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A gestão precisa oferecer à equipe condições de aprimoramento para que as pessoas produzam resultados satisfatórios

GESTÃO

MÃO DE OBRA:

fator decisivo no sucesso do negócio leite

É preciso que o produtor e/ou gestor encare a nova realidade. Tecnologias inovadoras exigem profissionais capacitados para lidar com elas. Para isso, é preciso uma nova forma de pensar o negócio, buscando uma relação de trabalho mais humanizada

João Antônio dos Santos

Frequentemente, a Balde Branco tem focado na questão da gestão eficiente na propriedade leiteira como a principal via que leva à profissionalização e ao sucesso no negócio leite. E um dos pilares fundamentais da boa gestão é a mão de obra. Para mostrar o quanto esse quesito influencia no sucesso ou no insucesso da atividade na fazenda, conversamos com Vanessa Martins, gerente da consultoria Labor Rural, e com o professor Paulo Machado, fundador da escola Agro+Lean. Ambos destacam a necessidade de novas atitudes dos proprietários e gestores na questão da mão de obra, para que as propriedades leiteiras possam enfrentar os desafios colocados pelas mudanças que vêm marcando a sociedade e a cadeia produtiva do leite.

Em se tratando de mão de obra, em qualquer empresa (urbana ou rural), ela é, sem dúvida, um fator decisivo para o seu crescimento, ao mesmo tempo em que, em dadas circunstâncias, pode ser prejudicial e comprometer todo o resultado. “Ou seja, é ‘uma faca de dois gumes’”, assinala Vanessa Martins. Continuando, diz que, quando se traz essa questão para dentro de uma propriedade leiteira, é comum ouvir dos gestores que, no geral, existem três principais problemas relacionados à mão de obra: que não é qualificada, é escassa e há uma grande rotatividade.

“Analisando-se essas três afirmações, vejo que estão diretamente interligadas: por não haver pessoas qualificadas, quando precisamos contratar, nos deparamos com escassez de mão de obra. Quando o funcionário não é qualificado para o seu cargo, ocorre a rotatividade (seja porque ele se sente desmotivado e resolve sair ou porque o próprio gestor faz a demissão)”, diz ela, ressaltando que o mais importante é entender a causa da problemática, pois só assim será possível traçar estratégias que visem solucionar os problemas relacionados à mão de obra.

Em sua visão, em grande parte a raiz do problema está no fato de os gestores buscarem no mercado um “pacote pronto”. “Querem um colaborador que se encaixe no seu sistema de produção, sem haver a necessidade de despender tempo e recursos com capacitações. Vale lembrar a frase de Peter Schtuz (palestrante motivacional, conhecido como o homem que salvou a fábrica de automóveis da marca Porsche): ‘Contrate caráter, treine habilidades’, que é mais do que uma frase de efeito, é um princípio importante e que devemos ter sempre em mente”, enfatiza Vanessa.

O empresário rural precisa pensar nos problemas que detecta em seus colaboradores e quais condições foram oferecidas a eles para superá-las. “Não tenho dúvida de que a grande maioria está constatando que não foram proporcionadas as condições suficientes para que o colaborador desenvolvesse as habilidades necessárias para desempenhar com eficiência suas atribuições.”

A CAPACITAÇÃO CONTÍNUA É UMA NECESSIDADE PARA ATENDER AOS DESAFIOS DA GESTÃO EMPRESARIAL QUE PRECISA, PARA SEU SUCESSO, RETER A MÃO DE OBRA QUALIFICADA

Pouca atenção à capacitação – Ela relata que a Labor Rural levantou junto a seus consultores de campo a quantidade de treinamentos oferecidos pelos produtores à mão de obra das propriedades pertencentes a seu banco de dados, e o resultado é, no mínimo, intrigante: apenas 25% ofereceram algum tipo de capacitação para seus colaboradores no ano de 2019 e 2020 (até julho).

“Isso nos acende um alerta para nossa limitação como gestores, pois, em meio a tantas atribuições no dia a dia, nos esquecemos do principal capital que temos: o humano. De nada adianta termos na propriedade a melhor genética, conforto animal, tecnologias, equipamentos de ponta, etc., se quem estará manejando esses recursos não for capaz de tirar o máximo proveito deles”, adverte Vanessa.

Muitos ainda acreditam que capacitar seus funcionários é caro ou que estarão beneficiando outros quando o funcionário sair da empresa. “Esse produtor já parou para pensar que tudo o que ele tem está nas mãos desses colaboradores? Ao fazer esta reflexão, fica fácil concluir que não vale a pena correr o risco de não propiciar boas condições de trabalho e aperfeiçoamento.”

