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CONTAMINAÇÃO

MICOTOXINAS

Grande risco para a saúde do rebanho

Falhas no monitoramento da qualidade dos ingredientes da dieta põem em risco a vida dos animais, além de reduzir drasticamente os índices de produtividade da fazenda

Erick Henrique

Invisíveis a olho nu, as micotoxinas são um perigo muito grande que ronda os alimentos na fazenda leiteira – desde o campo, a produção da silagem e mesmo na pastagem, até o cocho com a dieta total –, podendo inclusive contaminar o leite das vacas. As micotoxinas podem estar em diversos ingredientes da ração, assim como e, principalmente, na silagem, sendo produzidas em qualquer fase da elaboração desses alimentos. São altamente prejudiciais à saúde dos animais, inclusive dos humanos, caso estes consumam um alimento contaminado.

As micotoxinas são compostos químicos tóxicos que derivam de diversos tipos de fungos que se desenvolvem nos alimentos. A adoção de boas práticas de produção são ferramentas indispensáveis para garantir um alimento seguro e de qualidade para os animais. Isso compreende cuidados com a ensilagem e com ingredientes do concentrado (que devem contar com laudo de qualidade e com o correto armazenamento), a fim de reduzir a contaminação por fungos e, consequentemente, a produção de micotoxinas.

Segundo estudos publicados pela Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, os fungos que produzem as micotoxinas são passíveis de controle por meio de diversos tratamentos, porém as toxinas derivadas deles, por serem quimicamente estáveis, praticamente são indestrutíveis. Como elas são resistentes a altas temperaturas, como a fervura, à pasteurização, ao congelamento e até mesmo ao tratamento com ácidos, a estratégia mais eficiente para evitar a contaminação do alimento por micotoxinas é combater o desenvolvimento de fungos nos alimentos.

Ricardo Fasanaro: “É preciso fazer um controle adequado de fungos no alimento; isso é mais simples e barato do que todos os danos causados por qualquer tipo de contaminação”

“Pesquisas recentes em nível mundial comprovam que em 90% das fazendas existe pelo menos uma contaminação por micotoxinas. Essa é a realidade atual. Os fungos são um dos primeiros organismos vivos na terra e estão em constante evolução. O crescimento da produção de alimentos exige um controle maior nesse sentido e em qualquer agente contaminante”, ressalta o zootecnista Ricardo Fasanaro, coordenador técnico do Consulado do Leite.

Para o especialista em nutrição, muitas vezes os casos inexplicáveis dentro da fazenda apenas não são identificados por falta de conhecimento. Micotoxina é um tema relativamente novo no Brasil, mas, se olharmos para os Estados Unidos, por exemplo, são raras as fazendas que não fazem um controle adequado. “Posso dizer que é mais simples e barato do que todos os danos causados por qualquer tipo de contaminação em alimentos, sem falar na qualidade do produto final, no caso o leite, que é amplamente favorecida.

Todos os riscos de contaminação – Na avaliação de Fasanaro, o produtor tenta fazer o melhor com o que tem, contudo ocorrem muitas falhas por causa da dependência de ingredientes externos à fazenda. Grãos, só para ilustrar, são oriundos de diversas lavouras, misturados em um mesmo silo e depois comercializados aos bovinocultores, o que dificulta muito a rastreabilidade e a garantia da qualidade do alimento.

“As fábricas de ração dentro das fazendas raramente passam por higienização e controle de contaminação. Obviamente, além da falta de informação da importância desse procedimento, há a correria que é uma fazenda de leite. Vagões misturadores chegam a passar dias sem higienização, ficando com as crostas de alimentos velhos gerando uma contaminação cruzada por micotoxinas”, informa o consultor.

De acordo com Fasanaro, qualquer substrato orgânico está sujeito à proliferação de fungos. Grãos, ingredientes e rações mal armazenadas são, de fato, uma preocupação, mas de controle mais fácil. Amendoim e seus derivados, por exemplo, são altamente contaminados com aflatoxina – uma das micotoxinas – desde o campo. Alimentos com teor de umidade mais alto, como silagens, cevadas úmidas, estão sujeitos à contaminação com maior frequência em razão das condições ideais de desenvolvimento de fungos.

A qualquer descuido no armazenamento, o alimento dos animais pode desenvolver fungos, dos quais derivam as micotoxinas

“Outro ingrediente que tem me preocupado bastante é a polpa cítrica, um alimento muito úmido que passa por rápida secagem no processo de peletização, favorecendo assim a liberação de micotoxinas”, ressalta o especialista, informando que estudos comprovam que uma contaminação média de fumonisina e aflatoxina reduz a produção de leite de uma vaca em torno de 1,62 litro de leite por dia, e a de sólidos do leite em até 30%, provocando um aumento de CCS em até 300%. Além disso, a aflatoxina é residual no leite, e já existe normativa limitando a contaminação no leite e seus derivados.

Os danos causados por micotoxinas são, em sua maioria, permanentes. Cada uma delas age de forma diferente no organismo. Aflatoxinas e fumonisinas afetam diretamente a produção e a qualidade do leite, órgãos internos e podem levar à morte em poucos dias. A zearalenona afeta rapidamente a reprodução, reduzindo a fertilidade, causando abortos, retenção de placenta e, em casos mais agudos, a mumificação do feto. A DON (Deoxinivalenol) afeta a microbiota ruminal e intestinal, reduzindo o consumo de matéria seca, e por consequência a produção de leite. Lembrando que são conhecidas mais de 400 micotoxinas que reduzem a produção, por isso o controle e a prevenção não podem ser ignorados.

