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Dieta especial para vacas no periparto é a primeira providência que o produtor deve tomar para evitar problemas com o rebanho

PERÍODO DE TRANSIÇÃO

Mulheres na pecuária leiteira

mostram o quanto podem ir longe

Presença cada vez maior na pecuária, dando um toque especial que faz da produção leiteira uma atividade ainda mais nobre. Às mulheres, nossas colaboradoras e leitoras, a homenagem da equipe Balde Branco

João Antônio dos Santos

Dia 8 de março. Uma data que merece todas as comemorações, pois é o Dia Internacional da Mulher. A Balde Branco escolheu, entre muitos e muitos exemplos de mulheres aguerridas e de sucesso na cadeia produtiva do leite, quatro profissionais – da produção, da pesquisa (Lenira F. Zadra, na Entrevista, p. 12), do ensino e de consultoria – que, por suas trajetórias edificantes, sintetizam aquilo que podemos caracterizar como o perfil das ações da mulher envolvida com a atividade.

Empreendedora do queijo artesanal

Marly Leite: “Hoje, como meus filhos já assumiram também a fabricação, completamos cinco gerações de produtores de queijos artesanais.”

No quesito empreendedorismo não há empecilhos que as mulheres não consigam superar, como há exemplos e exemplos daquelas que foram à luta e se destacaram pelo sucesso obtido. Dentre muitos casos, vamos falar de Marly Leite, que está à frente da empresa Queijos Artesanais Senzala, que correm o mundo depois de vencerem o concurso Mondial du Fromage 2017, em Tours/França, conquistando as Medalhas Ouro e Superouro.

Com curso superior em enfermagem, Marly não exerceu a profissão, optando pela produção de leite e fabricação de queijo, na qual trabalha desde os 17 anos de idade, seguindo a atividade da família.

Ela conta que todo esse amor pelo que faz começou lá atrás, no tempo em que seus avós chegaram a Sacramento (MG), região baixa da Serra da Canastra, em 1954, vindos de São Roque de Minas. Eles sempre produziram queijo mineiro. Suas lembranças a levam aos 7 anos de idade, quando passou uns tempos com a avó e a acompanhava na lida da queijaria. “Posso dizer que desde então fabrico queijos”, conta.

“Naquela época, a queijaria ficava numa antiga senzala, onde os queijos ficavam curando. Dava aquele mofo branco neles, aí minha avó pedia pra passar sal e lavá-los. Lavávamos o que o queijo tinha de melhor!”, recorda-se.

A produção de queijos continuou com seus pais. E, quando Marly se casou, em 1992, ela e o marido se mantiveram na atividade. “Hoje, como meus filhos já assumiram também a fabricação, completamos cinco gerações de produtores de queijos artesanais aqui em Sacramento, região de Caxambu.”

O negócio da família começou a tomar um novo rumo quando ela percebeu que poderia agregar maior valor ainda a seus queijos e torná-los produtos diferenciados por meio da maturação. “Aí, para me aprofundar nessa técnica, fiz um curso pela SerTãoBras. Deu super certo e comecei a entrar num universo novo e de ricas possibilidades para criar queijos especiais e únicos. Produzimos nossos queijos com sete tipos de maturação, num mesmo processo de fabricação”, conta, acrescentando que também fez especialização nessa área, na França, e está apta a ministrar cursos para repassar suas técnicas de fabricação e maturação.

Hoje, Marly produz leite de vaca na Fazenda Caxambu (em Sacramento), onde fica a queijaria, e leite de búfala na Fazenda Búfala, em Frutal (MG). Há um ano fabrica queijos de búfala, um novo empreendimento. “Trata-se de queijo artesanal de leite cru de búfala, com o mesmo processo do queijo Senzala, tanto na fabricação quanto na maturação, e o diferencial é que o leite de búfala é A2A2. Essa fazenda de búfala é arrendada, assim como as búfalas e a queijaria.”

Como a qualidade do leite é de extrema importância, já participa do negócio sua filha, que é zootecnista e cuida de todo o processo de sanidade do animal e alimentação balanceada, e também das búfalas. Todo o processo de produção de leite nas fazendas é o mais natural possível, assinala a empresária.

“Começamos lá atrás, com meus avós, a agregar maior valor ao leite com a produção de queijos; nas gerações seguintes, vimos aprimorando e, com o cuidado maior na maturação, agregamos mais valor aos próprios queijos. Para nossa família, produzir leite e queijos sempre foi bom, e agora está ótimo!”, comenta, informando que está desenvolvendo novos projetos para incrementar o negócio que, pela primeira vez, está utilizando mão de obra não familiar.

