Médica veterinária, formada em 2008, Helena Frota tem atuado na produção de leite desde jovem. Quando ainda cursava a faculdade, começou a ajudar seu pai, produtor de leite e de café na Fazenda Baixadão, em Carmo da Cachoeira (MG). Em 2008, tornou-se a veterinária responsável pela fazenda, quando iniciava seu curso de pós-graduação. Também começou a prestar consultoria a produtores pelo Projeto Balde Cheio, na região de Varginha, quando conheceu uma realidade de produção leiteira bem diferente da fazenda de sua família. Para ela, esse foi um grande aprendizado e um choque de realidade.
Helena Frota – Uma vez que sempre gostei muito da minha profissão de veterinária, eu sabia que, se entrasse na fazenda, viraria mais pecuarista do que técnica. Ainda havia naquela época uma grande questão, mas hoje não faz nenhuma diferença, que a fazenda não era minha. Somos três irmãs, meus pais são os proprietários, e a gente vive da atividade da cafeicultura e da pecuária. E por isso eu precisava saber qual seria o futuro da propriedade. Esta questão me levou a atuar como técnica na região, o que foi muito benéfico para mim, pois me propiciou um crescimento enorme, como profissional, bem como para desempenhar um papel mais amadurecido na própria fazenda. Não apenas como filha de um produtor, mas como técnica que possui experiência fora, aprendendo com a vivência e histórias de outras pessoas para conseguir entender o meu papel dentro da fazenda.
HF – Quando comecei a trabalhar com meu pai, em 2007, produzíamos cerca de 1.000 litros de leite por dia. Quando passamos a produzir 1.500 litros/dia, como estudava fora, vinha semanalmente, e, quando atingimos a produção de 3 mil litros/dia, meu pai me disse: “Filha, esse sonho é seu, não é meu, pode tratar de morar aqui na fazenda”. Agora trabalho por volta de três dias aqui e deixo dois da semana para prestar consultoria fora. Vale destacar que todas as três irmãs trabalham na propriedade, porque participamos de um processo de sucessão, entendemos o papel de cada uma, projetamos a fazenda no futuro e com as irmãs lá dentro. Elas cuidam da cafeicultura e eu da bovinocultura.
HF – Sempre acreditei muito na atividade e enxerguei a propriedade rural como empresa. Desde o início, procurei fazer uma gestão eficiente, identificando os pontos fracos e fortes, para em bases profissionais incrementar a atividade, não só em escala de produção, mas em produtividade, eficiência e qualidade. Nossa fazenda possui 146 hectares, não é uma propriedade grande, e está dividida em 46 hectares para a produção de café, e 40 hectares de plantio de milho para produção de silagem para alimento do gado. Em vista dessa realidade, eu precisava deixar a fazenda mais eficiente, sobretudo porque somos em três produtoras. Portanto, a minha atitude lá dentro, bem como nas fazendas para as quais presto consultoria, sempre foi de gestora. Não basta ser técnico e conhecer os números de reprodução, nutrição, sanidade, se você não souber gerir tais dados.
HF – Sim, claro, mas sempre há problemas que nos levam a novos desafios. Por isso, procuro sempre ter as informações necessárias e tomar decisões a partir de sua análise. Isso me trouxe maturidade, com o meu crescimento profissional dentro e fora da fazenda, principalmente quando comecei a gerenciar com base nos números e nas informações, adicionando em um software os indicadores para conseguir tocar a atividade e trazer resultados benéficos aos produtores. E assim comecei a enxergar melhor nossa fazenda. Precisava, por exemplo, transformar os 40 hectares de milho para silagem em algo em torno de 4 mil a 5 mil litros de leite/dia. Para atingir essa meta, fiz um desenho do sistema, gerando indicadores reprodutivos, nutricionais e financeiros, a fim de obter uma excelência em produtividade, que hoje está em 41 mil litros/ha/ano. Atualmente, produzimos a média de 4.500 litros de leite por dia e 2 mil sacas de café/ano.
