balde branco
revista-balde-branco-mochação-01-B-ed681

É preciso todo cuidado para evitar a dor no animal, seguindo o protocolo de uso de tranquilizante, sedativo e anestésico

MANEJO

Mochação de bezerras leiteiras:

Quanto antes for feita, melhor

Veja como é possível minimizar consideravelmente os impactos da utilização dessa técnica dolorosa para o animal, porém tão necessária para a bovinocultura leiteira

Erick Henrique

O médico veterinário Marcelo da Silva Cecim, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS) e idealizador do projeto “Traduzindo Vacas”, que estuda o comportamento animal, é também uma autoridade quando o assunto é mochação e descorna de bovinos leiteiros. Ele treina, frequentemente, produtores e colaboradores para aplicar corretamente essa técnica no rebanho e é nosso entrevistado para fornecer orientações de grande valia para os leitores da Balde Branco.

“Acho importante pontuar a diferença entre as duas técnicas, de mochação e descorna. A primeira é o ato de impedir o crescimento do botão córneo, que precisa ser feito numa idade bastante jovem. Já a descorna, por outro lado, é um processo antiquado, pois é a retirada cirúrgica do processo cornual. Ou seja, faz-se o corte e a excisão de osso, porque o chifre já cresceu. Então, sempre que se tem de fazer uma descorna, fica patente que houve um atraso no processo”, explica.

Segundo o professor, há, atualmente, em muitos países e também no Brasil, movimentos contra a descorna, entre eles, um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Esses movimentos consideram a descorna uma mutilação, tornando-a um ato proibitivo para o exercício da profissão de médico veterinário.
“Contudo, a necessidade das duas técnicas é evidente, sempre que intensificamos o manejo dos animais. Bovinos que possuem chifres tornam o manejo com outros animais bastante difícil. Acidentes seguidos ocorrem com os animais de chifres, logo, precisarão de uma metragem maior de cocho, uma vez que tendem a ser dominantes, exatamente por usarem os chifres para se proteger”, diz.

Marcelo da Silva Cecim: “Há uma quantidade muito grande de trabalhos na literatura mostrando que a técnica de mochação é um processo doloroso, seja ela realizada com pasta ou a ferro”

Ele observa que, em relação à técnica no Brasil, tem constatado comentários nas redes sociais que mostram a descorna sendo feita. “Em razão disso, em primeiro lugar, a bovinocultura brasileira está atrasada, no sentido de não se fazer o procedimento precocemente. Mesmo quanto à mochação, chama a atenção como o Brasil mocha tarde seus bovinos, aplicando a técnica com até três meses de vida. Isso é quase uma descorna, só que o produtor está queimando a superfície óssea do animal com ferro quente”, avalia Cecim.

Procedimentos errados – Além disso, de acordo com o professor da UFSM, outra situação que tem preocupado bastante é que as pessoas estão deixando para mochar os bezerros com ferro quente, aos três meses de idade, junto com a vacina contra a brucelose. “Veja que contrassenso: aplicar dois procedimentos muito dolorosos em um animal grande, com mais de 100 quilos: a mochação e a aplicação da marca na cara, em decorrência da vacinação contra a brucelose”, diz o professor. “Isso realmente é um despropósito, ao impor um processo doloroso num animal que, certamente, deve criar uma resposta vacinal. Em outras palavras, é uma receita muito boa para a vacina não funcionar. Infelizmente, a gente ainda observa esses manejos mal pensados sendo realizados na pecuária brasileira”, destaca.

Cecim acrescenta que vários países mocham muito mais cedo os animais em comparação com o Brasil, mesmo utilizando o ferro, procedimento feito com até três semanas de vida. Todavia, existe uma crescente onda mundial para substituir a mochação a ferro pelo uso da pasta cáustica. Inclusive, ele informa que há um posicionamento oficial da Associação Americana de Buiatria, encabeçada por veterinários dos Estados Unidos que trabalham com ruminantes, recomendando que a mochação a ferro quente seja substituída pela pasta cáustica e que essa prática seja executada nas primeiras 24 horas de vida do bezerro.

