Antes de discorrer um pouco sobre “o que se sabe” e “o que se faz” sobre mastite nos dias atuais, bem como “o que temos novo”, comecemos com alguns conceitos estabelecidos sobre essa enfermidade que acomete vacas em período de lactação. Trata-se de uma das doenças mais incidentes e que pode afetar a vida produtiva e reprodutiva dos animais, podendo levar à morte e/ou ao descarte.
Erika Lara*
A mastite é uma inflamação da glândula mamária, decorrente de uma infecção causada por um agente patógeno, que adentra na glândula mamária pelo orifício do teto (principal via de infecção) e, em caso específico, por via sanguínea (ex. Mycoplasma), causando danos no tecido e alterações físico-químicas do leite. É uma doença cara e complexa, com origem, gravidade e resultados variáveis, dependendo do patógeno e do ambiente exposto (Thompson-Crispi et al., 2014).
A mastite pode ser diagnosticada como clínica ou subclínica, sendo que a primeira pode ser detectada através de alterações visíveis no leite, acompanhadas ou não de sinais inflamatórios na glândula mamária ou sistêmicas (Wenz et al., 2004); e a segunda, através do aumento das células somáticas no leite e queda na produção dos animais. Embora silenciosa e muitas vezes desprezível pelo produtor, a mastite subclínica resulta em prejuízos de maiores proporções, pois reflete em perdas na produção, aloja patógenos, pode causar mastites clínicas e resulta em leite de baixa qualidade (alta contagem de células somáticas, CCS).
Os prejuízos dessa doença vão além das perdas de produtividade. Como dito acima, a perda de qualidade do leite, saúde e bem-estar animal, bem como os gastos com antimicrobianos e outros medicamentos, proporcionam perdas econômicas significativas com tratamentos, descarte de leite, diminuição da fertilidade e reposição de fêmeas. O custo total para tratamento de mastite clínica pode ficar em torno de R$ 400,00 a R$ 600,00, dependendo do tipo de infecção. Isso levando em consideração apenas gastos com medicamentos, mas não podemos esquecer de contabilizar as perdas produtivas e reprodutivas do animal doente.
Juntamente a isso, uma preocupação que vem se tornando maior a cada dia é com relação ao uso inadequado e indiscriminado de antibióticos na produção animal. A mastite e a “terapia da vaca seca” entram como as principais responsáveis pelo uso de antimicrobianos, sendo muitos deles considerados de importância crítica pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2013), que declarou recentemente que a resistência ao uso de antibióticos é uma das maiores ameaças globais.
Com esse cenário e a tendência na diminuição do uso de antimicrobianos, estudos reforçam que o manejo realizado nos animais e no ambiente, bem como estratégias nutricionais, podem reduzir os casos de mastite no rebanho. Além disso, novas tecnologias estão sendo desenvolvidas, a fim de melhorar o diagnóstico da doença e dar um direcionamento ao produtor sobre o melhor tratamento a ser realizado em cada caso.
A detecção da mastite clínica é bem difundida entre as fazendas no mundo inteiro e consiste, basicamente, na detecção de grumos ou alterações na cor e viscosidade do leite. Antes de ordenhar cada vaca, retira-se os primeiros jatos em uma caneca de fundo preto e avalia-se a presença dessas alterações. Entretanto, erros de diagnósticos (falso negativos e falso positivos) são muito frequentes no campo (Hogeveen et al., 2010).
A fim de buscar um diagnóstico precoce e direcionado, sensores eletrônicos estão sendo desenvolvidos, com o objetivo de avaliar: peso de leite, composição, condutividade elétrica, contagem de células somáticas, presença de sangue no leite e coloração (Sorensen et al., 2016). Esses dados são coletados individualmente, a cada ordenha, e auxiliam no diagnóstico da mastite. Ordenhas mecânicas modernas e robôs já são adquiridos com esse pacote tecnológico, sendo possível também a aquisição apenas desses sensores em uma ordenha já instalada.
