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EFICIÊNCIA NUTRICIONAL

Mais leite com menos alimento

é a nova fronteira da pesquisa agropecuária

Estudos sobre eficiência alimentar em bovinos avançam no Brasil e a Embrapa faz parceria com Universidade de Nottingham, no Reino Unido, para identificar diferenças no microbioma dos animais mais eficientes

Rubens Neiva*

As pesquisas sobre eficiência alimentar em bovinos de leite avançam no Brasil. Recentemente, a Embrapa Gado de Leite concluiu seus primeiros estudos com fêmeas da raça Girolando. Outro trabalho vem sendo desenvolvido com fêmeas da raça Gir Leiteiro em lactação. São pesquisas pioneiras em bovinocultura de leite no País (há estudos recentes sobre eficiência alimentar em bovinos de corte). Para o produtor de leite, “eficiência alimentar” pode parecer confuso, mas o significado é simples e de grande interesse do setor: vacas comendo menos e produzindo mais.

É possível? “Com toda certeza”, garante a pesquisadora da Embrapa Mariana Magalhães Campos, coordenadora das pesquisas. “Na sociedade humana, há pessoas que comem menos do que outras e ganham mais peso; com as vacas é a mesma coisa. Algumas podem apresentar melhores resultados, em termos de produção, alimentando-se em menor quantidade ou igual às outras”, completa.

Os estudos possuem aspectos complexos, mas, em linhas gerais, o que os pesquisadores fizeram, num primeiro momento, foi observar as características dos bovinos que apresentavam potencial para produzir mais, com menos alimento. A essas características observáveis, dá-se o nome de “fenótipo”. Em uma segunda etapa, os fenótipos serão associados aos genótipos, que são as características genéticas determinantes do fenótipo. As pesquisas com marcadores genéticos darão à ciência as condições necessárias para se obterem vacas mais eficientes, possibilitando uma nutrição de precisão com animais selecionados.

Mariana Campos: "A pesquisa possibilitará a identificação de características genéticas que poderão ser inclusas nos programas de melhoramento de bovinos leiteiros"

DIFERENÇAS DE EFICIÊNCIA ALIMENTAR PODEM TER INÍCIO JÁ NA FASE DE ALEITAMENTO DAS BEZERRAS

Conforme explica a pesquisadora, “a identificação de fenótipos qualificados para eficiência alimentar de fêmeas leiteiras nas fases de cria, recria, pré-parto, lactação e período seco, permitirá a geração de uma base de dados consistente, possibilitando a identificação de características genéticas que poderão ser inclusas nos programas de melhoramento de bovinos de leite”.

Em outras palavras, o produtor poderá encontrar, nas centrais de inseminação e produção de embriões, material genético (sêmen ou embrião) que lhe garanta um rebanho com a melhor relação consumo de alimentos/produção de leite. Isso já é possível com outras características, também genéticas, como resistência a endo e a ectoparasitas, problemas de cascos, conformação, produção de sólidos no leite, etc.

Resultados – Um dos primeiros resultados do projeto foi provar que as diferenças de eficiência alimentar podem ter início já na fase de aleitamento das bezerras. Segundo Mariana Campos, “foi possível, de forma pioneira, realizar essa avaliação para diferentes índices, como consumo alimentar residual, ganho de peso residual e consumo e ganho residuais”. O consumo foi dividido entre o esperado e o observado. Animais com consumo menor do que o estimado são considerados mais eficientes comparados aos animais com consumo maior que o estimado. Essa característica foi denominada “consumo alimentar residual”.

Mariana explica que a digestibilidade de um alimento é medida pela diferença entre os nutrientes consumidos subtraídos daqueles que foram excretados nas fezes, ou seja, são os nutrientes de fato utilizados. Nos experimentos, ao avaliar as bezerras mais eficientes para consumo alimentar residual, os pesquisadores verificaram diferenças na digestibilidade de nutrientes, fazendo com que algumas vacas obtivessem maior digestibilidade da dieta. Também foram encontradas diferenças no metabolismo das proteínas, na fase de aleitamento.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores monitoraram 80 bezerras Gir e Girolando. Duas ferramentas de pesquisa utilizadas durante a avalição foram:

Máscara facial – máscara facial acoplada ao animal para mensurar trocas gasosas (consumo de oxigênio e produção de metano e gás carbônico). A máscara foi utilizada por 20 a 30 minutos, três horas após a alimentação da manhã. Os animais foram avaliados por dois dias consecutivos. Essa ferramenta estimou a diferença de calor produzido por bezerras mais e menos eficientes. As bezerras mais eficientes produziram menos calor.

Termografia infravermelha (TIV) – método não invasivo utilizado para indicar alterações biométricas térmicas no metabolismo animal, resultantes do aumento da temperatura corporal e alterações no fluxo sanguíneo em resposta a condições ambientais ou fisiológicas. A aplicação da TIV em ensaios de eficiência alimentar ė baseada na teoria de que animais mais eficientes têm menor requerimento de energia basal. Diferenças em temperatura superficial mensuradas por TIV parecem estar relacionadas com índices de eficiência alimentar.

