Com a biosseguridade, os ganhos ocorrem de imediato, com a otimização dos processos. Redução de uso de mão-de-obra, que será treinada, e de medicamentos ocorrerão naturalmente”
No outono de 2001, há exatamente vinte anos, pela primeira vez visitei uma propriedade leiteira no Rio Grande do Sul. Foi em Ijuí. Fazia um grau centígrado positivo e caía uma garoa finíssima, com um vento gelado de cortar até a alma. O chamado minuano, o vento que vem do Polo Sul, baixava ainda mais a sensação térmica. Eu estava estudando eficiência e competitividade do leite em dez corredores logísticos, assunto da minha tese de doutoramento e buscava dados de desempenho econômico de 150 propriedades e 10 fábricas de leite do RS, além do PR, SP, MG e GO.
Passados vinte anos, lembro-me como se fosse hoje, daquela manhã em Ijuí. O produtor me aguardava na porta de sua casa e convidou-me para entrar, o que fiz, naturalmente. Em seguida veio o técnico da Parmalat, que tirou o sapato e calçou um chinelo, escolhendo um que lhe cabia, dentre alguns que descansavam ao lado da porta de entrada. Estranho!!! O produtor fez o mesmo. Foi então que descobri que entrar com sapato sujo da rua não é atitude natural em propriedade leiteira no Rio Grande do Sul! Fiquei envergonhado.
Quando passar a fase da Covid-19 teremos incorporados novos hábitos no nosso cotidiano, como não entrar em casa com sapato sujo, infectado das ruas. Manteremos o hábito milenar dos japoneses, e que eu aprendi com os gaúchos produtores de leite. Continuaremos a ter chinelos para os que chegam da rua. Desinfetar as mãos mais vezes ao dia e não somente antes das refeições e na ida ao banheiro também é prática que veio para se incorporar ao nosso cotidiano. Portanto, melhoraremos o nosso padrão de biosseguridade.
Também nas propriedades leiteiras a Covid-19 trouxe mudanças na rotina. Nos campos experimentais da Embrapa, por exemplo, estamos desinfetando todos os veículos que chegam, delimitamos até onde os fornecedores podem circular, estabelecemos um rito claro a ser seguido por trabalhadores, estudantes e visitantes. Mas isso ainda é pouco. Precisamos adotar medidas mais rígidas, incorporando-as em nossas práticas e contribuindo para disseminá-las para todo o setor. Precisamos chegar no padrão de biosseguridade das granjas de suínos e da avicultura.
Nós, da Embrapa Gado de Leite nos unimos à Boehringer Ingelheim e às Fazendas Santa Luzia e Colorado, que são referências no setor em termos de condução de boas práticas, para acordar a criação de um conjunto de protocolos visando mudar a forma de organizar o processo de produção de leite nas propriedades, sob a ótica sanitária. A partir de agora, estamos reunindo nossas competências para definir critérios que envolvam práticas de isolamento do local de produção, controle de trânsito interno, monitoramento laboratorial quanto a presença de patógenos, rotina de higienização e tratamento e destinação de resíduos, programa de vacinação e erradicação de doenças, auditoria sanitária e um plano de contingência para emergências.
Vamos introduzir uma certificação ainda inexistente para as propriedades que aderirem aos protocolos que iremos criar. E, naturalmente, as primeiras fazendas a serem certificadas serão a Colorado e a Santa Luzia. Como toda certificação acreditada, não serão a Embrapa e a Boehringer quem certificarão as fazendas, mas uma empresa especializada em certificação, independente e com total credibilidade. E, é importante registrar, será uma certificação privada. Portanto, as fazendas irão se voluntariar, buscando aderir aos protocolos, para que recebam o selo de certificação, após processo de auditoria das práticas implementadas em seu processo produtivo.
Esperamos o lançamento de um selo de biosseguridade. Quando isso ocorrer, nós da Embrapa e da Boehringer, vamos iniciar um processo educativo, de disseminação das práticas recomendadas. Iremos treinar técnicos, produtores, estudantes e quem se mostrar interessado. Mesmo que nem todos participem do processo visando à certificação imediata, o que buscaremos é a melhoria na adoção de processos cada vez mais seguros na produção de leite. Queremos reduzir o uso de medicamentos, por exemplo, o que inclui evidentemente os antibióticos.
Para os produtores que aderirem, naturalmente haverá no início um custo de adaptação. É o custo da aprendizagem, previsto em qualquer mudança tecnológica e comportamental. É o custo de adaptação a novas práticas. Mas os ganhos também ocorrem de imediato, com a otimização dos processos. Redução de uso de mão-de-obra, que será treinada, e redução de uso de medicamentos ocorrerão naturalmente. E é de se esperar que ocorra pagamento diferenciado para este leite produzido. Redução de custos e elevação de receita traduzirão em melhor desempenho financeiro da propriedade.
Embrapa e Boehringer dispensarão a remuneração de autoria dos protocolos, exatamente para reduzir os custos de adesão das fazendas e para que ocorra mais rapidamente a disseminação deste novo modo de produzir. Ganharão os trabalhadores que ficarão menos expostos a riscos e ganharão os consumidores, por terem acesso a leite seguro.
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