Veridiana L. Daley (Souza) colaborou na produção de alguns capítulos do Nasem 2021. Possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal do Paraná e mestrado em Ciências Veterinárias pela mesma universidade. É doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (Esalq – USP), na área de modelagem das exigências nutricionais de vacas e bezerras leiteiras. Coautora do RLM Leite da Esalq-USP. Doutorado sanduíche no Departamento de Animal Science da University of Illinois at Urbana na área de modelagem do crescimento de bezerras leiteiras na fase de aleitamento pela Fapesp. Trabalha, desde 2019, no Centro de Pesquisa em Nutrição Animal da Purina, no Missouri (EUA).
João Antônio dos Santos
Veridiana Daley – Com essa revisão do NRC, que passa agora a ter a sigla Nasem, tem havido muita procura de especialistas, nutricionistas e produtores ligados à bovinocultura de leite, do mundo todo, sobre o que há de novo com essa reformulação. O NRC tem sido, há muitos anos, referência no Brasil para a formulação de dieta para vacas leiteiras, assim como a versão para orientar no fornecimento de nutrientes e exigências nutricionais de bezerras. Durante meu doutorado na Esalq-USP, avaliei o modelo de ingestão das vacas pelo NRC e também o modelo das bezerras, para estimar o ganho de peso delas. Então, o que é o NRC? Basicamente é um padrão, uma referência internacional em termos de exigências nutricionais e fornecimento de nutrientes pela dieta, no nosso caso, para vacas leiteiras. Vale notar que há o padrão específico para as diferentes espécies, aves, suínos, etc. Desde dezembro último, está disponível para o público a nova versão, que ganhou a denominação Nasem (National Academies of Sciences, Engenering and Medicine), da qual o NRC se tornou um comitê, o Nutrient Requeriments Council, tendo a seção “of dairy cattle”.
VD – Bem, fiz pós-doutorado em Modelagem no National Animal Nutrition Program (NANP, https://animalnutrition.org/), University of Kentucky and Virginia Tech. Desde 2019, trabalho como pesquisadora na área de vacas adultas e modelagem no Centro de Pesquisas em Nutrição Animal da Purina no Missouri, nos Estados Unidos. Participo do Multistate Research Project – NC2040 Relações metabólicas no fornecimento de nutrientes para vacas em lactação nos Estados Unidos desde 2021. Colaborei no desenvolvimento e na avaliação de modelos para o 2021 Nutrient Requirements of Dairy Cattle, Eighth Revised Edition através do National Animal Nutrition Programa, Estados Unidos. Minha contribuição se deu nos capítulos de gordura (digestibilidade), proteína (kp e banco de dados), bezerros (concentrado inicial e outros), análises de alimentos (ácidos graxos de forragem), e modelagem (gordura do leite, avaliação de modelos, e equações no R), entre outras atividades.
VD – O primeiro NRC foi lançado em 1944, originariamente para aves e suínos, depois para vacas leiteiras (em 1945). A última versão revisada é de 2001 e, agora, 20 anos depois, sai o Nasem, totalmente atualizado, trazendo uma gama enorme de dados levantados nessas duas últimas décadas. Essa atualização vai ajudar muito o produtor de leite, assim como os técnicos nutricionistas, na formulação da dieta, na composição dos nutrientes, o que permite estimar mais acuradamente a produção de leite quanto à produtividade, assim como na parte de bezerras e novilhas para estimar o ganho de peso. Sabe-se que a genética das plantas usadas na alimentação dos bovinos mudou muito nesses 20 anos. Isso significa que contamos com uma nova biblioteca sobre esses alimentos, que nos permite estimar melhor o quesito fornecimento de nutrientes da dieta.
