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São muitos os detalhes para enquadrar o sistema de produção leiteira no selo Carbon Free

SUSTENTABILIDADE

No Carbon

Um leite com sabor de futuro

Seguindo as normas do leite “No Carbon”, a Guaraci Agropastoril firmou parceria com a Fazenda da Toca para produzir diversos alimentos que atendem às normas da agropecuária orgânica, do bem-estar animal e com baixo carbono

João Antônio dos Santos

O leite No Carbon, lançado recentemente pela Guaraci Agropastoril, é pioneiro no mercado brasileiro – e também um dos primeiros no mundo. Mais do que uma novidade, ele representa o coroamento de um trabalho criterioso de produção, que ostenta as três principais certificações para este tipo produto, expedidas pelas mais respeitadas instituições que atuam na área: Carbon Free, selo da ONG Iniciativa Verde; bem-estar animal, certificado pelo Instituto Certified Humane Brasil, e a de selo de produção orgânica pelo IBD. Por enquanto, o produto, nas versões integral e desnatado, está sendo comercializado no mercado de algumas praças paulistas, como São Carlos e São Paulo, e, logo mais, em outras como Campinas, Jundiaí e Ribeirão Preto.

Luís Fernando Laranja: “Na Fazenda da Toca, plantamos árvores para amenizar o efeito estufa. Com o nosso sistema de produção, sequestramos o carbono na própria propriedade”

Por trás da história desse lançamento pioneiro está a trajetória do empresário e médico veterinário Luís Fernando Laranja Fonseca, que também foi professor da FMVZ/USP, em Pirassununga (SP), atuando como especialista em qualidade do leite e controle de mastite. Nos últimos anos, se destacou também como produtor de leite e criador de gado Simental, de alto padrão genético, na Fazenda Santa Andreia, em Itararé (SP). Ele e os sócios chegaram a produzir 12 mil litros de leite por dia, mas, depois de alguns anos, decidiram vender a propriedade e Laranja comprou o rebanho e os equipamentos da produção de leite. Daí começou seu projeto próprio, na Guaraci Agropastoril, alugando provisoriamente uma fazenda para abrigar o rebanho. De cinco anos para cá, vinha produzindo leite. “Nesse meio tempo, estava muito propenso a migrar para a produção orgânica, por uma série de razões. Inclusive de natureza filosófica, herança de minha juventude, quando era um ativista da área ambiental, há cerca de 40 anos. Assim, decidi produzir seguindo os princípios da sustentabilidade, pois não estava satisfeito com o pacote tecnológico da agropecuária convencional.”

Há quatro anos, surgiu a oportunidade de parceria com a Fazenda da Toca, em Itirapina (SP), que tempos antes tinha parado de produzir leite orgânico e derivados lácteos. “Fizemos a negociação e fiquei com a incumbência de tocar a produção orgânica e a fabricação de lácteos, na área de 150 hectares da fazenda destinada a essa atividade com certificação orgânica. Então, transferi os equipamentos e o rebanho para lá, precisando apenas de seis meses para a conversão do rebanho ao sistema orgânico”, relata.

Assim, há três anos e meio está produzindo leite orgânico e, no fim de junho, lançou a marca própria, leite No Carbon, o primeiro com selo Carbon Free (pela Iniciativa Verde), que ostenta ainda a certificação de bem-estar animal (Certified Humane) e de produto orgânico pelo IBD. “A marca No Carbon representa um dos pilares que julgamos mais essenciais na agricultura moderna, que é a agricultura baixo carbono ou agricultura carbono neutro. Outros elementos de nosso sistema são também muito importantes, num cenário em que a produção de alimentos busca atender a um consumidor muito exigente quanto a alimentos saudáveis, a aspectos relacionados às mudanças climáticas, aos produtos orgânicos e à ética no trato com os animais (bem-estar animal)”, ressalta ele.

O foco na produção orgânica de leite recai também no bem-estar animal

Outro diferencial do sistema de produção na Fazenda da Toca é a plantação de árvores para amenizar o efeito estufa. “Acreditamos que essa estratégia é a maneira correta de sequestrar o carbono. Em vez de, por exemplo, comprar crédito de carbono, optamos por sequestrar esse carbono aqui na propriedade onde produzimos. Temos o compromisso de plantar árvores majoritariamente nativas na fazenda ou no entorno”, explica Laranja.

A Fazenda da Toca, hoje concentrada na produção de ovos, também é certificada em bem-estar animal e carbono neutro, estando a produção leiteira alinhada com tais critérios. “Com nossa parceria, a fazenda está se tornando um grande hub (centro) de agricultura orgânica, regenerativa e de baixo carbono”, destaca Laranja, observando que, além da parceria com a Guaraci Agropastoril, a Fazenda da Toca abriga ainda a Rizoma, uma empresa de produção de grãos orgânicos. “Pode-se dizer que ela está se tornando um centro de produção e difusão de produção orgânica de alimentos, com ovos, milho, soja, limão, leite e derivados lácteos, entre outros.”

Meio ambiente – Quanto aos cuidados ambientais, é utilizado o sistema agrossilvipastoril, que integra lavoura, pecuária e floresta (ILPF), com plantio de diversas plantas, como palmeiras, eucalipto, abacateiro e outras, em meio às pastagens e lavouras. Além da estratégia de usar esse modelo, são plantadas árvores nativas em locais estratégicos da fazenda, sem que isso esteja conectado diretamente com a produção. “São áreas de pouca viabilidade produtiva, que reservamos para esse tipo de plantio. Um detalhe importante é que não fazemos isso por uma necessidade legal, mas para não deixar nenhum cantinho da fazenda ‘inútil’, então plantamos árvores. A Fazenda da Toca, hoje, tem um excedente de reserva legal bastante significativo, ou seja, bem acima daquilo que a lei exige.”