“Pesquisa junto a nosso banco de dados mostrou que apenas 25% das propriedades ofereceram algum tipo de capacitação para seus colaboradores no ano de 2019 e 2020 (até julho)” Vanessa Martins

Ela lembra também uma frase interessante dita pelo educador Derek Bok: “Se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância”. Em sua visão, essa frase faz todo sentido quando se analisam os custos de produção da pecuária leiteira. “Isso porque o item mão de obra (contratada e familiar) já aparece em terceiro lugar, representando em média 10% do custo de produção das fazendas mais rentáveis e 16% das menos rentáveis, uma diferença significativa.”

A ineficiência das fazendas menos rentáveis fica ainda mais evidente quando se compara o custo com mão de obra a cada litro de leite produzido: R$ 0,18 das mais rentáveis e R$ 0,28 das menos rentáveis. “Este maior custo não significa que os colaboradores das fazendas que estão perdendo dinheiro são mais bem remunerados, mas sim que é pouco leite produzido com os recursos disponibilizados: 834 litros/dia contra 1.486 litros/dia das fazendas que ganham mais dinheiro”, avalia ela. Certamente há espaço para melhorias no manejo das fazendas que não apresentam retorno econômico satisfatório, “e essas melhorias só são passíveis de serem alcançadas quando dadas as condições necessárias aos executores das tarefas diárias”.

Qualificação continuada – O processo de qualificação é contínuo e necessário, pois os maiores desafios da gestão empresarial são a retenção e a manutenção da mão de obra qualificada. Isso porque hoje os tempos são outros, as pessoas têm cada vez mais acesso a informações e buscam diariamente melhor qualidade de vida. “Para exemplificar, numa pesquisa da Labor Rural, constatamos um índice médio de 21% de rotatividade nas fazendas, valor considerável, não acha? Engana-se quem pensa que oferecer melhores condições de trabalho, como jornada de trabalho adequada, benefícios e bonificações, não geram valor. A pecuária leiteira está se tecnificando cada dia mais, e, para tirar o máximo proveito dos recursos disponíveis, é preciso oferecer condições para a mão de obra acompanhar essa evolução”, assinala Vanessa.

Todos os aspectos que ela pontuou envolvem basicamente o papel do empregador, que precisa ter desempenho muito bom para ter mão de obra qualificada e conseguir fixá-la na propriedade. “Para isso, é preciso que o gestor também se capacite, pois gerenciar não é um ‘dom’, mas sim uma habilidade que precisa ser desenvolvida”, diz, definindo que um bom gestor é aquele que busca usar estratégias apoiadas em conhecimentos de gestão. Ela resume algumas dessas estratégias:
• Organização – O empresário deve organizar as atividades de cada colaborador; destacar para o seu funcionário a relevância de cada atividade desempenhada por ele, por mais simples que seja. Afinal, se é preciso executar determinada tarefa diariamente (como limpar o curral), é porque ela é fundamental. Lembre-se de que ninguém se sente estimulado a fazer algo que não saiba o porquê de estar fazendo e para o que está fazendo;
• Reconhecimento – Determinar metas e reconhecer o bom desempenho de cada um. É natural do ser humano se sentir estimulado com desafios. Por exemplo, a meta da propriedade é manter a Contagem de Células Somáticas (CCS) abaixo de 300 células/ml. Contudo, não adianta incentivar o ordenhador e não reconhecer o seu desempenho. Este reconhecimento pode acontecer de diferentes formas, seja pela maior valorização do funcionário, seja por premiações, que não necessariamente demandam alto investimento;
• Qualificação – Acertar na escolha dos treinamentos/capacitações: existem inúmeras ofertas de cursos, treinamentos, palestras, etc., mas nem todas serão bem aproveitadas por sua equipe. É preciso ter em mente os maiores desafios a serem vencidos na propriedade e, a partir disso, definir quais capacitações oferecer. Importante destacar que ouvir os colaboradores é indispensável para que não haja equívocos nas escolhas.

“Como dito no início da nossa conversa, a mão de obra é uma faca de dois gumes, mas cabe ao gestor, por meio de suas técnicas de liderança, direcionar para qual lado a faca vai cortar!”, arremata Vanessa.


Mais informações: Vanessa Martins – www.laborrural.com; prof. Paulo Machado: www.agromaislean.com.br

Cada colaborador, em sua atribuição, precisa estar capacitado para fazê-la da melhor forma, sabendo o como e o porquê

Nova realidade exige relações mais humanizadas


O professor Paulo Machado, da escola Agro+Lean, observa que, nos últimos tempos, as mudanças mais marcantes que vê no contexto do País são as relacionas às oportunidades do mercado de trabalho, que hoje são muito mais amplas e variadas, do que há, por exemplo, 30 anos, quando eram muito restritas. “Com isso, o pessoal das fazendas começou a ter muitas opções de trabalho nas cidades. Na percepção deles, condições de trabalho melhores do que as da fazenda. No meu entender, não creio que, em sua maior parte, sejam melhores, embora eles acreditem que sim”, avalia.

