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Junto com o melhoramento genético dos animais, o produtor também recebe orientações sobre o manejo nutricional e a qualidade leite

MATO GROSSO

MT: Programa visa elevar

a produtividade das pequenas propriedades leiteiras

O objetivo é mudar o cenário de baixa produtividade e, num prazo de dez anos, reposicionar o Estado no ranking nacional de produção de leite

João Carlos de Faria

O Estado de Mato Grosso ocupa atualmente a 11ª posição no ranking brasileiro do leite, com 617,99 milhões de litros produzidos no ano de 2020 e 394.941 vacas ordenhadas, com produtividade média de 4,28 litros/vaca/dia. Apesar da ocorrência de um pequeno aumento em comparação a 2019, o índice ainda é baixo em relação à média nacional, que registra 6 litros/vaca/dia (IBGE/2020). Entre os principais motivos para a baixa produtividade no Estado está a utilização de animais de baixo potencial para produção de leite e de genética, além do manejo alimentar, reprodutivo e sanitário inadequados.

Ainda assim, o leite é a principal atividade econômica para a maioria das propriedades rurais familiares do Estado e, conforme o Diagnóstico da Cadeia Produtiva do Leite, realizado em 2012, a metade dessas famílias (51%) produz menos que 50 litros de leite/dia e 92% menos do que 200 litros/dia, realidade que continua atual, segundo a médica veterinária Vânia Ângela Kohl, analista de desenvolvimento econômico-social da Secretaria de Estado da Agricultura Familiar (Seaf). “Apesar de o levantamento ser de dez anos atrás, os dados continuam os mesmos”, diz.

Vânia Ângela: “Graças ao programa, o pequeno produtor tem acesso a sêmen de animais selecionados, TE e novilhas prenhes”

Técnicos em trabalho de campo no Sítio São João, de Everson Dias Saboia, em Colíder

Ela é uma das idealizadoras e coordena o programa MT Produtivo Leite, que pretende mudar esse cenário num prazo de dez anos, reposicionando o Estado no ranking nacional. Fazem parte desse pacote, realizado em parceria com associações e cooperativas locais, algumas ações para melhorar a qualidade do leite, a alimentação e a genética do rebanho mato-grossense, permitindo ao pequeno produtor o acesso a doses de sêmen de animais selecionados, fertilização in vitro (FIV), transferência de embriões e, agora, a novilhas prenhes, além de equipamentos e capacitação de técnicos e produtores. A iniciativa já beneficia 62 municípios, abrangendo todas as regiões do Estado.

A secretaria oferece, a cooperativas e associações parceiras, silos, resfriadores de leite, ordenhadeiras mecânicas e caminhões isotérmicos para o transporte do leite, num esforço para melhorar a qualidade do produto. “No caso da alimentação, fornecemos calcário para melhorar as pastagens e produzir mais comida, além de criar Unidades de Referência Tecnológica (URTs) em várias regiões do Estado”, informa. Essas URTs se referem a propriedades nas quais são desenvolvidas tecnologias como pastejo rotacionado, práticas de correção do solo e de conforto animal, que se tornam referência para os demais produtores.

Melhoramento genético – O melhoramento genético, considerado a “menina dos olhos” da Seaf, conta com três modalidades: a doação de sêmen, a transferência de embriões (fertilização in vitro) e agora, prestes a se iniciar, o fornecimento aos produtores de novilhas com padrão meio-sangue Girolando e prenhez confirmada.

 

Para receber as doses de sêmen e transferi- las aos seus associados, as entidades parcerias assinam um termo de responsabilidade, a partir de um projeto básico que é apresentado à Seaf, e se obrigam a fornecer o botijão com o nitrogênio necessário para o transporte de sêmen proveniente das raças Jersey, Holandês, Gir e Girolando 5/8 e 3/4.

“Em 2021 distribuímos 15 mil doses de sêmen e neste ano vamos distribuir mais 12 mil doses, podendo chegar a 20 mil”, relata Vânia Ângela. Para o projeto de transferência de embriões, é assinado um acordo de cooperação com os parceiros e o valor da prenhez – que varia entre R$ 1.699 e R$ 2.150 – é dividido entre o Estado e as entidades, que pagam 20% do valor, cabendo a elas a decisão de repassar ou não esse custo ao produtor beneficiado.

Agora, produtores integrados ao programa têm acesso a equipamentos e orientação sobre qualidade do leite, como nesta propriedade em Bom Jesus

Os resultados colhidos têm sido uma surpresa para a equipe, pois, segundo a médica veterinária, no início houve muitas dúvidas se os pequenos produtores, pouco acostumados a essas tecnologias, seriam capazes de absorver as inovações propostas. Aliás, o projeto só seguiu em frente por insistência dos técnicos da Seaf e do próprio secretário da pasta, Silvano Amaral. “O resultado e a receptividade têm sido muito surpreendentes. Esses produtores jamais teriam acesso a essas tecnologias se não fosse o programa”, afirma.