“Tendo chegado até aqui, juntamente com minha família, me sinto com o papel cumprido, depois de muito trabalho e dedicação. Acredito que, com humildade, posso servir de exemplo para outras mulheres irem em busca de seus sonhos, pois, com trabalho, dedicação e perseverança, é possível torná-los realidade.”

As mulheres se destacam também no ensino do agro


Na área do ensino ligado ao agronegócio, entre universidades e outras instituições de ensino, a presença da mulher como docente é crescente. Exemplos inspiradores não faltam, de renomadas professoras nas áreas de Medicina Veterinária, Zootecnia, Agronomia, Economia Rural, Ecologia e Meio Ambiente. E, na área específica de pecuária de leite, muitas dessas professoras já foram entrevistadas ou tiveram artigos técnicos divulgados na Balde Branco, sobre os mais diversos temas ligados ao setor.

Como homenagem – e que seja extensiva a todas as mulheres que militam no ensino das disciplinas relacionadas à bovinocultura de leite –, trazemos o exemplo da professora Polyana Pizzi Rotta, com doutorado em Nutrição de Ruminantes pela Universidade Federal de Viçosa (MG) e pela Colorado State University. Atualmente, é professora de Nutrição e Produção de Bovinos de Leite da UFV, coordenadora do Programa Família do Leite e chefe da Unidade de Ensino, Pesquisa e Extensão em Gado de Leite da UFV.

Polyana sempre foi fascinada pelas coisas do campo. Seus avós tinham uma propriedade de café e desde criança ela procurava entender o que acontecia ali, mas as plantas lhe despertavam menos interesse do que os animais. “Escolhi zootecnia sem ter certeza de que gostaria ou se seguiria a profissão. Mas conheci um professor na graduação que foi um grande mentor e me introduziu no mundo da ciência, despertando em mim uma grande vontade em ser pesquisadora e professora.”

Nessa trajetória foram muitos anos de estudo, esforço e dedicação. Ela relembra que abriu mão de festas e de estar sempre perto da família. “Apesar de jovem, foram minhas escolhas. O principal desafio foi ter ficado em Minas Gerais e minha família no Paraná”, situação que conseguiu superar, focando em seus objetivos.

Refletindo sobre o papel da mulher nessa atividade, ela não hesita em dar sua opinião: “As mulheres desempenham melhor que os homens de forma geral na atividade leiteira. Como é uma atividade cheia de detalhes, cada processo deve ser cuidadosamente feito e acho que a mulher consegue fazer melhor. Vejo isso com minhas alunas. No total, oriento mais de 100 alunos do Programa Família do Leite, sendo 60% mulheres. O desempenho delas é visivelmente superior, pois são mais atentas, determinadas, atenciosas e isso se reflete em melhores resultados.”

Ela constata ainda que a agropecuária sempre foi dominada por homens, mas cada vez mais se encontram mulheres em papel de destaque. “O empoderamento está presente em todas as atividades e na pecuária leiteira não é diferente. Só não concordo em travar uma ‘batalha’ de sexos. Acredito que tanto homens como mulheres podem trabalhar juntos e em prol da melhoria da atividade leiteira. Defendo o tratamento igualitário, mas isso também deve chegar ao salário das mulheres, que ainda é inferior.”

Em sua visão, a manifestação machista está sim, muitas vezes presente, mas hoje é mais discreta, até mesmo camuflada, num comentário “inocente” ou numa piadinha… Polyana lembra que isso está presente nesses “novos tempos”, com os recursos das redes digitais. “Estamos vivendo uma era em que as pessoas precisam ter mais cuidado com o que dizem porque sabem que as redes sociais têm grande poder e uma frase mal colocada pode prejudicar sua carreira e reputação. “Porém, é claro que o machismo está nas entrelinhas. Particularmente, não me ofendo com isso, pois entendo que estamos num processo de evolução e que é normal algumas pessoas ainda duvidarem do nosso potencial. Quando isso acontece, finjo que não percebi e continuo fazendo meu trabalho. Com trabalho bem feito, você mostra sua competência e em pouco tempo a pessoa machista baixa a guarda.”

