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Agora o queijo pode ser autoral, ter suas próprias denominações e cada produtor paulista terá, assim, seu produto mais valorizado

QUEIJOS ARTESANAIS

Nova lei beneficia produtores

de queijos artesanais em São Paulo

Sancionada pelo governador do Estado em fevereiro, a nova lei tira da clandestinidade milhares de produtores, que poderão ampliar as possibilidades de comercialização de seus produtos

João Carlos de Faria, texto e fotos

Produtores e consumidores do bom queijo artesanal fabricado no Estado de São Paulo que se preparem, pois um novo ciclo está para se iniciar, com a regulamentação da Lei 17.453/2021, conforme o Decreto nº 66.523, assinado pelo governador do Estado no dia 23 de fevereiro, no Palácio dos Bandeirantes.

A lei resulta de projeto de lei votado e aprovado no fim do ano passado, na Assembleia Legislativa paulista, e estabelece novas regras para os produtos de origem animal de cinco categorias: cárneos, leite, mel, pescados e ovos e resulta de um trabalho feito a várias mãos, envolvendo entidades como a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), Associação Brasileira de Produtores de Leite (Abraleite) e a Associação Paulista de Queijos Artesanais (APQA), além de vários órgãos do governo estadual.

O impacto esperado é de que cerca de 15 mil produtores saiam da clandestinidade e possam ampliar as possibilidades de comercialização de seus produtos. Cerca de 60% deste total estaria relacionado à cadeia do leite, conforme estimativa do médico veterinário Wander Bastos, presidente do Sindicato Rural de Cruzeiro e coordenador da Comissão de Bovinocultura de Leite da Faesp e da Comissão Nacional de Queijos e Derivados Lácteos Artesanais da Abraleite.

Bastos ressalta que a lei surgiu de um esforço conjunto entre o setor e o poder público e reflete as expectativas dos produtores. “É a consolidação de um trabalho que começou quatro ou cinco anos atrás”, diz.

Uma das inovações importantes da lei, segundo ele, é de que o queijo paulista “agora pode ser autoral” e ter suas próprias denominações. “Vamos ter os nossos queijos, com as nossas receitas, com os nossos nomes, ou seja, o produtor paulista agora pode diferenciar o seu produto. Essa é uma das grandes vitórias.”

Outras mudanças para a cadeia do leite e demais cadeias são destacadas por ele, como o autocontrole, conforme consta no decreto n.º 66.523, que vai permitir que o próprio produtor faça a verificação e conferência da sua produção, preservando a boa qualidade dos produtos.
“Uma resolução específica para o setor lácteo vai dizer o que precisa ser controlado: a temperatura do leite na entrada e durante o processo, a temperatura das câmaras frias, a qualidade da água e do leite, a data do início de maturação do queijo. E quando o fiscal chegar vai olhar e conferir essas planilhas”, explica.

Wander Bastos: “No decreto consta o autocontrole, que vai permitir que o próprio produtor faça a verificação e conferência da sua produção, preservando a boa qualidade dos produtos”

Bruno Ruffolo: “Com o leite haverá a inclusão maior de pequenos empreendedores, regularizando-os, gerando imposto, emprego, renda e agregando valor à sua produção, permitindo que atinjam outros mercados”

Mudanças significativas – Para o médico veterinário Bruno Bergamo Ruffolo, diretor do Centro de Inspeção dos Produtos de Origem Animal (Cipoa), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, falta pouco para que todo o arcabouço legal relativo às novas normas seja concluído.

“A perspectiva é de que todo o processo leve de dois a três meses, mas sem atropelos para que tudo seja bem construído. Estamos trabalhando nas resoluções, que são os atos que normatizam a lei e o decreto, e uma delas trata especificamente dos estabelecimentos lácteos, que vai agregar as sugestões e atender à realidade e necessidades dos produtores”, explica.

A previsão era de que essa resolução fosse publicada até o fim de março, contendo as regras de como deve ser a estrutura mínima de construção e os equipamentos necessários para que o estabelecimento possa ser classificado como artesanal.

Ruffolo pondera, no entanto, que não se trata de “uma mera burocracia”, pois, quando o produto tem o “carimbo da inspeção”, o pressuposto é de que foi cumprida a legislação. “Estamos lidando com alimentação, que pode causar danos à saúde se não forem seguidas as instruções de sanidade. O registro é uma garantia para o consumidor de que está consumindo um alimento saudável, sem correr riscos”, afirma.

Algumas mudanças colocadas na lei, segundo ele, foram muito importantes, como aquela referente ao volume de leite a ser processado, antes limitado a 300 litros/dia e que agora passa a 1.500 litros/dia; o fim da obrigatoriedade de que o produtor artesanal seja necessariamente um produtor rural e a permissão do uso de leite cru na produção de queijos, mantendo-se as regras sanitárias.