Exigências de qualidade – Uma das condições impostas pela licitação realizada pelo Estado para escolher as empresas prestadoras de serviço foi que somente seriam pagas as prenhezes positivas e sexadas de fêmeas, comprovadas por meio de um diagnóstico de gestação feito em 60 dias. As três empresas selecionadas atuam de forma regionalizada e, para se habilitar, precisaram apresentar a documentação de doadoras e doadores, com exigência do relatório individual de lactação (RIL), comprovando a produção mínima de 5.000 kg de leite por lactação. Após cada parto também é recolhido material das bezerras para comprovar se a genética está de acordo com o que foi contratado. “Tomamos esses cuidados para que a genética seja de muito boa qualidade.”

As empresas se responsabilizam ainda por todas as ações necessárias à execução do projeto, tendo o acompanhamento de técnicos da Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Agropecuária (Empaer), que presta assistência técnica a esses produtores. Na primeira fase, foram 847 prenhezes confirmadas; na segunda, 930 estão em execução e mais 530 já foram contratadas.

Vânia Ângela afirma que as primeiras novilhas nascidas deixaram os produtores empolgados e, agora, outros municípios querem o programa, resultando em uma demanda que a Seaf ainda não está conseguindo atender. Até o momento, o Estado já investiu R$ 3,4 milhões somente em transferência de embriões, com possibilidade de uma suplementação no valor de R$ 1 milhão para atender às demandas surgidas posteriormente. Somados aos demais gastos com o fornecimento de sêmen, transferência de embriões e aquisição das novilhas, esse valor atinge cerca de R$ 22,7 milhões.

No projeto das novilhas com prenhez confirmada, que está sendo iniciado, serão oferecidos mil animais com quatro a oito meses de gestação. O objetivo é acelerar e trazer retorno mais rápido ao produtor e, com isso, lhe proporcionar rendimento e retorno financeiro num curto espaço de tempo.

Nesta fase, a parceria com as entidades é diferente, pois, para cada novilha paga pelo Estado, outra deve ser paga pelo parceiro, que pode decidir se repassa ou não o custo de R$ 17,9 mil ao produtor, que só terá acesso aos animais se tiver produção abaixo de 200 litros/dia. Mas as entidades também podem adquiri-las de outro fornecedor caso prefiram, desde que seja mantido o padrão exigido. Essas parcerias estão sendo feitas por meio de chamamento público e cinco delas já estavam definidas em março, sendo três associações e duas cooperativas.

Expectativas otimistas – “Com essas ações, o que esperamos é realmente melhorar a qualidade e a produção de leite no Estado, mas temos consciência de que os impactos positivos só vão aparecer de verdade daqui a uns três anos. O processo é demorado, mas a tendência é elevar em pelo menos 6% a produção”, diz Vânia Ângela.

Embora ainda, por razões óbvias, não existam dados para quantificar o impacto trazido à renda das propriedades com o programa MT Produtivo, ela calcula que, com duas novilhas bem qualificadas geneticamente incorporadas ao rebanho, o produtor beneficiado terá um aumento mínimo de 30% em sua renda mensal logo no primeiro ano.

No caso da transferência de embriões, porém, o resultado deverá aparecer só a partir do terceiro ano, pois vai depender do número de prenhezes. “São vacas com potencial genético para produzir de 20 a 25 litros de leite, dependendo do ambiente e da alimentação, o que significa que esse produtor deve sair de uma vaca que produz 5 litros para outra que vai produzir no mínimo 15 litros. Ou seja, o aumento será de pelo menos 10 litros por dia”, avalia.

Independentemente das contas, Vânia Ângela não tem dúvidas de que os produtores beneficiados vão melhorar em todos os sentidos, não só pela tecnologia recebida, mas também pela nova forma de gestão na propriedade e uma nova mentalidade. “Isso vai acabar se irradiando, como já está acontecendo, e outros produtores passarão a acreditar que podem progredir. É isso o que vai aumentar a produtividade e a produção do Estado”, afirma.

Ajuda aos associados – Na Cooperativa Agropecuária Mista Terranova (Coopernova), a parceria com a Seaf abrange nove municípios, incluindo Terra Nova, a 670 quilômetros de Cuiabá, onde está sediada, além de Matupá, Peixoto, Novo Mundo, Guarantã do Norte, Nova Canaã do Norte, Colíder, Nova Guarita e Nova Santa Helena, nos quais já foram realizadas cinco etapas, com 74 produtores inseridos no programa.