Polyana tem constatado, a partir de seu contato direto com várias grandes fazendas e com os alunos que fazem estágios nessas propriedades, que não há preferência por estagiários do sexo masculino ou feminino. “Para falar a verdade, 70% dos estudantes que saem para estágios nessas fazendas são mulheres e nunca houve problema, pelo contrário, apenas elogios”, diz, acrescentando que, para as vagas de emprego, tem observado que as mulheres estão sendo empregadas tão rapidamente quanto os homens. “Há o desafio na questão familiar. Conheço várias mulheres que precisaram interromper sua profissão para se dedicar à família e depois tiveram dificuldade em voltar para o mercado de trabalho. Essa é, sim, uma realidade que com certeza prejudica a nossa carreira”, menciona.

Polyana nota que seu objetivo profissional é melhorar mais ainda o Programa Família do Leite para ajudar não apenas os produtores que atende, mas também os estudantes que querem se profissionalizar na atividade leiteira. “Para os próximos anos, desejo continuar minhas pesquisas científicas para ajudar cada vez mais a bovinocultura de leite no Brasil.”

Consultorias técnicas às fazendas de leite


Alguns anos atrás, encontrar uma mulher – médica veterinária, zootecnista ou engenheira agrônoma – indo de fazenda em fazenda para atender ocorrências ou orientar os produtores era algo muito raro e até inaceitável para alguns, sobretudo os homens. Muitos torciam o nariz ou chegavam a se recusar a receber “ordens” de uma mulher. Felizmente, isso mudou bastante e já começa a fazer parte do passado. Haja vista o grande número de mulheres que estão ligadas a programas de assistência técnica e consultorias às fazendas produtoras de leite.

Um exemplo dessas batalhadoras é Tamires Soares, médica veterinária, mestre em Produção Animal e, atualmente, doutoranda em Saúde Animal. É professora universitária e trabalha na Cia do Leite como responsável pelo atendimento técnico gerencial, e atende diversas fazendas no Alto Paranaíba, mais especificamente em Patrocínio (MG) e região.

Desde a tenra idade sempre demonstrou uma ligação especial com os animais. Tanto que seus pais contam que, aos três anos de idade, ela já falava em ser veterinária. “Sem dúvida, minha principal inspiração foi meu avô Geraldo. Ele era produtor de leite e desde pequena eu passava fins de semana, férias e feriados na fazenda. Lá ele me ensinou a gostar de cuidar da fazenda, a amar as vacas e, principalmente, me estimulou a trabalhar no que trabalho hoje.”

Assim começou sua história no leite, que se tornou profissão, quando se formou em 2011, pela Universidade Federal de Goiás, em Jataí, pois já naquele momento tinha certeza de que queria trabalhar com bovinos de leite. “Sempre soube que meu lugar era no curral e esse foi meu maior desafio na profissão: ser aceita como médica veterinária especializada em grandes animais.” Porém, antes de chegar aí, por um tempo ela aceitou o desafio de trabalhar em vendas técnicas, no início da carreira. “E, sem desviar de meus objetivos, trabalhei e me esforcei muito mais, nos três anos dedicados às vendas.”

Até que, em 2014, foi contratada por uma cooperativa, na região onde nasceu, no Alto Paranaíba, para atuar com assistência técnica de grandes animais. Era sua chance de se aperfeiçoar na prática, tendo a função de atender emergências e cuidar da vacinação dos rebanhos da região. Essa oportunidade mudou sua vida, colocando-a no rumo de seus objetivos.

“Tudo ia bem na minha vida. Porém, três meses depois, sofri um gravíssimo acidente de carro, que me deixou com sérias sequelas motoras que me impediram de trabalhar por dois anos, período em que me dediquei exclusivamente à reabilitação física. Cheguei a pensar que talvez meu destino não fosse trabalhar no campo e que nunca mais seria veterinária de grandes animais”, recorda-se ela que, em 2016, decidiu dar novo rumo à sua vida.

Naquele mesmo ano, resolveu tentar a vida acadêmica. Afinal, seria uma maneira de continuar em contato com o que amava. Em 2017, foi aprovada no mestrado pela Universidade Federal de Uberlândia. “Foi um verdadeiro recomeço, reconquistando minha autoestima. Me via sendo a mesma profissional dedicada de grandes animais, ao mesmo tempo que estabelecia uma série de conexões e de contatos que me levariam aonde estou hoje: doutoranda, professora universitária e médica veterinária especializada em saúde e reprodução bovina.”

Tamires faz questão de assinalar que constata no dia a dia que a mulher está provando sua competência e poder de transformação, seja no meio acadêmico, de pesquisa, seja diretamente no campo como gestora, produtora e consultora técnica. “A cada exemplo que vejo da luta dessas mulheres mais me inspiro e aprendo”, e claro, assinala ela, há ainda muito machismo, velado, disfarçado.