VD – Sim, há muitos anos tem sido o padrão na formulação de dietas, sendo a base de muitos softwares que os nutricionistas usam para rebanhos leiteiros, nos mais diferentes sistemas de produção e situações peculiares de cada propriedade. Cito, por exemplo, o LRM-Leite, que é da Esalq-USP, que tem o NRC incorporado, o qual foi tropicalizado. É um software muito prático para ser aplicado na fazenda. O que os nutricionistas devem esperar é muita informação nova, a partir de dados e pesquisas recentes, que vai gerar dietas melhores e mais precisas para os animais. Já o que o produtor pode esperar é melhor estimativa da produção de leite. Assim, o Nasem atende a três instâncias da área da pecuária leiteira: a da nutrição, que permite ao nutricionista formular e melhorar a dieta; produção, que visa obter os melhores resultados tanto na produção de leite, quanto no ganho de peso das bezerras, e a ciência, já que as universidades e centros de pesquisas brasileiros contam, agora, com novas informações, o que vai abrir novos campos de pesquisas.
VD – Vim para os EUA trabalhar no National Animal Nutrition Program, participando do desenvolvimento de modelos e várias equações desse novo padrão. Ele tem vários capítulos e um dos quais destaco é o que trata da ingestão de alimentos pelas vacas leiteiras. Ou seja, quanto essa vaca vai comer e, no Nasem, há duas equações para estimar o consumo, o que é uma atualização do anterior (de 2001), em que havia uma única equação para estimar o consumo do animal. Temos agora duas equações para formular a dieta da vaca. A primeira equação é baseada nas características do animal, enquanto a segunda considera a dieta dele – por exemplo, o quanto de fibra (mais específico, fibra em detergente neutro da forragem) ele está comendo.
VD – Quanto às bezerras, pela primeira vez tem-se equação para estimar o consumo de concentrado inicial, na fase de aleitamento. E essa equação é interessante pelo fato de que foram utilizados dados de diferentes universidades, sendo que uma delas é a Esalq-USP, com a professora Carla Bittar, o que é uma honra para nós. São dados relacionados à criação de bezerras em clima tropical. Esse é um ponto muito relevante, pois temos duas equações para bezerras, uma para as criadas em clima tropical e outra para clima temperado. E também há equação para estimar o consumo nutricional das novilhas. O nutricionista, ao utilizar tais equações, terá uma estimativa mais acurada sobre quanto o animal vai comer. Isso é importante também porque o produtor vai poder calcular, com mais precisão, o quanto de comida precisará para suprir as necessidades de alimentos para o rebanho.
VD – Sim, e é um ponto muito importante, no qual trabalhei no desenvolvimento de um modelo/equação para estimar ácidos graxos de forragem. de ingestão de gordura. No NRC 2001, falava-se de extrato etéreo, que é a gordura total. Agora, no Nasem 2021, fala-se de ácidos graxos. Esse novo modelo vai estimar o quanto o animal ingere de ácidos graxos e qual a digestão, dependendo da fonte de gordura. Então, melhorou muito a predição de digestão de ácidos graxos baseado na fonte de gordura que essa vaca vai comer, pois há diferentes coeficientes, de acordo com o suplemento fornecido. Isso significa uma boa oportunidade para a indústria, já que sabemos que os suplementos têm diferentes digestibilidades. Se, por exemplo, utilizar um suplemento de maior digestibilidade, consequentemente haverá maior fornecimento de energia para o animal. Esse é um capítulo muito rico em informações, pois conta com a revisão de ampla literatura sobre os ácidos graxos, explicando as atualizações dos últimos anos. E também a discussão sobre o perfil dos ácidos graxos no leite.
Para os nutricionistas há muita informação nova, a partir de dados e pesquisas recentes, que vai gerar dietas melhores e mais precisas para os animais. Já o produtor terá melhor estimativa da produção de leite”
VD – O Nasem traz um capítulo de modelagem que vai estimar a produção de gordura no leite. Essa equação é muito importante e tive a honra de trabalhar com o comitê para desenvolver e avaliar essa equação. E também é a primeira vez que esse tema é abordado. Há, ainda, a equação para estimar a produção de proteína no leite. Essas duas equações vão auxiliar muito os produtores para saber o quanto vão precisar modificar a dieta e o quanto isso vai influenciar no teor de gordura e proteína no leite. Enfim, é mais um indicador fundamental para a formulação de dietas das vacas leiteiras, sobretudo numa época em que se discute o pagamento por sólidos do leite. Por exemplo, se a proteína no leite de uma fazenda está baixa, o produtor poderá contar com mais essa ferramenta para estimar a proteína, baseado no quanto o animal vai comer e nos ingredientes da dieta. A mesma coisa vale para a gordura, com a respectiva equação específica. Vale lembrar que o modelo para proteína acaba sendo mais acurado, pelo fato de que a gordura tem sempre maior variação. Daí ser importante o nutricionista estar sempre com o olho na vaca, ao formular a dieta.
