balde branco

Minha mensagem à cadeia produtiva do leite é que contem sempre com a Embrapa como parceira essencial na geração e no uso de conhecimentos para o desenvolvimento sustentável da cadeia do leite. Juntos, podemos elevar ainda mais a competitividade e a sustentabilidade da cadeia produtiva do leite no Brasil.

ENTREVISTA

Elizabeth Nogueira Fernandes

Nova chefe

da Embrapa Gado de Leite

Elizabeth Nogueira Fernandes é graduada em Engenharia Florestal (1979), com mestrado em Ciência Florestal (1993) e doutorado em Ciência Florestal pela Universidade Federal de Viçosa (1997), além de pós-doutorado em Economia do Meio Ambiente pela Unicamp (2004). Desde 1994 é pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, unidade da qual foi chefe-adjunta de Transferência de Tecnologia de 2009 a 2014. Antes de se candidatar ao cargo de chefe geral, foi gestora do Núcleo Avançado de Transferência de Tecnologia da Embrapa Gado de Leite no Nordeste, lotada na Embrapa Tabuleiros Costeiros, em Aracaju-SE..


João Antônio dos Santos

Balde Branco - Quais os principais gargalos que a sra. destacaria na cadeia produtiva do leite, inclusive os impactos da pandemia e na pós-pandemia?

Elizabeth Nogueira Fernandes – A cadeia do leite brasileira vem passando por uma grande transformação, que nos permitiu sair de décimo para terceiro maior produtor mundial em quatro décadas. Apesar desses avanços, ainda temos diversos gargalos para torná-la mais competitiva. Isso se deve à complexidade desta cadeia, que é uma das mais importantes para o Brasil em termos econômicos e sociais. Um grande desafio que estamos vivenciando atualmente refere-se às baixas margens de rentabilidade e à dificuldade para a agregação de valor no setor. Isso tem levado à saída de muitos produtores da atividade, além de prejudicar novos investimentos, o que inibe a criação de um círculo virtuoso na cadeia. Outro ponto diz respeito à competitividade internacional. Apesar de nossa grande produção interna, ainda somos importadores líquidos de leite. Isso está relacionado a diversos problemas estruturais do País, que elevam nosso custo de produção e reduzem a qualidade do produto, principalmente em termos de quantidade de sólidos (proteína e gordura), dificultando nossa inserção de forma mais estruturada no mercado internacional de lácteos. Além desses pontos, a pandemia reforçou algumas tendências relacionadas à segurança dos alimentos, saudabilidade, meio ambiente e responsabilidade social, todos temas que também precisam estar na agenda do setor.

BB - Quais os principais avanços que destacaria nos últimos anos?

ENF – A cadeia do leite vem avançando muito. Nesses 45 anos de história da Embrapa Gado de Leite, que vamos completar em 26 de outubro deste ano, a produção de leite cresceu mais de quatro vezes, passando de 8 bilhões para próximo de 35 bilhões de litros, enquanto o rebanho de vacas ordenhadas subiu apenas 32%. O principal fator desta expansão foi a elevação da produtividade animal, que é resultado da adoção de tecnologias, como a melhoria genética do rebanho e a adoção de técnicas de gestão e de manejo adequado, envolvendo nutrição, conforto animal, saúde e reprodução. E essa evolução tem se tornado mais intensa nos últimos anos, com o aumento de sistemas de produção mais intensivos e produtivos. Outro destaque deve-se à qualidade do leite, que avançou muito, principalmente em termos microbiológicos. Também temos avanços proporcionados pela era digital, com maior conectividade e uso de sensores para diversos fins, além da expansão da automação de processos dentro da cadeia. Mas não podemos esquecer que muitos desses avanços são também fatores de exclusão dentro da cadeia e necessitam de nossa atenção, no sentido de proporcionar maior inclusão de produtores com geração de renda que garanta qualidade de vida no campo e permita a sucessão familiar com inserção dos jovens na atividade.

BB - Dentro desta situação que a sra. resumiu, qual é o papel da Embrapa Gado Leite (EGL) no âmbito da pesquisa, inovação, divulgação de conhecimentos e capacitação de técnicos e produtores?

