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A continuar essa tendência, o Brasil poderá zerar sua balança comercial de lácteos na próxima década

PRODUÇÃO

Lácteos: Brasil tem potencial de crescer na produção e ser

protagonista no mercado mundial

Os dados mostram que o leite é um dos setores mais estratégicos para o progresso e o desenvolvimento de uma nação

Wiliam Tabchoury*

A produção, o consumo e o comércio de leite e derivados lácteos vêm crescendo no planeta a taxas superiores à expansão populacional, segundo informações da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).

Para se ter ideia dos números, enquanto a população cresceu 27% nos últimos 20 anos (atingindo 7,75 bilhões de pessoas em 2020), a produção de leite avançou 56%, chegando a 906 bilhões de litros (sendo 81% de vacas, 15% de búfalas e 4% de cabras, ovelhas e camelas), permitindo aceleração de 23% no consumo per capita global, que atingiu 117 kg equivalente leite/habitante ao ano.

Dos 906 bilhões de litros de leite produzidos e comercializados ao redor do planeta em 2020, 51% foram consumidos na forma fluida e derivados em geral, 20% em queijos, 18% em manteiga e 11% em leite em pó (desnatado e integral), gerando valor bruto da produção próximo de US$ 433 bilhões (equivalente a 30% do PIB brasileiro). Na ponta final do mercado, esse valor pode dobrar ou até mesmo triplicar.

Por outro lado, esses segmentos de mercado apresentaram taxas distintas de crescimento, sendo liderados pelo leite fluido, seguidos de manteiga, leite em pó integral, queijo e, por último, leite em pó desnatado. De modo geral, o aumento do consumo per capita segue essa ordem de preferências, ou seja, partindo de produtos “mais frescos” e com menor interferência industrial e seguindo até os mais elaborados, ou seja, de maior valor agregado.

Outro ponto importante é a distribuição desigual da produção e do consumo de lácteos do ponto de vista geográfico. Os três centros produtores mais tradicionais são formados pela Europa (26%), América do Norte (12%) e Oceania (4%) que, em conjunto com a Ásia (42%), concentram 84% do volume de leite produzido em 2020. O restante fica distribuído na América Latina (11%) e África (5%).

De modo geral, 91% do total global de leite foi consumido localmente e o equivalente a 9% do seu volume compôs a balança comercial de lácteos, equivalente a 79 bilhões de litros em 2020, sendo formada basicamente pelos blocos exportadores (Europa, América do Norte e Oceania) e importadores (Ásia, África e América Latina). Também nessa área, o mercado tem se comportado de maneira desigual, ou seja, com taxas distintas de crescimento da produção, população e consumo per capita. Na Europa e América do Norte (grandes centros produtores, consumidores e exportadores), por exemplo, a produção e a população cresceram a taxas inferiores à média mundial, o que sustentou o crescimento do consumo per capita, que já é o mais alto do mundo (273 e 286 kg/habitante, na Europa e nos EUA, respectivamente), e das suas exportações líquidas, totalizando 53% do volume global de 2020.

Na Oceania (grande centro exportador), a produção tem se mantido estagnada, a população cresce em taxa acima da média mundial e o consumo per capita vem caindo (patamar atual de 239 kg/ano). Mesmo assim, as exportações líquidas se mantiveram em patamar muito elevado (29% do volume global e 73% da produção interna, dados de 2020), assegurando a vice-liderança mundial na exportação de lácteos e escoando o equivalente a quase três quartos do que produz internamente.

Na África, que detém somente 5% da produção global, a taxa de crescimento foi de somente 1/3 da média mundial, contra elevado crescimento populacional (2,4 vezes a taxa média global). O seu consumo per capita, que já era baixo, caiu ainda mais, ao patamar de apenas 43 kg/ano, o menor do mundo e bem abaixo do mínimo recomendado pela FAO, que é de 200 kg/ano. Com isso, continua no segundo lugar como maior importador global de lácteos, priorizando a aquisição de produtos mais baratos e de menor valor agregado. Fato semelhante ocorreu na América Central, menor bloco produtor do mundo, com somente 2% do total, terceiro maior importador e com consumo per capita estagnado no patamar de 130 kg/ano.

Há inúmeras oportunidades que podem impulsionar o crescimento sustentável da produção de leite, a partir de ações eficazes e capazes de gerar esses avanços no seu próprio mercado

Ásia acelera crescimento da produção e do consumo


A Ásia é a grande bola da vez no mercado global de lácteos, encabeçada por Índia, Paquistão e China, com crescimento acelerado da produção local, o dobro da média mundial, atingindo 42% do volume global de 2020. Além disso, apresenta crescimento populacional e significativo incremento do consumo per capita (atingindo 90 kg/ano). Vale ressaltar que essa região concentra 60% da população global, que consome 46% do total de leite do mundo e absorve 62% das exportações de lácteos do planeta.