“A partir do momento em que uma das associações mais antigas e respeitadas do mundo se preocupa muito com essa questão – dor em animais de produção – e manifesta um posicionamento oficial, fica claro que devemos separar esse fato de uma simples opinião pessoal. Há uma quantidade muito grande de trabalhos na literatura mostrando que a técnica de mochação é um processo doloroso, seja ela realizada com pasta ou a ferro”, pontua Cecim.

Segundo ele, o produtor tem um limite de idade para utilizar a pasta cáustica nas bezerras, que seria de 10 a 12 dias. Depois desse período, tem de ser feito com ferro quente. Se for optar pelo ferro quente, o professor recomenda o uso de ferros elétricos, contendo um termostato, pois não esquentam demais.

Bloqueio do nervo cornual com anestésico local é obrigatório em qualquer um dos procedimentos

É preciso atentar para a temperatura adequada do ferro para fazer o procedimento, com o animal sedado

Mochação a ferro – Para o especialista da UFSM, é fundamental que os produtores entendam que existem três fatores de variabilidade na mochação a ferro, que as pessoas, por vezes, se esquecem de controlar: 1. A temperatura do ferro: geralmente não se sabe em qual nível está. Já o termostato elétrico ajudaria nesse aspecto; 2. A pressão exercida com o cabo do ferro sobre o crânio do animal, o que vai aprofundar a penetração do calor; 3. O tempo de exposição.

Além disso, existe uma relação da temperatura do ferro com a cor. O ferro não deve estar vermelho. Quando se inicia o aquecimento da ponta, seja de bronze ou de ferro, ela deve estar em uma tonalidade branco-acinzentada. A ponta começa com o tom preto-azulado (estado frio), e branco é o “ponto de marca”, como é dito pelos veterinários. Agora, quando estiver vermelha, é porque passou do ponto. Não se deve passar a ponta vermelha na mochação, principalmente as pontas de bronze.

Mochação com pasta – “Sobre o uso da técnica de mochar com pasta cáustica, algo que por muito tempo tive minhas dúvidas, me dei conta de que eu não sabia usar direito o produto, cometendo o erro mais comum, que é aplicar em demasia”, diz. “Convém lembrar que vamos utilizar esse produto em um animal jovem, de até 10 dias de vida. Hoje, já faço com animais com apenas um dia de idade, com resultados excelentes, e a quantidade de pasta utilizada é menor, por exemplo, do que um grão de milho”, ressalta Cecim.

O segundo ponto muito importante destacado pelo professor é que o pecuarista não pode deixar a bezerra no sol e nem na chuva, porque a pasta vai se perder. Existe a tendência de o animal, quando a pasta começa a queimar, a se coçar, por isso os veterinários recomendam que o local da mochação esteja protegido.

“Existem duas maneiras boas de fazer isso: bandagem em volta da cabeça e, eu, particularmente, gosto muito da fita ‘silver tape’, aplicando um pedaço de 10 cm por cima, impedindo que o animal esfregue a pasta nas orelhas ou nos olhos, evitando queimaduras nesses lugares. Essa fita pode ser tirada dois dias depois, sendo possível observar o ponto cauterizado pela pasta cáustica bem delimitado. Não usem esparadrapo, porque a pasta vai corroer o material.”

Apara dos pelos para aplicar a pasta

O uso da pasta também exige cuidados especiais em sua aplicação, para evitar dor no animal

Muita atenção ao controle da dor – A seguir, o professor pontua três classes de fármacos que são utilizados para o controle da dor: tranquilização e sedação, sendo um fármaco que vai deixar o animal mais calmo, mais devagar. Ele não afeta a dor, bem como a consciência do animal. Para isso, normalmente, em bovinos jovens aplica-se a xilazina. Ele recomenda fortemente o uso desse sedativo para todo animal que será mochado a ferro. Já na mochação com pasta cáustica, é possível fazer esse manejo sozinho em bezerras com até o quinto ou sexto dia de vida, sem a necessidade de tranquilização. A partir disso, recomenda-se que o bovino receba uma anestesia com xilazina.