Uma vez diagnosticada a mastite clínica, classifica-se a mesma em: grau 1 (foto 1 – apenas alterações no leite); grau 2 (foto 2 – alterações no leite e quarto inflamado); ou grau 3 (foto 3 – alterações leite, quarto inflamado e animal prostrado).
A maioria dos casos são leves e a decisão por tratar ou não o animal varia entre fazendas. No grau 1, quando tratado, utilizam-se drogas intramamárias à base de cefalosporina ou penicilina, na maioria dos casos, e no grau 2 e 3 associa-se esse tratamento com o uso de anti-inflamatórios e hidratação da vaca (importante hidratação por via oral, utilizando-se “Drench”), quando necessário.
Entretanto, a gama de patógenos que pode causar mastite é grande, e nem sempre a droga utilizada é a mais recomendada para o caso, o que pode acarretar falhas no tratamento e evolução para casos crônicos. Pesquisas apontam que, em média, 30% dos casos de mastite clínica têm resultado microbiológico negativo (não precisam de tratamento) e que 50% dos casos podem ter cura espontânea (sistema imunológico da vaca combate), dependendo do patógeno causador da doença.
Com isso, o uso da cultura microbiológica na fazenda está se disseminando, cada vez mais, como método para diagnóstico direcionado. Esse procedimento consiste em coletar o leite da vaca que apresentou mastite e incubar em placas contendo meio de cultura, por um curto período de tempo. Na maioria das vezes, em 24 horas tem-se o crescimento e a identificação da bactéria causadora da doença.
Existem algumas opções de placas de cultivo disponíveis no mercado, que se diferenciam pelo meio de cultivo e poder de seleção de bactérias, como também pelo preço. As placas bipartidas (ágar sangue e McConkey), que segregam as bactérias em dois grandes grupos: gram-positivas e gram-negativas; as triplacas que apresentam um meio de cultivo a mais, capaz de selecionar as bactérias do gênero Streptococcus; e as que contem meio cromogênico, capaz de identificar espécies bacterianas por diferenciação nas cores das colônias, nos três diferentes meios de cultura contidos em uma mesma placa.
Dessa forma, torna-se possível um melhor direcionamento de tratamento para mastite clínica, como também uma caracterização microbiológica da fazenda para conhecimento dos principais patógenos encontrados nas vacas. Essa última, nos mostra se os patógenos são contagiosos (Ex. Staphylococcus aureus e Streptococcus agalactiae, responsáveis pela maioria dos casos de mastite clínica) ou de origem ambiental. A primeira é causada por microrganismos que são parasitas obrigatórios da glândula mamária e sua contaminação se dá através de um elemento de ligação de “vaca para vaca” ou “teto para teto”, ou seja, o teto infectado pode contaminar a mão do ordenhador e/ou a ordenhadeira e contaminar outras vacas.
Já os microrganismos ambientais não colonizam a glândula mamária, mas podem causar a mastite através da contaminação ambiental (sala e aparelhos de ordenha, cama, área externa de úberes e tetos contaminados), e as vacas apresentam sintomas variando de leve a moderado (Langoni, 2013; Marques 2006). Na tabela 1 estão descritos microrganismos que foram caracterizados em cada tipo de origem da mastite, segregação realizada através de estudos científicos, entretanto, sabe-se que alguns podem ser de origem ambiental, mas também terem comportamento contagioso (ex. Klebsiella).
