balde branco

É importante o produtor enxergar além dos números da qualidade do leite. Às vezes, eles podem parecer uma punição, mas na verdade é a partir desses números que o pecuarista deve começar o planejamento para o progresso do seu negócio

ENTREVISTA

Luiz Carlos Roma Júnior

Maior gargalo na qualidade do leite é o

RECURSO HUMANO

Luiz Carlos Roma Júnior é engenheiro agrônomo com mestrado e doutorado na área de Ciência Animal. Pesquisador científico no Instituto de Zootecnia/Apta, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, desde 2007, atualmente é diretor do Centro de Pesquisa de Bovinos de Leite da instituição. Desenvolve estudos nas áreas de assistência técnica e qualidade do leite. Mais recentemente, vem pesquisando terapias alternativas para melhoria da produção e da qualidade do leite. Desde 2015 desenvolve projetos para avaliar o efeito do treinamento sobre os aspectos de produção e qualidade do leite em fazendas de bovinos e bubalinos no Estado de São Paulo. Já monitorou projetos de pesquisa em mais de 300 propriedades, levando os resultados para a melhoria da qualidade do leite diretamente para produtores de forma prática, com entrega de relatórios e treinamentos com os produtores e agentes extensionistas.

Balde Branco – No geral, como vê a evolução da qualidade do leite nos últimos anos? Tem evoluído satisfatoriamente?

Luiz Carlos Roma Júnior – Podemos falar que a melhoria da qualidade do leite tem sido observada em muitas propriedades, apesar de que ainda existem produtores que precisam melhorar itens básicos. De forma geral, a qualidade vem caminhando na cadeia agropecuária do leite como um todo. Produtores melhorando e até consumidores exigindo maior variedade de produtos e com qualidade melhor. E essa evolução é o que impulsiona a pesquisa para ajudar, acelerar e resolver os desafios de cada setor.

BB – Em sua visão, qual o grande gargalo que afeta a qualidade do leite brasileiro?

LCR – Eu poderia falar que o maior gargalo é um componente do leite, mas vou falar que é o recurso humano. Sim, pode parecer estranho, mas a grande diferença entre as propriedades é informação, treinamento e capacidade de se adaptar aos desafios. Por isso venho trabalhando muito em estudar o efeito dos treinamentos sobre a qualidade do leite. Que tipo de informação tem maior impacto na melhoria. Que tipo de treinamento ou informação pode auxiliar mais os produtores com dificuldade para atingir os padrões mínimos de qualidade. Portanto, a palavra-chave é informação e saber usar esta informação.

Os produtores costumam ver na questão da qualidade do leite apenas números. Essa perspectiva é suficiente quando se trata de qualidade, ou seja, é preciso interpretá-los, não?

LCR – Sim, importante é o produtor enxergar além dos números da qualidade do leite. Às vezes, os números podem parecer uma punição, mas na verdade é a partir deles que se deve começar o planejamento para o progresso do negócio. Os números estão aí para auxiliar em todos os aspectos envolvidos na produção e na qualidade. Seja para o produtor, seja para os colaboradores (médicos veterinários, agrônomos, zootecnistas), são informações úteis para saber como e onde se deve melhorar.

BB – E os produtores fazem essa interpretação? O que ela representa?

LCR – No início dos nossos projetos com produtores leiteiros no Estado de São Paulo, era difícil ver um produtor ansioso para receber o extrato de qualidade com todos os resultados de análise do leite. Pelo contrário, muitos nem queriam ver os números. Porém, depois dos cursos, treinamentos, era gratificante ver um produtor começar a interpretar o resultado, pelo menos identificando que precisava de ajuda em alguma área. Atualmente, vejo que muitos produtores já têm utilizado bastante a análise. Claro que gostaria que todos a utilizassem, mas, por isso, tenho me empenhado bastante nos treinamentos para mostrar que a análise do leite interpretada é uma ferramenta muito eficiente para o produtor que quer progredir em seu negócio.