O resultado, até o momento, totaliza 282 prenhezes confirmadas por transferência de embriões, com parte das bezerras já nascidas, além de mais de 600 doses de sêmen distribuídas com o protocolo IATF (inseminação artificial por tempo fixo).

“Além de ajudar o produtor a ter animais de melhor qualidade, nos preocupamos com a sanidade. Por isso, só podem aderir propriedades nas quais os animais estejam comprovadamente saudáveis”, comenta o médico veterinário da cooperativa, Jeferson Cristian Machado.

Jeferson Machado: “No começo foi difícil sensibilizar os produtores, pois eles tinham medo de arriscar, mas hoje os que toparam participar estão empolgados”

No caso, o associado pode participar das três modalidades apresentadas pelo programa: receber o sêmen; a transferência de embriões e, agora também, adquirir as novilhas prenhes, que em breve estarão disponíveis. Nesta última hipótese, a cooperativa ainda não definiu a forma como será a contrapartida a ser exigida do produtor, que, conforme a regra, deve adquirir uma novilha para cada uma doada pelo Estado. “Ainda não sabemos como será. Uma das hipóteses pode ser o parcelamento do valor, outra na ajuda na busca de animais com preços acessíveis e o suporte técnico necessário.”

Segundo Machado, o perfil dos produtores atendidos pelo programa na região não foge à regra dos demais. Em geral, são produtores familiares, na maioria com produção inferior a 50 litros de leite/dia, com pouca estrutura e animais de baixa produtividade.

Por isso, o impacto esperado é “um salto muito grande na produtividade”, considerando que as tecnologias transferidas são da mais alta qualidade e, por serem relativamente caras, se tornariam praticamente inacessíveis, não fosse o programa. “No começo foi difícil sensibilizar os produtores, pois eles tinham medo de arriscar, mas hoje os que toparam participar estão empolgados. Eles sabem que estão trazendo um animal de alta genética para a propriedade, com resultados previsíveis positivamente”, diz Machado.

Tudo depende, no entanto, segundo ele, de como esses animais serão manejados, razão que levou a cooperativa, que normalmente já oferece suporte técnico, a aumentar sua atenção ao produtor. “Com tudo isso, nossa expectativa é de que esses animais produzam acima de 25 litros/dia quando estiverem em lactação, daqui a dois ou três anos. Isso é uma força muito grande para o nosso produtor”, garante o médico veterinário.

Adailton Matos de Oliveira já planeja avançar mais: adotar o pastejo rotacionado e também gerar a própria energia, no Sítio Três Irmãos, em Aripuanã, com placas fotovoltaicas

Impulso na produção – O produtor Adailton Matos de Oliveira, que é presidente da Associação de Produtores Rurais do Baixão da Oliveira, no município de Aripuanã, no norte de Mato Grosso, também participa do programa MT Produtivo Leite. A associação reúne 74 produtores, com rebanho formado, na sua maioria, por vacas com baixa genética. Toda a produção, de cerca de 120 mil litros/mês, é vendida para a Casteleite, indústria localizada a cerca de 200 quilômetros de distância.

No Sítio Três Irmãos, onde começou, em 2008, ele tem oito vacas, entre Girolandas e Holandesas, com produção de 100 litros/dia. “É uma batalha antiga”, conta. A propriedade tem 300 hectares e Oliveira está preparando para introduzir o sistema de pastejo rotacionado, inicialmente com um módulo de 28 piquetes. A assistência técnica e o calcário são fornecidos pelo programa. Com isso e com as novilhas paridas, espera chegar a 18 litros de média por dia.

Ele também planeja investir em geração própria de energia, com placas fotovoltaicas para evitar os problemas que sempre enfrenta com o fornecimento da concessionária local. Por causa disso e dos problemas de manutenção de mais de 4.800 km de estradas na região, já houve períodos em que a coleta do leite teve que ser suspensa até por oito dias, resultando na perda de cerca de 10 mil litros de leite.

Além dele, dois outros membros da associação estão no programa, ambos com média de 4,5 litros/animal/dia, mas “bastante animados”. Até agora já nasceram 27 bezerras e outras 65 devem nascer até 2023.

Oliveira acredita que, pelas características das propriedades envolvidas, até então sem nenhuma tecnologia de melhoramento genético, o impacto do MT Produtivo Leite na região deverá ser “muito grande”, diante do incentivo recebido. “O importante é ter a oportunidade de melhorar o rebanho e ganhar impulso na produção”, define.

Para garantir que seus associados tenham acesso também às novilhas prenhes que em breve a Seaf vai oferecer, a associação já firmou convênio com três bancos da cidade para financiar a contrapartida aos produtores. Além disso, a entidade também foi beneficiada com um caminhão isotérmico, além de tratores e máquinas para serem colocados à disposição dos produtores locais.

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