 

Os estudos levaram seis anos para serem concluídos. Segundo a pesquisadora Fernanda Samarini, os projetos contaram diretamente com 47 pessoas (15 pesquisadores, 15 bolsistas, 7 mestrandos e 10 doutorandos). “A rede de parceiros continua aumentando”, diz Fernanda, que completa: “Esse tipo de pesquisa envolve uma série de experimentos com animais e dá muito trabalho, mas na velocidade com que avançam as tecnologias em genética molecular, poderemos obter resultados práticos em poucos anos”.

Fernanda Samarini : “São necessários muitos experimentos com animais, mas com os avanços das tecnologias em genética molecular, teremos resultados práticos em poucos anos”

ALÉM DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL, A OTIMIZAÇÃO DA EFICIÊNCIA NA CONVERSÃO DO ALIMENTO PODE INFLUENCIAR DE FORMA EXPRESSIVA A VIABILIDADE ECONÔMICA DO SISTEMA DE PRODUÇÃO

Animais do experimento

Produtor e meio ambiente – “A seleção de animais com maior eficiência alimentar contribuirá para a sustentabilidade dos sistemas de produção”, garante o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Thierry Ribeiro Tomich. Os bovinos são emissores de metano (CH4) na atmosfera, um dos gases com maior potencial de provocar o aquecimento global. “Uma produção mais eficiente diminui a emissão desse gás”, afirma o pesquisador.

Diferente dos animais monogástricos (que possuem apenas o estômago), a digestão dos ruminantes utiliza a fermentação, possibilitando o aproveitamento da celulose como alimento. Em contrapartida, há produção de CH4. “A nutrição de precisão visa também mitigar essas emissões, já que quanto mais eficiente na conversão do alimento e na produção de leite e carne for o bovino, haverá menos emissão de CH4 por produto gerado”, constata Tomich.

O pesquisador destaca ainda que, além da sustentabilidade ambiental, a otimização da nutrição animal pode influenciar de forma expressiva na viabilidade econômica do sistema de produção. Segundo dados da Embrapa, a alimentação representa o principal custo da atividade leiteira (entre 50% e 60%), o que reduz a margem de lucro dos pecuaristas. “Vacas que utilizam os alimentos de forma mais eficiente consomem menos para atingir o mesmo nível de produção e, dessa forma, são mais lucrativas e produzem mais leite por área cultivada”, conclui.

Thierry Tomich: "A seleção de animais com maior eficiência alimentar contribuirá para a sustentabilidade dos sistemas de produção"

INSTITUIÇÕES PARCEIRAS

Além da Universidade de Nottingham, no Brasil as
pesquisas contam com as seguintes instituições parceiras:

• Universidade Federal de Minas Gerais
• Universidade Federal de Viçosa
• Universidade Federal do Sudoeste da Bahia
• Universidade Federal de Juiz de Fora – Epamig
• Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
• Associação Brasileira dos Criadores de Girolando
• Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro
• Fazenda Canoas – Intergado • Allflex

PARCEIRA COM A UNIVERSIDADE DE NOTTINGHAM, NO REINO UNIDO


Os trabalhos realizados pela Embrapa Gado de Leite despertaram o interesse da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, que possui linha de pesquisa semelhante, estudando raças de clima temperado. A parceria com a Embrapa vai incorporar as raças de clima tropical. Foram assinados dois contratos de cooperação científica. A articulação entre as instituições foi coordenada pelo Labex Europa, que durante dois anos coordenou a preparação do acordo firmado no âmbito do “Future Food – Beacon of Excellence”, parte de um programa de investimento nas áreas de ciência das plantas e dos animais. Além da Embrapa Gado de Leite, outras unidades (Embrapa Arroz e Feijão e Embrapa Trigo) foram beneficiadas pelo projeto.

Segundo o coordenador do Labex Europa, Vinícius Guimarães, a negociação trouxe oportunidades para a pesquisa, mas demandou esforço na articulação, envolvendo dois coordenadores do Labex, o anterior e o atual. “Trabalhamos juntos no alinhamento às exigências contratuais até a liberação dos recursos no Brasil, por meio da Fundação Arthur Bernardes – Funarbe”, explica. “Apesar de todas as dificuldades, continuaremos em estreita relação com essa importante instituição.” Segundo Guimarães, o apoio financeiro internacional tem sido fundamental para as pesquisas neste momento de restrição orçamentária.

A assinatura dos contratos foi concluída em outubro. O primeiro deles tem como objetivo estabelecer as relações entre eficiência alimentar e emissões de metano de animais Girolando, do nascimento ao fim da primeira lactação. Os pesquisadores também pretendem correlacionar a emissão de metano, os índices de eficiência alimentar e o desempenho animal ao sequenciamento genético do microbioma ruminal, além de identificar os biomarcadores para animais mais eficientes.

O segundo contrato prevê a avaliação da associação da eficiência alimentar e o status imunológico, o microbioma ruminal, vaginal e do leite de bovinos leiteiros da raça Holandesa (realizado no Reino Unido) e da raça Gir Leiteiro (realizado na Embrapa Gado de Leite). Prevê ainda comparar microbiomas e fenótipos de vacas Gir Leiteiro em condições climáticas tropicais e vacas holandesas em condições temperadas, identificando similaridades e diferenças entre as raças europeia e indiana. Como no primeiro projeto, espera-se identificar biomarcadores para animais mais eficientes. Os projetos têm a duração de dois anos.

*Rubens Neiva é jornalista na Embrapa Gado de Leite

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