“A alteração da lei foi o primeiro passo para desencadear uma mudança de todos os atos legais e a inclusão do maior número possível de pequenos empreendedores, regularizando-os, gerando imposto, emprego, renda e agregando valor à sua produção, permitindo que atinjam outros mercados”, diz Rufollo.

A modernização dessas normas era um anseio do setor, que já vinha há tempos solicitando as alterações na Lei 10.507/2000, que definia os parâmetros da produção artesanal. A perspectiva é de que se tenha, a curto e médio prazo, cerca de 100 a 150 estabelecimentos registrados, gerando empregos diretos e indiretos em toda a cadeia envolvida.

Impactos na cadeia do leite – Para o ex-coordenador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) e atual subsecretário de Agricultura do Estado, engenheiro agrônomo Orlando Melo de Castro, embora a lei abranja outros produtos artesanais, os impactos mais significativos serão na cadeia do leite, por ser o segmento com o maior número de produtores.

Ex-diretor do Departamento de Desenvolvimento das Cadeias Produtivas da Secretaria de Inovação e Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura, entre 2019 e 2020, Castro relembra que a discussão sobre a necessidade de uma nova legislação para os produtos artesanais se acelerou com a edição da lei do Selo Arte.

“Em São Paulo tinha uma lei de 2000, mas quando cheguei na secretaria, em junho de 2021, já havia uma discussão com o setor em relação às mudanças necessárias para modernizar essa lei.” A discussão e elaboração do projeto, segundo ele, foram rápidas, assim como a tramitação na Assembleia Legislativa.

Orlando M. de Castro: “A discussão sobre a necessidade de uma nova legislação para os produtos artesanais se acelerou com a edição da lei do Selo Arte”

Embora a lei abranja outros produtos artesanais (cárneos, mel, pescados e ovos), os impactos mais significativos serão na cadeia do leite, por ser o segmento com o maior número de produtores

A seu ver, a simplificação do cadastro das unidades de processamento e a definição para que a Defesa Agropecuária mantenha equipes especializadas na inspeção dos produtos artesanais, constituída exclusivamente de médicos veterinários e técnicos agropecuários do quadro de servidores públicos da Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA), são fatores importantes definidos pela lei.

 

Equivalência da inspeção e o selo arte – Segundo dados obtidos em levantamento feito em fevereiro de 2022 pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, verificou-se que apenas 20% dos municípios paulistas contavam com o Serviço de Inspeção Municipal (SIM) ativo.

Boa parte dos pequenos municípios, por exemplo, não dispõe de recursos e condições de arcar com o serviço, por isso o incentivo à formação de consórcios intermunicipais, conforme consta na lei, deverá facilitar a reversão desse quadro. “A despesa poderá ser rateada e, além disso, a lei prevê que convênios possam ser celebrados entre os serviços estaduais e os consórcios, o que permitirá o seu reconhecimento pelo Estado”, explica Castro.

A Superintendência Federal de Agricultura em São Paulo (SFA-SP), que representa o Ministério da Agricultura, já vem fomentando a adesão ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi-POA). Em 2021, segundo o órgão, foram feitas mais de 1.800 interações com técnicos, prefeituras e serviços de inspeção e já são seis os municípios paulistas que conseguiram essa condição.

Natividade da Serra, por exemplo, é um pequeno município localizado no Vale do Paraíba, com menos de 7 mil moradores, que, diferentemente de outros municípios, que assumiram sozinhos a regularização do serviço de inspeção, optou por aderir a um consórcio intermunicipal que começou com quatro municípios e agora tem 15. O município conta com nove empresas em condições de aderir ao SIM, quatro delas praticamente prontas para serem inspecionadas pelo Sisbi e uma lista de mais 15 agroindústrias interessadas.

“Os Estados ou municípios podem solicitar a equivalência, apresentando uma série de documentos, e, após auditorias, caso tudo esteja dentro das normas, é concedido o Sisbi, permitindo que estabelecimentos que obtenham esse selo possam comercializar seus produtos em qualquer outro Estado”, explica o diretor do Cipoa, Bruno Ruffolo.

Aliás, no último dia 18 de março, o Diário Oficial da União publicou a Portaria n.º 547/2022, que reconhece a equivalência do Serviço de Inspeção Estadual da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo para adesão ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal – Sisbi-POA, do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa).

Já o Selo Arte, segundo Ruffolo, é uma concessão do Ministério da Agricultura que permite, por intermédio do Estado, o uso do selo, e também permite a comercialização do produto em qualquer Estado do Brasil.

Mas só podem solicitar o Selo Arte os estabelecimentos registrados no Sisp. Quanto ao selo “Artesanal de São Paulo”, ele reforça que vai ser uma “ferramenta de marketing” da empresa. “É um selo para confirmar que é um produto artesanal, feito em São Paulo.”

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