HF – Quando comecei trabalhar na fazenda, o sistema era de semiconfinamento e os animais ficavam em piquetes. Como o rebanho era de animais Holandeses puros, só conseguiríamos explorar todo o seu potencial de produção em sistema de confinamento. Então, busquei tecnologias para dar mais conforto para as vacas, não apenas pensando em bem-estar animal, condições climáticas, mas principalmente na questão de manejo do rebanho. Ou seja, à medida que aumentamos o número de animais, ocorrem mais dificuldades, por exemplo vaca com problema de casco não era somente uma, mas logo várias. O mesmo ocorreu com casos de mastite no rebanho. Também a observação do cio ficava cada vez mais difícil, o que prejudicava a reprodução. Esses entraves de manejo me fizeram optar pelo sistema de compost barn. Ou seja, aderi a essa tecnologia principalmente para melhorar as condições reprodutivas da fazenda e corrigir os problemas sanitários no rebanho. Esse foi um grande salto em tecnologia na atividade leiteira dentro da propriedade, claro, sem esquecer o bem-estar que traz para os animais. Vale notar ainda que esse sistema propiciou a união das duas atividades, já que utilizamos a palha de café na cama do compost e depois retornamos esse material compostado de ótima qualidade para as lavouras de café e milho.
A atividade leiteira é muito complexa e qualquer falha
pode se refletir negativamente, às vezes quase de imediato,
no resultado do sistema como um todo”
HF – Passei a utilizar as técnicas de protocolos reprodutivos, com muita consciência, avaliando os números, e o retorno que elas nos dão. O produtor não pode queimar a tecnologia, aplicando-a de forma barata, copiando do produtor vizinho, não chamando um técnico, tampouco avaliando se ela está trazendo retorno. É preciso ser criterioso no uso de novas tecnologias de reprodução. Aplicá-las no rebanho é um grande desafio para aumentar a minha taxa de prenhez. Avalio todos os indicadores cuidadosamente, alterando protocolos de acordo com a realidade da fazenda para conseguir resultados positivos, que são as altas taxas de prenhez. Esses mesmos critérios utilizo na criação das bezerras, com excelentes resultados.
HF – Além dessa parte tecnológica, dentro do rebanho temos uma grande preocupação em produzir segundo os critérios da sustentabilidade. No quesito ambiental, investimos em um sistema de geração de energia fotovoltaica. Não adianta a gente só se preocupar em produzir, produzir, produzir, sem ter preocupação com o meio ambiente. Essa é uma consciência que temos trabalhado muito, orientando nossos colaboradores, já que é fundamental para que o ambiente nos dê o retorno de que precisamos. Aí a energia fotovoltaica vem ao encontro disso, gerando energia tanto para a produção de leite, como para a cafeicultura. E o resultado tem sido superpositivo.
HF – Ser mulher com atuação nessa área não é simples, pois estamos envolvidas num ambiente sempre muito machista. Porém, tive a grata satisfação de trabalhar com pessoas excepcionais, principalmente no início de minha carreira. Essas pessoas me deram muita abertura para eu me mostrar como profissional. Não posso negar que já sofri preconceito, mas acontece sempre de forma velada, indireta. Vivi situações em que algumas pessoas tentaram me deixar constrangida, mas tirei de letra. Nós, mulheres, não precisamos de força em nosso trabalho no campo, o que precisamos é ter conhecimentos, mostrar para as pessoas aonde querem chegar, como vão chegar e orientá-las sobre o caminho certo para alcançarem seus objetivos.