ENF – A Embrapa se consolidou ao longo de sua história pelas entregas relevantes para a cadeia do leite, sempre pautadas em ciência e inovação de ponta e aplicadas à realidade da cadeia. Isso reflete uma de nossas finalidades, que é desenvolver soluções tecnológicas que garantam a competitividade e sustentabilidade da cadeia produtiva do leite. Em relação à capacitação, temos uma longa história na transferência de conhecimentos e tecnologias e queremos fortalecer ainda mais essas ações, sempre em sintonia com as principais demandas do setor e em parceria com instituições públicas e privadas, no sentido de somar esforços para o avanço da cadeia do leite no Brasil.

BB - Em relação aos pequenos e médios produtores (ante o fato de que muitos vêm desistindo da atividade), em que a sua gestão poderá contribuir para reduzir essa desistência e dar a eles as perspectivas de que o leite pode ser um negócio satisfatório?

ENF – Sabemos que a saída de produtores da atividade tem sido recorrente e por diversos motivos, como baixa rentabilidade, falta de recursos para investimentos e adoção de novas tecnologias, problemas com mão de obra e dificuldades no processo de sucessão familiar. A Embrapa precisa continuar a prover conhecimento e tecnologia para esses produtores, independentemente de seu perfil, de modo a torná-los mais eficientes em seus modelos de negócios, gerando, consequentemente, maior renda. E faremos isso junto com nossos parceiros públicos e privados, como universidades, institutos de pesquisa e empresas, para geração de soluções, e instituições de assistência técnica e extensão rural para permitir que essas soluções cheguem a quem precisa na ponta da cadeia, e do governo e das entidades de representação dos produtores. Hoje em dia, ninguém faz mais nada sozinho e, em tempos de recursos escassos, essa cooperação com todos os que atuam no setor é ainda mais importante, de modo a somarmos esforços em favor da cadeia do leite. Mas é importante dizer que nem todos vão adotar as tecnologias disponíveis e seguir crescendo no leite. É assim em qualquer atividade econômica e este fato é ainda mais verdadeiro no leite, devido à complexidade da produção leiteira comparada com outras atividades agropecuárias. Agora, para os produtores que desejam permanecer na atividade, principalmente aqueles de menor volume de produção, é muito importante o processo de cooperação via cooperativas e/ou associações. Buscar boas parcerias no negócio é fundamental para lidar com a complexidade do mundo atual. São as parcerias que vão ajudar o produtor a produzir com mais eficiência, a realizar melhores compras de insumos, melhorar a comercialização e agregar mais valor. Portanto, precisaremos de muita ação e cooperação e a Embrapa estará sempre junto com os demais atores da cadeia para torná-la mais competitiva e atraente para os produtores.

BB - Quais são os principais eixos de sua gestão e, por favor, faça um breve resumo de cada um deles e dos objetivos a serem alcançados ao término de sua gestão.

ENF – Para guiar nossa gestão à frente da Embrapa Gado de Leite elaboramos um plano de trabalho que apresenta ações estratégicas agrupados em três eixos: 1) Desenvolvimento Institucional e de Competências; 2) Gestão de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I); 3) Visão Estratégica de Inovação e Negócios. No âmbito interno, vamos mapear nossas competências e valorizar as pessoas para formação de um time de alta performance. Isso porque acredito que as pessoas são nosso principal patrimônio. Também nos propomos a estabelecer um processo de priorização de temas estratégicos de PD&I de forma a alinhar nossos esforços e os das organizações parceiras às diretrizes institucionais e políticas públicas existentes. Para isso é fundamental que nossa equipe esteja mais próxima do setor produtivo, entendendo “in loco” os problemas e demandas da cadeia, além de participarem de redes nacionais e internacionais de pesquisa e inovação. Com o alinhamento das ações, associadas aos nossos diferenciais em termos de infraestrutura instalada, que engloba 13 laboratórios na sede da Embrapa em Juiz de Fora, além de dois Campos Experimentais com diferentes sistemas de produção com rebanhos das raças Gir, Girolando e Holandesa, e o Complexo Multiusuário de Bioeficiência e Sustentabilidade, uma estrutura única para pesquisa no mundo tropical, vamos direcionar esforços para a captação ativa de recursos, estimular pesquisas compartilhadas e direcionar ações para ampliar as fronteiras físicas de atuação da unidade, de modo a sermos capazes de atender às demandas de diferentes públicos de interesse. Para que possamos ser efetivos no atendimento dessas demandas também vamos estruturar um processo de gestão e comunicação do nosso portfólio de ativos tecnológicos orientados para as demandas e problemas existentes.