Trata-se do maior mercado produtor, importador e consumidor da Terra e, o que é mais importante, continua em crescimento. Convém lembrar que são economias em franco crescimento e com baixa renda per capita, ou seja, com enorme potencial de aumento do consumo de lácteos e de outras proteínas animais, em função do incremento da renda da população e do tamanho do mercado como um todo. A China já caminha para se tornar a maior economia do planeta e será sucedida pela Índia, ainda neste século, ou seja, concentram os maiores crescimentos de mercados do mundo.

Na América do Sul, a produção cresce a ritmo superior ao consumo per capita, ambos acima da média mundial. Mesmo assim, como o crescimento populacional se mantém abaixo da média, o continente continua gerando excedentes, representando 5% do volume global de exportações em 2020.

O Brasil acompanha a taxa de crescimento global da produção, com elevação do consumo per capita superior à média global, atingindo 178 kg/ano em 2020. Entretanto, ainda depende de importação líquida da magnitude de 3% do seu mercado total, com queda dessa diferença nos últimos anos. A continuar essa tendência, o País poderá zerar sua balança comercial de lácteos na próxima década. Portanto, somos ainda um importador líquido de lácteos, tendo como principais origens os países vizinhos.

Além disso, do pouco que exporta, a grande maioria vai para mercados secundários, com menor valor agregado. E, quando é analisado o perfil do mercado interno, observa-se que ainda há grande universo de leite que não passa por processamento industrial certificado, atingindo 27% do total. Nos demais 73%, há baixo consumo relativo e quantitativo de leite fluido, atingindo somente 23% do total de lácteos (menos da metade da média mundial de 51%), 6% de manteiga (1/3 da média mundial de 18%), 25% de queijos e 19% de leite em pó (ambos acima da média mundial de 20% e 11%, respectivamente).

Desta forma, no mercado internacional de lácteos, o Brasil ainda não ocupa posição de destaque e o cenário de médio prazo não é tão favorável. Por outro lado, paradoxalmente no mercado interno, o consumo per capita é moderado e pouco se consome de produtos de maior demanda, destacando o leite fluido e a manteiga. Com isso, há inúmeras oportunidades que podem impulsionar o crescimento sustentável da produção a partir do aumento do consumo interno, restando ao País a identificação e o desenvolvimento de ações eficazes e capazes de gerar esses avanços no seu próprio mercado.

Como diretrizes iniciais a serem trabalhadas, pode-se citar várias delas, destacando ações que promovam o aumento do consumo de leite fluido, manteiga e gorduras lácteas, a manutenção e o crescimento dos mercados de queijos, leite em pó e demais derivados de alto valor agregado e, por fim, que a totalidade da produção seja industrializada em unidades certificadas.

O País tem condições plenas de ter protagonismo na produção e no mercado de lácteos, a exemplo do que já faz em várias outras cadeias de proteínas animais (bovinos de corte, frangos, ovos e suínos, dentre outras). Para tanto, dispõe do maior rebanho bovino do planeta, extensa área territorial, clima favorável, grãos e subprodutos, segurança institucional, tradição, tecnologia, eficiência na produção, parque industrial e enorme potencial de crescimento do mercado interno, que já é grande, mesmo com o moderado consumo per capita.

Portanto, o crescimento do mercado interno é uma estratégia muito promissora. O agronegócio lácteo é um dos setores que mais empregam no campo e contribui para a geração de trabalho nas cidades, além de promover o melhor desenvolvimento, reduz a evasão e aumenta o aprendizado escolar das crianças, gera maior distribuição de renda e contribui com a melhoria da nutrição e da saúde da população como um todo. Em resumo, trata-se de um dos setores mais estratégicos para o progresso e o desenvolvimento de uma nação. A criação e a adoção de ações capazes de aumentar o consumo de produtos lácteos pela população brasileira, a começar pelo aumento da ingestão de leite fluido, pode acelerar e promover o crescimento sustentável do setor lácteo nacional. Mais do que nunca, traçar uma nova rota e ajustar as velas para navegar, é preciso.

*Wiliam Tabchoury é engenheiro agrônomo pela Esalq/USP, com especialização em Economia, Administração
e Marketing pela Eaesp FGV-SP, gerente da Unidade de Bovinos da Auster Nutrição Animal e produtor.

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