HF – Comecei a trabalhar com consultoria na região de Varginha (MG), como técnica do Projeto Balde Cheio. Tinha experiência, em nossa fazenda, com rebanho Holandês e alta tecnologia, e direcionava meu aprimoramento técnico para esse perfil de propriedade leiteira. Ao atuar no Balde Cheio, sofri um choque de realidade e demorei a entender que o gado no Brasil ainda passava fome e que parte do aprendi não seria aplicada na realidade da maioria das propriedades ligadas ao programa. A realidade dessas propriedades era, muitas vezes, precária. Não dispunham de tecnologias, nem mesmo ofereciam uma dieta adequada e bem- estar aos animais. Foi um aprendizado muito rico e ainda é, pois estou aberta a aprender sempre, e com a Sicoob/Credivar, de Varginha, continuamos nesse trabalho, contribuindo para a melhoria de muitos produtores na atividade. E a grande lição que aprendi é que o porte da propriedade e suas condições não são empecilhos para a evolução da atividade, pois o produtor, querendo, consegue elevar a produtividade e a qualidade do leite e melhorar sua renda.
HF – Não vejo a possibilidade de uma propriedade rural, principalmente leiteira, sem consultoria. A atividade leiteira é muito complexa e qualquer falha se reflete negativamente, às vezes quase que de imediato, no resultado do sistema como um todo. Vamos pensar no caso da bezerrinha desde o momento do parto, todos os cuidados necessários até ela se tornar uma vaca adulta saudável e produtiva, capaz de gerar frutos para a fazenda, que são o leite e os bezerros. Tudo isso é muito complexo e só com consultoria o produtor poderá fazer a gestão técnica e financeira com eficiência de todas as etapas desse todo, para resultar numa matéria- prima de qualidade e que propicie rentabilidade. Eu mesma, sozinha, lá na nossa fazenda, apanhei muito, muitas vezes tive de errar para aprender. E quando o produtor busca uma consultoria séria, ele não precisa mais errar para aprender.
HF – O gargalo maior é desacreditar. A pessoa está na atividade e não acredita nela. Isso é uma atitude com a qual me deparo muitas vezes. O produtor diz que fazia assim ou assado porque sempre foi assim desde seu avô, de seu pai e acha que não vale a pena mudar. Ele está acomodado nesse círculo do “sempre foi assim” e não quer sair. Sequer percebe que tudo mudou – e muito – na pecuária leiteira e no mercado. Não é mais aceitável fazer como se fazia antes. Já conheci propriedade que está na terceira geração de sucessão e o produtor me diz que segue o mesmo caminho que seu avô seguia. É incapaz de enxergar que são outros tempos, novas tecnologias que tornam viáveis os avanços e melhorias na fazenda, para usufruir do quanto é boa a atividade. Essa atividade é complexa e muito trabalhosa, por isso não pode ser uma coisa para não se ganhar dinheiro. É uma coisa para querer, sim, ganhar dinheiro, porque o produtor trabalha muito todos os dias do ano.
HF – A sucessão no campo é algo muito importante. Ela precisa ser muito bem desenhada, as propriedades têm de ser bem estruturadas, pois são patrimônios de alto valor e muitos produtores só põem dinheiro, sem retorno. É preciso tornar esse patrimônio rentável, uma verdadeira empresa bem gerida, com produtividade e qualidade de produto, de forma que estimule seu filho ou filha a dar continuidade a esse bom negócio. Em nosso caso, na Fazenda Baixadão, eu cuido da área do leite e minhas duas irmãs da produção de café. Se me permite, gostaria de falar do nosso caso. Estamos produzindo alimento de qualidade para o mundo de forma consciente, sustentável e limpa. Recebemos gente do mundo todo para conhecer nossa produção de café, já que exportamos café especial. Na fazenda, nossa equipe de colaboradores são profissionais que trabalham satisfeitos, envolvidos em nosso negócio, porque são eles que fazem nosso retorno. Sem eles, não seríamos o que somos como produtoras rurais. Então, tem de estar bom para todos. Nós todos queremos fazer do nosso trabalho uma referência na produção de leite e de café, queremos ter esse orgulho como produtoras rurais.
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