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Vacas da raça Jersey da Fazenda Terra Límpida, em Cássia dos Coqueiros (SP), que produz leite e latcínios orgânicos

LEITE ORGÂNICO

Produção e consumo de

lácteos orgânicos no Brasil

Esse segmento vem avançando e ainda tem um potencial grande de crescimento para atender à demanda, desde que continue se aprimorando segundo as normas do Ministério da Agricultura

Fernanda Samarini Machado

As normas do Ministério da Agricultura definem que, para ser orgânico, o leite tem de ser produzido em sistemas orgânicos de produção, os quais contemplam aspectos ambientais, como uso racional dos recursos naturais e o aumento da biodiversidade local, além dos aspectos sociais, incluindo a melhoria da qualidade de vida dos agentes envolvidos e valorização da cultura local. O bem-estar e a saúde dos animais devem ser garantidos por meio do uso de raças adaptadas às condições locais, do acesso à pastagem e de alimentação adequada e orgânica, constituída de forragens (frescas, secas ou ensiladas) em pelo menos 60% da matéria seca da dieta.

Todo o manejo deve ser realizado de forma a respeitar as necessidades dos animais e a qualidade do produto. Nesse sentido, os sistemas de produção devem dar prioridade à vida livre dos animais e, no caso de vacas de leite abrigadas em instalações, oferecer pelo menos 6 metros quadrados/animal. Além disso, é obrigatório permitir acesso à área externa com forragem verde e vegetação arbórea suficiente para garantir sombra a todos sem disputa de espaço, por no mínimo seis horas por dia.

O sistema de pastejo deve ser preferencialmente rotativo, com o uso de consórcio e/ou rotação de culturas. Essas são algumas práticas de manejo preconizadas nas normas, que abordam também outros detalhes de questões sanitárias, reprodutivas, instalações e produção vegetal para alimentação do rebanho.

Para que uma propriedade passe a produzir leite orgânico, é preciso que haja um período de conversão da área, sendo de no mínimo 12 meses para pastagens e culturas anuais. Posteriormente, é necessário um período mínimo de seis meses em manejo orgânico na conversão dos animais, para que então os produtos comercializados possam ser certificados como orgânicos.

Produção no Brasil – No Brasil, a produção de leite orgânico é uma atividade ainda incipiente, mas apresenta grande potencial de expansão, visto que a produção a pasto e a utilização de raças adaptadas às condições tropicais predominam no País. Alguns produtores com marcas e laticínios próprios que beneficiam leite e derivados orgânicos já estão consolidados no mercado há vários anos em diversas regiões do Brasil, com fornecimento principalmente para o mercado local de leite pasteurizado e outros lácteos orgânicos, como queijos, iogurtes e requeijão.

Os investimentos recentes de multinacionais na produção de leite orgânico no Brasil estimularam a entrada de novos produtores de leite neste setor, bem como a tecnificação de propriedades já certificadas para o aumento da produção. Essa recente expansão, de 76 para 96 unidades de produção entre 2018 e 2020 (Tabela 1), tem sido propulsora da estruturação da cadeia produtiva, gerando demanda por fornecedores de insumos e consultoria técnica para as fazendas.

Como resultado do crescimento do número de fazendas produtoras de leite orgânico nos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo, associado à concomitante redução desse número nos Estados de Santa Catarina e Paraná, observou-se uma inversão na concentração espacial das unidades de produção orgânica de leite no País. Em 2018, esta produção se concentrava na Região Sul, se deslocando para a Região Sudeste em 2020.

O expressivo crescimento no número de produtores no Estado de São Paulo nesse curto espaço de tempo está relacionado à adoção de projetos de captação de leite orgânico por grandes laticínios (Nestlé e Danone), com o apoio de centros de pesquisa, como a Fundação Mokiti Okada e a Embrapa Pecuária Sudeste com o projeto Balde Cheio Orgânico.

Consumo – Assim como a produção, o consumo de lácteos orgânicos é ainda pouco representativo no mercado nacional de leite. De acordo com o Global Organic Dairy Market (2019), os Estados Unidos detêm o maior mercado mundial de leite orgânico, com valor de US$ 6,5 bilhões, representando 8% do mercado total de leite. Mais de um em cada quatro domicílios no Reino Unido compra leite orgânico e na Dinamarca um a cada 3 litros de leite comprados é orgânico.

O consumo de lácteos orgânicos nos domicílios brasileiros representou um mercado de aproximadamente R$ 114 milhões em 2018, conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Domiciliares (POF) do IBGE divulgados recentemente. Embora a pesquisa não estratifique os diversos produtos lácteos dentro da categoria “orgânicos”, é possível obter informações sobre o gasto familiar e per capita do total de lácteos orgânicos consumidos por Estado e região.

Fabricação de queijos com leite orgânico na Fazenda Terra Límpida

NORMAS QUE ESTABELECEM A PRODUÇÃO DE LEITE ORGÂNICO


Leite orgânico é aquele produzido em fazenda certificada por auditoria de terceiros ou do Sistema Participativo de Garantia. Os requisitos estão definidos na Lei nº 10.831 de 23 de dezembro de 2003, conhecida como “Lei dos Orgânicos”, e no regulamento técnico da Instrução Normativa nº 46, de 6 de outubro de 2011, e nas alterações determinadas na Instrução Normativa nº 17 de 18 de junho de 2014, ambas do Ministério da Agricultura.