Boas práticas de ensilagem – Os técnicos do Consulado do Leite ressaltam que as boas práticas na ensilagem são fundamentais para o controle de contaminação. O ponto de corte correto, a matéria seca ideal, o carregamento e o fechamento de silo no menor tempo possível ajudam muito a manter a qualidade do material. Sempre lembrando que a compactação é a cereja do bolo. “Evitar ao máximo a presença de oxigênio no silo reduz fortemente a presença de fungos. Recomendo ainda o uso de antifúngicos à base de ácidos orgânicos para garantir que todo esse processo seja realmente seguro”, salienta Fasanaro.

Quanto à importância dos inoculantes nesse processo, o zootecnista diz que é impossível realizar o correto fechamento do silo sem a aplicação de inoculantes. Ele destaca ainda que a solução acelera a fermentação, favorece o rápido controle do pH do silo, bem como o consumo de oxigênio residual na massa compactada. “Já é comprovado, inclusive cientificamente, que os inoculantes promovem uma qualidade superior do material ensilado, reduzindo também as condições de crescimento fúngico quase por completo.”

Dona Laura, ao centro, e sua equipe na Chácara da Lagoa: problemas de reprodução e produção das vacas por causa de micotoxinas

Todo cuidado é pouco para prevenir a contaminação


Apesar de toda a atenção nas tarefas relacionadas à produção de leite, bastaram alguns descuidos para comprometer o bom andamento do trabalho. Neste caso, a consequência foi a contaminação por micotoxinas na nutrição do rebanho, que afetou a saúde e prejudicou bastante o desempenho produtivo e reprodutivo das vacas na Chácara da Lagoa, em Itaí (SP), de propriedade de Laura Moral Tarifa.

Laura relata que o manejo alimentar era feito com um vagão forrageiro, sem balança, e teve início em fevereiro de 2017, quando colocou as vacas no sistema de compost barn. “Temos um silo fechado onde armazenamos ração, milho moído, farelo de soja ou casquinha de soja, dependendo da formulação da dieta. Passamos um ano e meio sem esvaziar o silo completamente, apenas remontando o insumo recebido.”

Em 2018, a produtora e seus colaboradores notaram que havia material residual dos ingredientes grudado nas paredes do silo. Então, logo esvaziaram, limparam o silo completamente e continuaram essa prática.

“Em maio de 2020, o nutricionista deu uma aula sobre a função de cada nutriente na produção de leite e mencionou os riscos da contaminação por micotoxinas. Nesse instante, acendeu uma luz: será que os problemas na reprodução/produção que estavam afetando as vacas não eram consequência de alguma contaminação por micotoxinas?”, conta ela, lembrando que vacas que antes emprenhavam na segunda ou na terceira inseminação, naquele momento estavam na sétima e não emprenhavam. Também a produção leiteira, que girava em torno de 29 litros/vaca/dia, foi diminuindo até chegar aos 20 litros/vaca/dia. “Fomos investigar, enviando amostras de todos os componentes da dieta, para análise e bingo: foi constatada a contaminação por fumonisina e zearalenona”, relata a produtora.

Uma vez detectada a contaminação, os colaboradores da fazenda seguiram os protocolos recomendados pelos técnicos do Consulado do Leite, utilizando adsorvente e um estimulador biliar, acompanhando os resultados com análises do leite e dos componentes da dieta. Também foi feita a limpeza do silo com um produto químico que, segundo a proprietária da Chácara Lagoa, funcionou muito bem.

“O manejo em si não mudou, o que alteramos foi a inclusão do monitoramento das micotoxinas via análise da dieta total e se necessário dos procedimentos de controle para a manutenção das micotoxinas em níveis toleráveis, que não representam risco à saúde dos animais e a seu desempenho reprodutivo e produtivo. Felizmente, a reprodução do rebanho voltou ao normal e a produção está em 29,5 litros/vaca/dia”, comemora a produtora.

Perfil da Chácara da Lagoa: • Rebanho em lactação: 45 animais; • Produção de leite/dia: 1.286; • Produção vaca/dia: 29,5 litros; • CCS: 108; • CBT: 15; • Gordura: 4,11%; • Proteína: 3,21%

FAZER BEM FEITO


• Escolher as variedades ou híbridos de milho adaptados à região em questão e resistentes ao ataque de fungos;
• Controlar ervas daninhas e pragas;
• Aplicar fungicidas e pesticidas, quando necessário;
• Fazer rotação de culturas;
• Fazer a fertilização correta, conforme indicação de um profissional habilitado;
• Fazer a colheita no momento ideal para a cultura de interesse;
• As colhedoras devem estar muito bem ajustadas para o corte preciso e para evitar tombamento (acamamento);
• Utilizar inoculante bacteriano adequado que produza ácidos com poder antifúngico, como os casos do Lactobacillus buchneri e do Propionibacterium acidipropionici, que produzem ácido acético e ácido propiônico;
• Encher rapidamente o silo, fazendo a compactação efetiva e eficiente para atingir densidade de mais de 600 kg/m3 de silagem;
• Vedar adequadamente a massa ensilada com lonas de qualidade;
• Abrir com cuidado o silo, manejando corretamente a face do silo para minimizar a deterioração após a abertura.

Fonte: Universidade Federal de Santa Maria

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