Nossa atenção também é no sentido de proporcionar maior inclusão de produtores com geração de renda que proporcione qualidade de vida no campo e permita a sucessão familiar com inserção dos jovens na atividade”

BB - Com sua carreira ligada aos “sistemas agroflorestais”, como vê a questão da sustentabilidade na pecuária leiteira, que é uma demanda do mercado? Será dado um foco maior a essa questão? Se sim, já há algum projeto? Pode sintetizá-lo?

ENF – O consumidor de hoje está cada vez mais consciente e exige cada vez mais saber de onde vem o alimento que consome e como ele é produzido. Por isso é preciso demonstrar que a produção de leite pode ser feita de forma sustentável, em todas as dimensões, seja econômica, social e ambiental. Desta forma, o uso de práticas agrícolas sustentáveis, que maximizam a eficiência e produzem alimentos com menos recursos, é fundamental para se alcançar um equilíbrio entre as necessidades das gerações presentes e futuras. Para isso, a Embrapa Gado de Leite já vem trabalhando, juntamente com diversas parceiras, por exemplo, no aprimoramento de ferramentas para a avaliação da sustentabilidade em propriedades leiteiras, no desenvolvimento de sistemas de produção mais intensivos em relação ao uso do solo e na organização da produção de leite em sistemas orgânicos. As mudanças climáticas têm levado riscos a todas as cadeias agroalimentares e a adoção de sistemas integrados mais intensivos, por parte dos pecuaristas, além de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, por unidade de produto, contribui para diminuir a pressão por desmatamentos, ajudando a manter nossas florestas em pé. O balanço de carbono hoje é a mais importante pauta do agronegócio e uma grande oportunidade para o mercado. Contudo, temos um desafio importante, que é desmistificar que a adoção de práticas sustentáveis seja contrária ao desempenho financeiro da propriedade, e mostrar os resultados em ganhos de produção e produtividade, obtidas principalmente pelo bem-estar animal. Em termos mais abrangentes da cadeia agroalimentar do leite, o conceito ESG já vem sendo incorporado por diversas empresas e a Embrapa Gado de Leite está à disposição para contribuir e agregar conhecimento para a implementação de práticas sustentáveis, considerando o ambiente, o social e a governança.

BB - Uma saída para pequenos e médios produtores tem sido agregar valor ao leite com a produção artesanal de derivados lácteos (sobretudo queijos, alguns tipos com premiações internacionais). Como a sra. vê esta questão e se pretende levar a cabo alguma ação para o fortalecimento desse segmento?

ENF – A transformação do leite in natura em produtos lácteos pelos produtores com pequeno e médio volumes de produção é uma alternativa muito interessante para o incremento da renda. A Embrapa Gado de Leite, em parceria com instituições públicas e privadas e com associações de produtores, já vem trabalhando no apoio a esta atividade há algum tempo. Participamos de projetos de apoio à qualidade sanitária dos queijos Canastra e Serro em Minas Gerais, com foco em programas de boas práticas de produção agropecuária (BPA) e de fabricação (BPF) para a produção de um queijo artesanal seguro, na avaliação microbiológica e na identificação de bactérias lácteas. Também atuamos de maneira decisiva, junto com Emater-MG, IMA e ILCT/Epamig, na caracterização dos queijos de Alagoa e Mantiqueira de Minas, produzidos na Serra da Mantiqueira, na região sul de Minas. Graças a este trabalho, o queijo foi reconhecido pelo Estado, tendo seus respectivos regulamentos técnicos de produção publicados em abril deste ano. Importante destacar que diversos produtores de Alagoa foram recentemente premiados no Concurso Mundial do Queijo realizado na França. Os trabalhos agora se concentram “da porteira pra fora”, com um projeto recentemente aprovado que auxiliará na comercialização dos queijos pelos produtores (agora já organizados em uma associação – Aprolagoa), por meio da identificação dos canais de comercialização e dos mercados acessados por eles. O projeto também criará uma plataforma eletrônica “e-commerce” para facilitar a venda dos queijos bem como uma interação maior com os consumidores, sendo considerado projeto piloto a ser replicado futuramente em outras regiões produtoras. Outros projetos também deverão ser desenvolvidos pelas equipes nos próximos anos para apoiar a produção de queijos artesanais com ciência, tecnologia e inovação.