Laranja faz questão de frisar que o plantio das árvores é fundamental para seu sistema de produção porque, por exemplo, há pouquíssimo leite carbono neutro no mundo, talvez uns três ou quatro, sendo que alguns compram créditos de carbono de outras empresas, inclusive instaladas em outros países. Isso não significa nenhum problema, é legal. A exemplo de um laticínio australiano, que compra tais créditos de uma usina hidrelétrica localiza na Índia. “Em nosso sistema de produção, a neutralização é efetiva, sequestramos carbono. Isso porque temos uma grande preocupação com a questão de aquecimento global, daí o nome de nosso produto”, enfatiza o produtor, observando que um dos sócios da Guaraci Agropastoril é Osvaldo Stella Martins, um renomado especialista na questão do carbono e mudança climática.

Em busca constante por informação, Laranja diz que há tempos vem acompanhando e se aprofundando nessa agenda do clima, inclusive participando de eventos internacionais sobre as mudanças climáticas e aquecimento global, como os promovidos pela ONU, entre vários outros. Até mesmo tem participado de alguns como palestrante convidado. “Gostaria de ressaltar que estamos extremamente preocupados com essa agenda climática, à qual as pessoas ainda não dão a devida atenção. Por isso, demos esse nome a nosso produto: leite No Carbon.”

O rebanho leiteiro está bastante “cruzado” em cima daquele plantel original de matrizes da raça Simental, que receberam sêmen de touros Holandeses. Sobre o meio-sangue, utilizou-se sêmen de touros Jerseys, fazendo um “tricross”. “O objetivo é formar o rebanho com vacas um pouco menores, já que as vacas Simental e Holandesas são grandes. Animais menores, com boa conversão alimentar e produzindo leite com maior teor de sólidos. Vamos chegar a um rebanho Jersolando”, diz Laranja.

No total, o rebanho é formado por 440 animais, com cerca de 200 vacas em lactação, que produzem em média entre 18 e 22 litros/vaca/dia, totalizando 4 mil litros de leite por vaca/ano. Uma parte do gado está no pastejo, gado jovem e pré-parto, enquanto as vacas em lactação estão no sistema de compost barn. “Fizemos um compost barn ‘flex’, como chamamos por enquanto, em que as porteiras são mantidas abertas, possibilitando que elas voluntariamente tenham acesso a uma área de pasto, apenas para recreio, para um dar um ‘rolê’. Toda a dieta é formulada para comerem no cocho”, explica Laranja, destacando que as vacas sabem escolher seu bem-estar e conforto, ora num local, ora noutro.

Segundo Laranja, o que lhe deu grande satisfação foi a obtenção da certificação de bem-estar animal, que é muito rígida, pois é uma certificação internacional conferida pela Certified Humane, e deve, segundo acredita, ser o primeiro rebanho leiteiro nacional certificado. “A gente prefere a certificação de terceira parte, que é uma auditoria independente e muito detalhista, não deixa escapar absolutamente nada, nenhuma não conformidade, e é severa no atendimento de todos os requisitos.”

Para o processamento dos produtos lácteos da Guaraci Agropastoril (após o leite, virão novos lançamentos), Laranja explica que foram certificados dois laticínios parceiros para atribuição, conforme exigem as normas relativas à produção orgânica e de bem-estar animal. O primeiro é o Laticínios Salute, em São Carlos (SP), onde processam o leite, e o segundo está em vias de concluir a certificação, onde serão produzidos os queijos e outros lácteos.

Quanto à aceitação do leite No Carbon pelos consumidores, ele destaca algumas manifestações espontâneas que têm surpreendido, como o sabor, que tem agradado muito. “Nosso leite integral é integral de verdade, com 3,8% de gordura, o que o torna mais saboroso. Inclusive, alguns clientes de cafeteria têm elogiado o produto, pela excelência ‘crema’ que forma, por ter mais gordura. E, para quem o prefere sem gordura, temos a versão desnatada.”

As vacas em lactação no compost barn têm acesso, pela porteira aberta, para dar um “rolê” no piquete de pasto na hora em que quiserem

Olhar para o futuro da cadeia do leite – Em suas considerações sobre o mercado lácteo, Laranja acredita que o lançamento de produtos nessa linha é muito importante, não só quanto ao atendimento a nichos de mercado, mas quanto à cadeia do leite como um todo. “De forma muito modesta, espero que esta iniciativa estimule o debate sobre o futuro da cadeia produtiva do leite quanto à questão da sustentabilidade. Que isso seja, apesar de uma iniciativa muito pequena no mercado, emblemático do ponto de vista conceitual. Acredito que são modelos, digamos modernos, que o setor do leite deve discutir, pois tal questão está alinhada não só com a demanda de mercado, mas também com as exigências de parcelas cada vez maiores de consumidores preocupadas com a proteção do planeta”, avalia, considerando que é uma sinalização geral, global, para a sociedade.

Em sua visão, a relação ética para com os animais vai ser uma questão decisiva para os consumidores, assim como a relação da produção com o clima do planeta. “Prova disso é que as grandes corporações do mundo estão numa ‘corrida do ouro’ em busca da neutralização do carbono. Isso não é à toa, pois as pessoas estão cada vez mais preocupadas com sua saúde e com a qualidade do alimento. E a certificação de orgânico e bem-estar animal dá essa sinalização positiva, ou seja, pensar e discutir o futuro agora”, arremata.

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