VD – Sim, no Nasem 2021 mudou totalmente. No NRC 2001, falava-se em formular a dieta considerando a proporção de alguns aminoácidos, como lisina e metionina, para mexer nos dois e aumentar a proteína do leite. No Nasem, parte-se do princípio de que não existe mais um aminoácido limitante, mas sim um conjunto de aminoácidos que são necessários para produzir a proteína do leite. Ou seja, fala-se então em formular considerando-se cinco aminoácidos que entraram na equação para estimar a proteína. Antes se formulava mais para a proteína metabolizável e agora se formula a partir do sistema de proteína líquida (net protein) e da eficiência de uso de cada aminoácido. Esse conceito de eficiência é novo, com base nas pesquisas dos últimos dez, quinze anos, e mostra que, para aumentar a proteína do leite, não são um ou dois aminoácidos que deve(m) ser suplementado(s), mas se deve formular para outros aminoácidos considerando a dieta basal, fontes protegidas de AAs, e custos da dieta. Dependendo da dieta, a indicação é que deve(m) ser suplementados, até cinco aminoácidos que entraram na equação e que são fundamentais para a síntese da proteína do leite. Enfim, esse capítulo relativo à proteína tem muitos dados do metabolismo dos aminoácidos.
VD – Com certeza. E mais ainda: o produtor deve ficar atento se o nutricionista está atualizado com os dados das novas pesquisas. Por que isso é fundamental? Porque a evolução genética dos animais avançou muito nos últimos 20 anos, as exigências de energia deles aumentaram muito em comparação com as exigências nutricionais anteriores. Isso significa que os modelos nutricionais devem se atualizar para atender à formulação da dieta adequada à demanda dos animais, para que eles possam expressar todo seu potencial produtivo. Qual o problema se o nutricionista estiver utilizando um modelo que não foi atualizado nos últimos 15 anos, por exemplo? É que essa dieta não será tão acurada e não se conseguirá aumentar a eficiência alimentar do animal na fazenda, pois provavelmente a dieta não está atendendo às exigências atuais que o animal tem. E, ao manter uma baixa (ou não maximizar) eficiência alimentar do animal, significa que o produtor está pagando mais para produzir similar ou menor quantidade de leite e componentes, reduzindo sua lucratividade. Se utilizar o modelo atual terá mais chance de conseguir maior eficiência e produtividade do animal e melhorar sua margem de lucro, mas sempre manter o olho nas vacas e no manejo da fazenda.
VD – Há dois pontos ainda na formulação da dieta que gostaria de destacar também. Um é quando se está fornecendo muita proteína aos animais, por exemplo, achando que assim vai melhorar seu desempenho produtivo. Só que a vaca não tem exigência por proteína, mas sim por aminoácidos. E, se se fornece muito, o custo da dieta se eleva significativamente e toda essa proteína está sendo descartada na urina e nas fezes. Então, ele gasta muito com esse nutriente para transformá-lo em fezes e urina. E há também a questão ambiental, que está muito exigente. Por isso, o Nasem 2021 traz um capítulo específico sobre a questão ambiental, tendo equações para estimar a quantidade de nitrogênio, fósforo, potássio, entre outros, que são excretados pelos animais no meio ambiente. Aqui nos EUA há vários regulamentos para essa questão nas fazendas. E é algo que também no Brasil já começa acontecer. Resumindo: é preciso fornecer a quantidade exata de nutrientes que o animal precisa, nem mais nem menos.
