantia de uma renda familiar recorrente. “Isso faz com que ele fique no campo, gerando emprego e renda, algo de extrema importância nesse momento de crise, porque deixa o recurso na própria cidade.”

Com investimento da prefeitura, que paga uma parte dos custos do projeto, o atendimento sai totalmente gratuito ao produtor, fomentando ainda mais a atividade e reforçando o espírito de associativismo que impera no município, fato que levou o município a receber, em 2019, o prêmio nacional do Sebrae de “Prefeito Empreendedor”, concedido ao prefeito Hiroshi Kubo, pelo incentivo à organização dos produtores.

Para o produtor Nivaldo Nascimento (de camisa branca), proprietário do Sítio Dois Irmãos, que migrou do café para a produção de leite, a ajuda dos técnicos trouxe muito aprendizado e tranquilidade

LABORATÓRIO MÓVEL DO IZ LEVA AO PRODUTOR CONHECIMENTO E NOVAS TECNOLOGIAS

 
No Estado de São Paulo, o Laboratório Móvel de Análise da Qualidade do Leite do Instituto de Zootecnia (IZ-Apta) também foi a forma encontrada para levar até o produtor a tecnologia e as informações importantes para incrementar a qualidade da sua produção. A proposta, segundo o pesquisador Luiz Carlos Roma Júnior (foto), é aumentar a área de abrangência das pesquisas e auxiliar na divulgação dos resultados e das novas tecnologias desenvolvidas pelo Instituto.

O laboratório funciona há quatro anos num trailer, que normalmente fica estacionado em locais onde esteja sendo realizado algum evento agropecuário, ou em outros locais, de acordo com a necessidade e disponibilidade. A ideia é que os resultados das análises sejam “traduzidos” de imediato para o produtor. “Ele precisa saber que esses números são uma grande ferramenta em suas mãos. Por isso, a equipe do laboratório dialoga com os produtores e explica o que significam os números, levando a informação da forma mais direta possível”, explica.

Depois de receber os resultados, os produtores são convidados a conversar de forma individualizada sobre sua situação. As reações, segundo Roma, são diversas. “No começo, muitos acharam que estávamos ali para fiscalizar, mas quando perceberam que só queremos ajudar a resposta foi muito boa”, diz.

Dicas básicas também foram reunidas para esclarecer as dúvidas, incluindo informações sobre o tratamento animal com fitoterapia, tema que surgiu numa dessas conversas e que vem sendo trabalhado desde 2015. Aliás, sempre que há alguma pesquisa do próprio IZ a ser divulgada e que possa ajudar, ela é levada aos produtores por intermédio do projeto.

Complementarmente, são realizados treinamentos com a transferência de tecnologias por meio de dias de campo com os produtores, nos quais Roma ministra uma palestra, enquanto as amostras de leite são analisadas no laboratório móvel. Os treinamentos também são oferecidos a técnicos de associações, cooperativas e prefeituras.

Como resultado prático, Roma aponta como exemplo o trabalho realizado na região de Ribeirão Preto, onde num prazo de 12 meses se conseguiu reduzir pela metade os índices de Contagem Bacteriana Total (CBT) e em 20% os números de Contagem de Células Somáticas (CCS).

Recentemente, o laboratório recebeu verba de R$ 30 mil, entre recursos do governo do Estado de São Paulo e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para ampliar sua atuação em parcerias com a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), associações, cooperativas e feiras agropecuárias. O trailer também ganhou uma nova roupagem para ir às ruas, agora que a pandemia foi em parte superada, levando ao produtor o conhecimento, a tecnologia, as pesquisas e parcerias.

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