BB – Outra questão importante é o pagamento pela qualidade. Isso tem avançado? E qual é sua importância para os produtores?

LCR – Pagamento por qualidade ainda vejo que é um caminho que precisa evoluir. Grandes laticínios e cooperativas já têm o programa de pagamento por qualidade e isso é ótimo, principalmente para incentivar o produtor que faz o correto continuar nesse rumo. Mas há muitos produtores que não recebem por qualidade por ainda comercializarem leite para laticínios que não possuem o programa de pagamento por isso. O importante é pensar que a melhor qualidade pode auxiliar financeiramente a cadeia agroindustrial, principalmente a indústria e sua relação com o rendimento industrial, produtos de melhor qualidade para o consumidor e assim por diante.

Tenho me empenhado bastante nos treinamentos, para mostrar que a análise do leite interpretada é uma ferramenta muito eficiente para o produtor saber como e onde precisa melhorar”

BB – Quais os principais aspectos que estão diretamente relacionados à garantia da qualidade do leite?

LCR – Temos que pensar que o leite é bem complexo para falarmos em aspectos diretos. Porém, os aspectos sanitários, principalmente a contagem de células somáticas, e os higiênicos, no que diz respeito à contagem padrão em placa (contagem bacteriana no leite), são bem importantes. Tanto para a indústria, em termos de qualidade do produto final, quanto para produzir leite com padrões exigidos pela legislação em vigor (IN 76 e IN 77 do Ministério da Agricultura). Esses aspectos têm sido alterados desde a IN 51 (2002) e continuam desafiando os produtores. Na legislação atual, já têm até sido encontrados casos de produtores com interrupção da comercialização do leite por ultrapassarem os valores máximos da contagem padrão em placa (média geometria de três meses) por três vezes consecutivas.

BB – E há também aqueles “indiretos” – podemos dizer que neste se inclui a nutrição? Como isso se dá?

LCR – Outros aspectos são importantes, como os componentes do leite – gordura, proteína, lactose, extrato seco desengordurado e outros, também presentes na legislação com teores mínimos. Porém, esses aspectos estão mais relacionados com nutrição, manejo, características dos animais (genética, estágio de lactação, produção) se vistos sob a perspectiva do produtor. Se vistos pela perspectiva da indústria, podem ser convertidos em rendimento industrial e vantagens para o transporte de leite com maiores teores de componentes, entre outros benefícios. Não podemos nos esquecer que a qualidade vai muito além de composição e aspectos higiênico-sanitários. Também a verificação de resíduos de antimicrobianos, ponto de crioscopia, densidade, pH e muitos outros. Como já comentado anteriormente, todos os aspectos não devem ser vistos como números, mas como informação útil para o negócio leite.

BB – E, para monitorar a qualidade do leite, as análises laboratoriais são uma ferramenta fundamental, não?

LCR – Sim, monitorar o leite é como uma “colheita de informação” da propriedade. Saber onde focar esforços para garantir a sustentabilidade da produção de leite com qualidade. Assim, a “colheita” é feita por meio da análise do leite. Muitos produtores já recebem mensalmente a análise do leite realizada na coleta mensal sob responsabilidade do laticínio. Outros produtores encaminham as amostras diretamente para os laboratórios, conforme programa específico presente na propriedade. Ainda existem os produtores que enviam até amostras individuais das vacas para monitoramento mais preciso em termos de nutrição, manejo, genética e sanidade. Em todos os casos, vejo a vantagem de obter informação. O importante é ter informação de forma que seja objetiva e útil. Fazer análises do leite é uma ferramenta indispensável para uma eficiente gestão profissional da produção leiteira, pois, como disse, ela possibilita um monitoramento mais preciso de diversos aspectos fundamentais para o bom desempenho da atividade.

 

 

(Nota: leia reportagem sobre a inauguração do Laboratório de Referência em Qualidade do Leite do IZ/Apta, em Nova Odessa-SP)

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