VD – O capítulo sobre bezerras, sob a responsabilidade do professor James Drekleley, da Universidade de Illinois, traz várias novidades importantes. Ele é um renomado especialista no assunto e foi meu primeiro professor aqui nos EUA e com quem trabalhei em 2014 e durante o desenvolvimento do Nasem. Essa parte de bezerros mudou muito. Vale dizer que a NRC 2001 usava dados que não eram de bezerras, mas de novilhos criados para produção de vitelos alimentados somente com leite. Portanto, não atendia às exigências diferentes da bezerra leiteira, que tem sua especificidade e atual genética, e acrescente-se a isso que já há alguns anos se dispõem de sucedâneos do leite, com diversas formulações. Assim, o Nasem 2021 traz todas as exigências baseadas em bezerras, com as equações que foram desenvolvidos e avaliadas com dados de diferentes universidades. Isso vai melhorar muito a nutrição e predição do desempenho (ganho de peso) das bezerras.
VD – Com relação a essa questão, a equação de concentrado para bezerras pela primeira vez está disponível no Nasem 2021. O consumo de concentrado inicial nos primeiros dias do animal é muito baixo, pois, quando a bezerra nasce, o produtor fornece o colostro, depois disso vai começando a consumir um pouquinho até a terceira semana de vida. A partir desse período, o consumo de concentrado aumenta exponencialmente. Quando fizemos a modelagem, a correlacionamos com a quantidade de energia metabolizável oriunda do leite ou do sucedâneo do leite. Então, há vários fatores que afetam o consumo de concentrado inicial das bezerras. Por isso, quanto antes fornecer a ração, maior quantidade o animal vai consumir antecipadamente. Há fazendas que começam a oferecer só depois da quarta semana de vida, dependendo do manejo. O que temos visto é que, se fornecer antes, já na primeira semana de vida da bezerra, ela vai aumentar o consumo muito mais rápido. Comparei alguns dados de diferentes universidades e centros de pesquisas sobre o fornecimento de concentrado para bezerras, e a conclusão mostra que é melhor disponibilizar o quanto antes o concentrado inicial. O segundo aspecto refere-se à composição do sucedâneo ou do leite, alimento que fornece maior energia graças à gordura e à proteína, sendo a quantidade muito importante. Lembre-se que antigamente eram fornecidos cerca de 4 litros de leite, no manejo tradicional, e a gente via que essas bezerras estavam, na verdade, passando fome. Hoje, sabemos que 4 litros não são suficientes para suprir as exigências desses animais. Com isso, a quantidade de energia que é fornecida pelo sucedâneo ou pelo leite vai afetar o consumo do concentrado também. Então, essa nova equação é baseada na energia do sucedâneo ou do leite, que corresponde à quantidade de proteína e de gordura contida nesse alimento. Vale lembrar que essa equação funciona com maior acurácia depois da terceira semana de vida da bezerra, porque nas primeiras semanas a variação era tão grande, que modelar tais dados é bem difícil.
VD – Sim. Quanto à questão ambiental, fizemos duas equações: uma para o clima temperado e outra para o clima tropical. O animal que está sob estresse calórico, naturalmente, vai comer menos concentrado inicial, em comparação com uma bezerra criada num clima sem estresse calórico. Quando o animal fica doente, também vai parar de comer concentrado e optar por uma dieta líquida, então há toda a parte de saúde do animal que afeta o consumo de concentrado. Isso não está na equação, contudo é discutido no capítulo. Nesse material há várias discussões sobre os fatores que afetam o consumo de concentrado inicial para essas bezerras. Além disso, destacamos também discussões a respeito do sucedâneo e da suplementação com aminoácidos e seus impactos no crescimento dos animais ou não. Isso é muito importante porque só agora que estamos trazendo esses aminoácidos para o mundo das bezerras também, porque, no NRC 2001, dava-se mais ênfase para as vacas. Porém, nos últimos 20 anos, houve também muitas pesquisas com bezerras elaboradas no Brasil, por exemplo, pelas professoras Carla Bittar, Sandra Gesteira Coelho e outros, além de empresas privadas. Essas novidades contribuíram para deixar o Nasem 2021 mais acurado, principalmente para as bezerras durante o aleitamento.
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