O consumo de lácteos orgânicos apresenta um porcentual baixo nas despesas totais dos domicílios, considerando leite e derivados (Tabela 2). A Região Sudeste, que apresenta o maior porcentual de despesa com lácteos orgânicos em relação às despesas totais com leite e derivados, também apresenta a maior despesa per capita e o maior mercado para os orgânicos. A Região Centro-Oeste vem em seguida, considerando ainda o porcentual das despesas com lácteos orgânicos em relação às despesas totais com leite e derivados e a despesa per capita. Entretanto, o mercado foi menor em relação à Região Sul, já que a população dessa região é praticamente o dobro da população do Centro-Oeste. Esta mesma situação vale para a Região Nordeste, que possui uma população quase quatro vezes maior que a população da Região Centro-Oeste, apresentando, portanto, em 2018, um mercado maior em reais.

Portanto, há um grande potencial para expansão do consumo de lácteos orgânicos no Brasil, a fim de promover o crescimento da cadeia produtiva com equilíbrio entre a oferta e a demanda. As mudanças no comportamento dos consumidores, como resultado da maior preocupação com saúde, meio ambiente e bem-estar animal representam oportunidades e desafios para o mercado de leite em geral. Essas motivações que levam o consumidor a optar pelo leite orgânico, em relação ao convencional, também são as mesmas razões que os podem levar a escolher bebidas alternativas ao leite. Assim, é necessário maior divulgação à sociedade dos impactos ambientais positivos dos sistemas orgânicos de produção de leite, por meio do monitoramento de parâmetros de sustentabilidade e bem-estar e da transparência das informações que chegam ao consumidor.

Produtos lácteos orgânicos na Fazenda Nata da Serra, em Serra Negra (SP), de propriedade de Ricardo José Schiavinato

Perfil da produção no País – Entre agosto e setembro de 2020, 39 produtores de leite orgânico responderam a um questionário de caracterização dos sistemas de produção, dentre os quais 25 são do Estado de São Paulo. As composições genéticas predominantemente utilizadas pelos entrevistados são Holandês-Gir, Holandês-Jersey e Jersey. A área média das propriedades é de 270 hectares (mínimo de 3 ha e máximo de 2.980 ha), com área média dedicada à pecuária orgânica de 81,5 ha. A produção diária média é de 930 litros de leite (mínima de 60 l/dia e máximo de 5.000 l/dia), com produção média por vaca de 14 litros/dia.

Os rebanhos têm em média 78 vacas (mínimo de 5 vacas e máximo de 310 vacas) e 57 vacas em lactação. Com relação ao sistema de produção, 46% são exclusivamente a pasto e 53% são semiconfinados. O pastejo rotacionado é utilizado por 89% das fazendas. Para 72% dos produtores entrevistados, a atividade leiteira orgânica representa a principal fonte de renda, e 34% dos produtores realizam outra atividade orgânica além da produção de leite, como olericultura, produção de café e milho.

Dentre os principais desafios enfrentados pela pecuária leiteira orgânica, que foram identificados na pesquisa, destacam-se a dificuldade de comercialização do leite, a escassez e o alto preço dos insumos orgânicos, como milho e soja. Os problemas sanitários apontados foram mastite e endo e ectoparasitoses. Foram destacados também a falta de conhecimento em manejo orgânico e de consultoria técnica especializada, e a necessidade de reduzir a burocracia do processo de certificação, com maior clareza das normas e menor custo.

Embora a produção de leite em sistemas orgânicos represente um porcentual muito pequeno em relação à produção total de leite, o Brasil apresenta condições técnicas e ambientais para o aumento da oferta de leite e derivados orgânicos. Entretanto, aspectos mercadológicos, relacionados à oferta de insumos, comercialização da produção, demanda por assistência técnica especializada e questões burocráticas na certificação podem limitar essa oferta. Esses são desafios que devem ser superados pelos atores da cadeia para que se explore essa grande oportunidade de mercado.

 

Co-autores: Maria de Fátima Ávila Pires, médica veterinária, DSc em Ciência Animal, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, e-mail maria.pires@embrapa.br; Fábio Homero Diniz, engenheiro agrônomo, DSc em Desenvolvimento Sustentável, analista da Embrapa Gado de Leite, e-mail fabio.homero@embrapa.br

Fernanda Samarini Machado, médica veterinária, DSc em Ciência Animal, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora (MG), e-mail fernanda.machado@embrapa.br.

OBSERVATÓRIO DO LEITE ORGÂNICO:
Plataforma com dados e informações sobre o segmento


A Embrapa Gado de Leite vem conduzindo um estudo prospectivo sobre a pecuária leiteira orgânica no Brasil para mapeamento e caracterização dos sistemas de produção, visto que a ausência de informações qualificadas dos diversos elos da cadeia é um gargalo para o planejamento estratégico da cadeia produtiva. Dessa forma, pretende-se desenvolver o Observatório de Leite Orgânico, com a colaboração dos produtores, institutos de pesquisa e ensino, da Comissão de Leite e Derivados Orgânicos da Abraleite, do Instituto Brasil Orgânicos, da Emater-MG, bem como a cooperação de laticínios, do IBD Certificações e de outras instituições de avaliação de conformidade.
O Observatório reunirá, em uma plataforma, dados e informações sistematizadas sobre a cadeia agroalimentar do leite orgânico, relacionadas à caracterização e ao monitoramento territorial dos sistemas de produção (rebanho, produtividade, ambiente, avaliação da eficiência dos sistemas), fornecedores de insumos (grãos e sementes orgânicos, bioinsumos, medicamentos), fabricação e comercialização de lácteos (canais de distribuição e circuitos curtos de comercialização).

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