“Porém, aprendi muito cedo como funciona o machismo no meio rural. Quando pequena, sempre ouvia que ‘curral não era lugar de menina’. Alguns anos depois, já na faculdade, ao buscar oportunidades de estágio em fazendas de grandes animais, sempre me diziam que não havia vaga, porque não havia alojamentos para mulheres.” Para ela, é muito promissor ver que as mulheres estão cada vez mais presentes no mercado de trabalho, ganhando destaque, ocupando cargos de chefia e comando. “As mulheres estão se especializando e estão mais preparadas e, neste ponto, eu não acredito que exista trabalho de homem e trabalho de mulher, existe profissional competente e profissional que não sabe trabalhar. Fim da história!”

A mulher na comunicação do agronegócio


Também na área de comunicação, jornalismo impresso, televisionado, cada vez mais está presente o toque da mulher, com sua perspicácia, competência e dedicação, trazendo um novo olhar às questões do setor do agronegócio. Conversamos com Mônica Salomão, jornalista há 12 anos na área do agro, dos quais nove especificamente ligados à pecuária leiteira. Inclusive, já colaborou com a revista Balde Branco.

Ela conta que escolheu o jornalismo por gostar de escrever e pelo desejo de prestar sua contribuição à sociedade por meio desse trabalho. A “especialização” na agropecuária veio com a prática do dia a dia, não foi algo que buscou ou que tivesse como meta. Tudo começou quando trabalhava em assessoria de imprensa, se candidatou e foi contratada para uma vaga de jornalista na Itambé, marca da Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR), em Belo Horizonte.

“Não foi fácil iniciar na atividade, pois requeria um grande esforço trabalhar com um conteúdo técnico-especializado tão complexo. O primeiro desafio foi estudar e ler bastante, muitas vezes sem entender algum conteúdo”, relembra Mônica, que nota ter tido o apoio de toda a equipe técnica que a auxiliava com informações e ajudava a esclarecer suas dúvidas.

Para se aprimorar, fez o curso de Atualização em Pecuária Leiteira, na Embrapa Gado de Leite, em Juiz de Fora (MG), que lhe trouxe a noção do todo que é a cadeia produtiva do leite. “Foi muito desafiador e por várias vezes me questionei, achando que não daria conta, chegando até a pensar em desistir. Mas acabei encarando com toda a garra e estou até hoje no segmento do agro.”

Especificamente na pecuária de leite, ela diz que teve a oportunidade de acompanhar um crescimento muito significativo da mulher nesse setor. “Falo da mulher enquanto produtora, empresária rural, pesquisadora, consultora técnica e docente, nas mais diversas disciplinas relacionadas à bovinocultura de leite. Ela tem conseguido ocupar mais espaço num setor que é muito tradicional, culturalmente falando, em que as atribuições eram predominantemente ocupadas por homens.”

Na atividade agropecuária, veem-se mulheres bem colocadas, ocupando altos cargos, inclusive em empresas fornecedoras de insumos agropecuários e em instituições governamentais, de maneira geral. Ela cita o caso da engenheira agrônoma e empresária rural Tereza Cristina, ministra da Agricultura. Em Minas Gerais, a secretária de Agricultura é Ana Maria Soares Valentini, engenheira florestal, que é a primeira mulher a ocupar o cargo, nos 110 anos de existência da pasta. “As mulheres do agro têm mostrado excelência em seus trabalhos e com muita excelência nas suas entregas.”

No caso da produção de leite, Mônica também destaca que já percebia o desempenho louvável das mulheres que estão na linha de frente, pelas reportagens que produziu. “Os melhores resultados, por exemplo, na qualidade do leite (CBT, CCS), quando a ordenha era administrada por mulheres. Assim como na criação das bezerras, pelos cuidados, dedicação e carinho, que são particularidades da mulher”, reforça.

Pelo lado de sua atividade, comunicação no agronegócio, Mônica observa que há cada vez mais jornalistas em reportagens, direção de revistas especializadas, apresentadoras de programas de televisão, que estão fazendo um trabalho com excelência e competência. “Comecei a trabalhar como jornalista há 12 anos e tenho acompanhado as oportunidades para as mulheres na comunicação ligada ao agronegócio, que se ampliaram bastante. Mulheres atuando em assessorias de imprensa, na promoção de eventos e, com a pandemia, na produção de eventos virtuais, para levar informações ao setor. Do que eu via, quando iniciei, e do que vejo hoje, a mulher avançou muito em ocupar seu merecido espaço. Não tem nem comparação.”

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