BB - Destaque, resumidamente, algumas das principais linhas de pesquisas que terão maior foco em sua gestão.

ENF – Nosso foco é atuar nos reais problemas da cadeia produtiva do leite. Mas para sermos efetivos precisamos priorizar nossas ações. Para isso, a Embrapa tem seu Plano Diretor, como uma agenda bem conectada ao setor e com metas a serem cumpridas até 2030. Esse plano baseou-se em evidências e percepções extraídas de uma ampla fonte de dados e estudos, além de consulta a diversos atores do setor produtivo, da academia, do governo e da própria Embrapa. Falando em linhas de atuação, a Embrapa Gado de Leite detém expertises já consolidadas nos seus 45 anos de existência e que continuarão sendo fortalecidas. Como exemplos, podemos citar os programas nacionais de melhoramento das principais raças leiteiras, sendo pioneira na utilização da seleção genômica, no desenvolvimento de cultivares forrageiras para a pecuária nacional, como a BRS Capiaçu, nas contribuições no desenvolvimento das principais biotécnicas da reprodução (IA, IATF, FIV e Clonagem), além de pesquisas relacionadas à nutrição animal, que contribuíram para o estabelecimento das exigências nutricionais de bovinos leiteiros criados em condições tropicais e modelos de predição e mitigação de gases de efeito estufa. A unidade também tem forte atuação na geração de conhecimentos para melhoria da qualidade do leite e derivados, no desenvolvimento de sistemas de ILPF e em estudos ligados à competitividade da cadeia e de inteligência para o mercado. Mas também existem novas frentes de pesquisa em temas estratégicos na fronteira do conhecimento, que também terão atenção especial, como controle do carrapato bovino por meio de seleção genômica, farmacogenética/imunologia aplicada; desenvolvimento de fármacos e vacinas por meio de nanotecnologia; segurança e certificação de lácteos artesanais; desenvolvimento de produtos lácteos diferenciados com valor agregado (nutracêuticos, A2A2, orgânicos, carbono neutro, rastreáveis, dentre outros); pecuária digital e 4.0 (avaliação de tecnologias, manejo de precisão e aplicação de inteligência artificial); monitoramento de pastagens e zoneamento pecuário com emprego de geotecnologias. Também devemos estar atentos às principais tendências aplicadas ao campo de atuação da unidade, a exemplo das temáticas de sustentabilidade, saúde única, smart farms e automação.

BB - Assumindo esses desafios, frente ao contexto da cadeia produtiva do leite, qual o principal objetivo que pretende realizar ao chegar no fim de sua gestão?

ENF – Nosso plano de gestão busca gerar uma série de impactos positivos que são altamente correlacionados, pensando na nossa organização interna e nos resultados de nossas ações para a cadeia do leite e toda a sociedade. Nesse contexto, vamos buscar construir uma equipe motivada com cultura organizacional fortalecida; estabelecer uma carteira de projetos e ativos tecnológicos alinhada às principais demandas e desafios do setor produtivo e consolidar nossa imagem por meio de comunicação efetiva com os diferentes públicos. Outro ponto importante diz respeito à obtenção de orçamento equilibrado com menor dependência de recursos públicos, devido à já conhecida redução dos recursos públicos disponíveis nos últimos anos. Tudo isso para que a Embrapa possa ter ativos tecnológicos posicionados estrategicamente junto ao setor produtivo e que resultem em impactos positivos para toda a sociedade.

BB - Qual recado gostaria de deixar para a cadeia produtiva do leite?

ENF – Minha mensagem final é que contem sempre com a Embrapa como parceira essencial na geração e no uso de conhecimentos para o desenvolvimento sustentável da cadeia do leite. Juntos, podemos elevar ainda mais a competitividade e a sustentabilidade da cadeia produtiva do leite no Brasil.

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