“Segundo ponto: a anestesia local é muito fácil de fazer. Eu treino uma infinidade de produtores a fazerem esse ‘botão anestésico’, onde fica a inserção da agulha entre o olho e a base da orelha, afetando o bloqueio do nervo cornual, aplicando de 1 a 2 ml de anestésico local. Isso deve ser feito cerca de 5 minutos antes da mochação a ferro e da mochação a pasta. O objetivo desse bloqueio anestésico é controlar aquela dor aguda do processo, diminuindo essa dor momentaneamente por volta de duas horas”, orienta Cecim.

O terceiro aspecto é utilizar um analgésico anti-inflamatório de longa duração e, hoje, o princípio ativo é o meloxicam, o mais utilizado nos rebanhos leiteiros, com ação por até 72 horas. “Esse analgésico vai ter o objetivo de diminuir a reação inflamatória, consequentemente a dor, depois que passar o efeito do anestésico. Esse fármaco leva cerca de 4 horas para fazer efeito, dessa forma, é importante que seja feito o uso antes de o animal ser mochado, essencialmente quando falamos de controle da dor”, conclui.

Fabieli Loise: Pretendemos analisar o respeito à legislação, a percepção do bem-estar animal, e as possibilidades de uso de alternativas, como a seleção genética

UFBA PROMOVE PESQUISA SOBRE MOCHAÇÃO


A pós-doutoranda em zootecnia, na área de Genética e Melhoramento Animal, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Fabieli Loise Braga Feitosa, com estágio no exterior de um ano, na Universidade of Guelph, no Canadá, é daquelas pessoas apaixonadas pelo setor e suas particularidades. “Desde a minha graduação, trabalho com bovinos. É uma paixão que vem desde pequena, quando ia para o sítio do meu avô, em Américo de Campos (SP), e o ajudava com o gado. Espero contribuir cada vez mais com pesquisas que possam melhorar e impulsionar a bovinocultura em questão de eficiência, bem-estar e sustentabilidade”, diz.

Ela está desenvolvendo uma pesquisa intitulada “Percepção dos produtores em relação à descorna/amochamento dos bovinos e bubalinos no Brasil”, que surgiu em uma discussão sobre a seleção de animais mochos e sobre um programa de estímulo para estabelecer regras ao amochamento, como uso obrigatório de anestésicos, anti-inflamatórios e procedimentos pós-amochamento, à semelhança do que existe na União Europeia, sob a supervisão do professor Gregório Miguel Ferreira de Camargo.

O objetivo desse estudo, conforme Fabieli Loise, é fazer um panorama sobre a prática de amochamento/descorna em rebanhos bovinos e bubalinos no Brasil. Os pesquisadores da UFBA querem saber qual a percepção dos produtores em relação ao manejo propriamente dito, além das noções de bem-estar dos animais e seleção genética para animais mochos, entre outros.

“Esperamos ver primeiro qual a ocorrência da prática. Para os que a fizerem, pretendemos analisar o respeito à legislação, a percepção do bem-estar animal e as possibilidades de uso de alternativas como a seleção para o gene mocho, por exemplo. Os dados ainda estão em fase de coleta e não há resultados preliminares, mas quero estimular os produtores a participarem. Quanto antes o quantitativo de respostas for atingido, antes teremos resultados a apresentar”, finaliza a pesquisadora.

Para que produtores tenham acesso ao questionário de perguntas sobre amochamento, podem escrever para bifeitosa@hotmail.com ou acessar o link https://bit.ly/descorna. Para aqueles que desejarem ver resultados científicos do Grupo de Melhoramento Animal da UFBA podem seguir o instagram @gema.ufba. O questionário ficará aberto por tempo inderteminado, porque os pesquisadores estão buscando uma amostra representativa de produtores do Brasil. A meta é atingir cerca de 400 respostas para ter uma margem de 5% de erro. Associações de raças já foram procuradas para disseminar essa pesquisa e a Balde Branco vai divulgar esse projeto em suas redes sociais.

Abrir bate-papo
1
Escanear o código
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?