Tabela 1. Patógenos causadores de mastite ambiental e contagiosa
Tipos de mastite | Patógenos |
Mastite contagiosa | Staphylococcus aureus, Streptococcus agalactiae, Staphylococcus coagulase negative (oportunista), Mycoplasma bovis, Corynebacterium bovis. |
Mastite ambiental | Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter aerogenes, Proteus spp, Pseudomonas spp, Streptococcus uberis, Streptococcus dysgalatiae, leveduras, algas e fungos. |
A mastite clínica pode ser causada por qualquer um dos patógenos citados acima, entretanto, na maioria dos casos, os principais são os Coliformes e Estreptococos ambientais, sendo que a maioria das mastites causadas por coliformes apresentam cura espontânea. Já as mastites causadas por Estreptococos ambientais (Ex. S. uberis e S. dysgalactiae) apresentam baixa taxa de cura espontânea, mas respondem bem ao tratamento quando realizado da forma correta. Além disso, existem fatores de risco que proporcionam maiores chances das vacas apresentarem infecções, como: animais de alta produção, animais mais velhos, período crítico de início da lactação, casos de mastite anteriores, mastite subclínica crônica (histórico de alta CCS) e algumas características morfológicas do úbere e tetos (profundidade do úbere, hiperqueratose de ponta de teto, incontinência de esfíncter).
O produtor precisa estar atento às definições e diagnósticos de mastite clínica e, principalmente, gerar registros por animal (Figura 2). Dessa forma, o histórico da vaca ajudará na decisão de tratamento e/ou descarte do animal, pois, por mais que a percepção do produtor seja de que os antibióticos não fazem mais efeito, a conversa não é bem assim, já que os fatores intrínsecos às vacas e ao patógeno determinam muito mais a eficácia do tratamento. Por exemplo, animais com mastite clínica recorrente precisam ser avaliados de forma mais criteriosa, pois são animais disseminadores de patógenos e precisam ser avaliados quanto à decisão ou não de tratamento e/ou secagem ou descarte da vaca.
Tabela 2. Exemplo de planilha de campo para casos de mastite clínica
Vaca | Data | Grau da mastite | Quarto afetado | Cultura Microbiológica | Tratamento (Medicamento/dias) |
Mimosa | 28/10/2019 | 2 | AE (anterior esquerdo) | Streptococcus. agalactiae | Cefalosporina Intramamária por 3 dias (Uma bisnaga a cada 12 horas de intervalo), Ceftiofur Intramuscular dose única (seguir bula) |
Esses fatores intrínsecos podem ser: a condição imunológica da vaca (garantir bem-estar e aporte de nutrientes adequados), a agressividade do patógeno (S. aureus são extremamente agressivos, adentram na glândula mamária, formam biofilmes e sobrevivem dentro das células de defesas, permanecendo em sua forma inativa, com alta resistência a qualquer tratamento), número de casos antigos, idade da vaca, etc.
Por isso, o histórico de cada vaca se torna importante e é um fator de controle do rebanho, pois quanto maior a incidência de mastite clínica (número de casos novos pelo total de vacas em lactação no período de 30 dias), maior é a contaminação de uma vaca para outra, sendo essa uma medida de risco e sua diminuição tem grande impacto no controle de mastite. Além disso, alguns indicadores podem ser utilizados para avaliação e gerenciamento do rebanho (Tabela 3).
Tabela 3. Principais indicadores utilizados para monitoramento de mastite clínica do rebanho (Langoni, 2013)
Indicadores | Meta |
Incidência | < 5% ao mês |
Mastite grau 3 | <10% do total de casos |
Mortes por mastite | <2% |
Casos que necessitam mudança de tratamento | <20% |
Casos que se repetem | <30% |
Casos com mastite em mais de um teto | <20% |
Dias de descarte do leite* | 4 a 6 dias |
*Depende do período de tratamento (Ex. S. aureus necessita de 8 dias de tratamento IMM).
A mastite clínica é uma enfermidade que merece cuidado redobrado e a eficácia de cura depende do patógeno envolvido, sendo o monitoramento de índices epidemiológicos e o histórico das vacas, ferramentas de auxílio nos diagnósticos e tratamentos. A forma subclínica da mastite também causa prejuízos consideráveis e será relatada com mais detalhes no próximo capítulo.
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*Erika Lara é pesquisadora de ruminantes no Centro de Pesquisas da Agroceres
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