Ele nota ainda o fato de que, para esse trabalhador, a família tem uma influência muito grande em sua escolha quanto a trabalhar e morar na fazenda ou na cidade. Em muitas situações, ele mora na cidade com a família e trabalha na fazenda, utilizando condução própria ou da fazenda.

Mas essa situação é uma barreira para esse trabalhador. Tudo isso, no fim, vai fazendo com que ele vá perdendo a motivação do trabalho. “O dono da fazenda deve entender essa situação em primeiro lugar, e também as necessidades das pessoas. Hoje, necessidades básicas como salário, moradia, segurança e qualidade de vida, entre outros, são fundamentais para as pessoas”, assinala Paulo Machado.

Segundo ele, outro ponto que as pessoas valorizam muito é o relacionamento entre elas, que é denominado necessidade social. É o relacionamento com o superior, com seus colegas de trabalho, ou seja, a equipe da fazenda. “Vale destacar que essa é uma das principais causas de demissões, porque um entrou em conflito com outro. Na maior parte dos casos, é porque as pessoas não sabem lidar com os conflitos. Não sabem escutar o outro, não sabem falar, não sabem se posicionar, não sabem definir limites, etc. Isso gera, então, os conflitos que levam o indivíduo se demitir ou a ser demitido.”

“Falta de comunicação gera conflitos na equipe da fazenda. As pessoas, a começar pelo gestor, não sabem escutar o outro, se comunicar, se posicionar, nem definir limites. Isso acaba levando o indivíduo a se demitir ou a ser demitido” Paulo Machado

Outra necessidade importante é o reconhecimento pelo trabalho realizado. Aí há um problema muito sério, porque o empregado não sabe direito qual é a expectativa do dono e/ou gerente quanto ao resultado de seu trabalho. “Muitas vezes ele trabalha, trabalha, mas o gestor não sabe comunicar, frustrando o funcionário, que não se sente reconhecido em seu trabalho.”

A última necessidade, também fundamental, é o colaboradorter desafios, ser desafiado na área em que tem autoridade, em que é capaz de identificar e resolver os problemas. “Os desafios o estimulam e ele tem satisfação em mostrar sua capacitação. Não é só ser reconhecido. Ele se sente muito satisfeito e motivado em realizar ações proativas e em resolver problemas.”

Todos os aspectos numa relação de trabalho citados por Machado são necessidades do colaborador e o dono e/ou gestor precisa entendê-las e criar as condições para que elas sejam atendidas. “Quando isso acontece, o funcionário deixa de olhar o salário como sendo a única razão de seu trabalho. Não mais, como a grande maioria, que vê seu trabalho apenas para ter a remuneração no fim do mês, sem nenhuma outra satisfação e realização. Em meio a tantas outras oportunidades de ganho, não haverá nada que o tire da fazenda.”

O professor coordenou, recentemente, um trabalho junto a duas grandes cooperativas em que se verificou, nas fazendas de seus cooperados, que a rotatividade da mão de obra estava em mais de 40% ao ano. “É espantoso esse número, pois significa que a cada dois anos trocam-se praticamente todos os funcionários. Como é que se pode desenvolver conhecimentos e competência nessas condições? Acredito ser este um dos principais problemas das fazendas”, avalia, acrescentando que o produtor pode comprar tecnologias, robôs de ordenha etc., mas pessoas não se compram, pessoas se atraem e isso só vai ocorrer se o dono atender às necessidades delas, conforme já foi comentado.

A gestão da mão de obra deve ser encarada como um processo de formação de uma cultura dentro fazenda. Ainda sem uma denominação específica, pode ser chamada de cultura de boas práticas, que abrangem propostas de boas práticas contínuas das relações entre as pessoas, do bem-estar das pessoas e dos animais. Numa palavra: do fazer bem feito em todos os aspectos amarrados num objetivo comum para se alcançar com segurança o sucesso da fazenda.

Por isso, destaca Paulo Machado, o caminho é, por meio da gestão, criar uma relação mais humanizada no trabalho, não de coisas, pois as pessoas não são máquinas. É preciso valorizar cada empregado, dar-lhe condições de trabalho, de aprender, de se capacitar, estimulando-o para que expresse todo seu potencial profissional e humano. E que ele seja reconhecido pelo trabalho que realiza. “Essa é a maneira mais viável para contar com profissionais compromissados e envolvidos no processo de produção da fazenda, trabalhando em equipe para se alcançar o melhor desempenho possível, sob os critérios da sustentabilidade – econômica, ambiental e social”, arremata ele.

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