O melhoramento genético é um item essencial no processo de desenvolvimento da pecuária leiteira. Está provado que a genética de qualidade impulsiona a produtividade a médio prazo. Isso ocorre tanto no Brasil quanto em qualquer mercado internacional. Vejamos países líderes em produtividade, como Nova Zelândia, Holanda e Estados Unidos. Lá, eles foram aprimorando o rebanho geneticamente

ENTREVISTA

NELSON EDUARDO ZIEHLSDORFF

O caminho da produtividade leiteira passa pela

GENÉTICA DE QUALIDADE

Pós-graduado em Logística do Transporte, Nelson Eduardo Ziehlsdorff é presidente da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia). Também é membro da Associação dos Criadores das Raças Jersey e Holandês no Canadá, diretor internacional da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), diretor da Associação Catarinense de Criadores de Ovinos (Acco) e vice-presidente da Associação de Gado Jersey do Brasil. Além disso, é responsável por uma holding composta por três empresas de referência na pecuária nacional – Semex Brasil, Central Tairana e Cenatte Embriões – e é proprietário da SRC Farms e da SRC Cordeiros Premium.X

Erick Henrique

Balde Branco – Qual sua visão do contexto geral da cadeia de leite, que está, nos últimos anos, em mais uma crise? Quais os caminhos que você vislumbra para o segmento produtivo superar alguns gargalos?

Nelson Ziehlsdorff – A pecuária leiteira é uma atividade fantástica. Segundo dados da Embrapa Gado de Leite, a cadeia láctea movimenta R$ 170 bilhões dentro e fora da porteira. São mais de 1 milhão de produtores, que ordenham cerca de 18 milhões de vacas. O Brasil está entre os maiores produtores mundiais, com cerca de 35 bilhões de litros por ano. São dados respeitáveis, que fazem do leite a segunda atividade animal mais importante do País, atrás somente da pecuária de corte. Os altos e baixos em termos de rentabilidade fazem parte do negócio. São milhares de produtores e dezenas de laticínios. É esperado que haja momentos de maior tensão nessa relação comercial. Mas o mercado é soberano. Quando o consumo responde, a produção sobe e tanto produtores quanto indústria são mais bem remunerados. O leite tende a ser mais competitivo para médios e grandes produtores, que têm melhores condições de negociação e também apostam em lácteos para aumento da renda. Estão aí os queijos artesanais vivendo um excelente momento. Olhando para o futuro, espero que os elos se conversem para buscar soluções melhores para todos os envolvidos, pois o mercado potencial é excepcional.

BB – A partir de suas considerações gerais, como você situa a questão do melhoramento genético dos rebanhos bovinos, como um todo? Isso, não só internamente, mas também em relação ao mercado internacional?

NZ – Esse é um item essencial no processo de desenvolvimento da pecuária leiteira. Está provado que a genética de qualidade impulsiona a produtividade a médio prazo. Isso ocorre tanto no Brasil quanto em qualquer mercado internacional. Vejamos países líderes em produtividade. Citando Nova Zelândia, Holanda e Estados Unidos. Lá, eles foram aprimorando o rebanho geneticamente. O aumento da produtividade por vaca, que supera 10 mil kg, leva, de um lado, à seleção natural do mercado e, por outro, ao foco especial no melhoramento contínuo. O Brasil já iniciou esse processo. Os dados de produção por vaca estão melhorando. Já superamos 1.700 kg/vaca/ano. É pouco ainda, mas o caminho está traçado e ele passa pela genética de qualidade. E é importante destacar que as empresas de genética têm totais condições de oferecer esses produtos diferenciados para a pecuária leiteira continuar crescendo em eficiência e também em qualidade.

BB – Nesse sentido, quais avanços você destacaria em relação, especificamente, às raças leiteiras?

NZ – A vaca leiteira é um ser especial, que precisa ter boa genética para expressar produtividade, mas também exige condições ambientais ideais para produzir. Numa outra ponta, há a preocupação com a alimentação balanceada e com os cuidados sanitários. Não estou inventando nada. O trinômio genética, nutrição e saúde está na base da atividade animal. Incluem-se aí a questão ambiental e o bom manejo. Além disso, a tecnologia voltada para a pecuária leiteira evoluiu muito. São equipamentos mais modernos, são cuidados com o desempenho dos animais. Já é possível monitorar o plantel remotamente, por exemplo. São evoluções essenciais, que trabalham em conjunto para o bem maior: ter uma pecuária leiteira cada vez mais moderna, eficiente, segura e produtiva.

BB – Os produtores, sobretudo os pequenos e médios, têm evoluído no sentido de ter maior preocupação em utilizar as tecnologias de IA?

NZ – Eu diria que os pequenos e médios não têm outro caminho a não ser utilizar a melhor genética disponível. Mais uma vez: a pecuária leiteira é uma atividade apaixonante. Os produtores trabalham de sol a sol para extrair o melhor do seu negócio. Então, o uso de inseminação artificial, com foco na genética mais indicada para cada projeto, é um passo nesse sentido. Claro que as empresas têm a obrigação de estar mais próximas desse mercado, levando conhecimento e informação, além de desmistificar que a IA é apenas para grandes produtores. É para os médios e pequenos também. E o custo-benefício é indiscutível. A conta é simples, o melhoramento genético representa algo em torno de 1% a 2% dos custos totais da cadeia de insumos, lembrando que é a única que deixa o residual, que é a bezerra (o) na propriedade. Vale o investimento porque o retorno vem.

BB – Embora tenha avançado nas últimas décadas, a adoção da IA nos rebanhos leiteiros ainda está distante daquilo que poderia ser um patamar satisfatório, comparativamente à pecuária de países europeus, do Canadá e dos EUA, entre outros. O que está ainda está faltando para se avançar mais ainda?

NZ – Complementando a resposta anterior, entendo que seja um trabalho de várias frentes. Nós, como indústria, temos de fortalecer o nosso mercado, com genética de qualidade – aliás, já temos – e também com informação ao mercado – já fizemos muito e estamos empenhados em fazer mais. Do outro lado, a pesquisa também tem papel importante, reforçando os benefícios da inseminação artificial. A Embrapa, por exemplo, desempenha um papel fantástico nesse sentido, assim como diversos outros órgãos estaduais de fomento e difusão de tecnologia. Mas esse trabalho está longe de terminar. Aliás, ele não tem fim. É preciso insistir, investir e cada vez mais oferecer respostas aos produtores sobre os benefícios do investimento contínuo no melhoramento genético.

A inseminação artificial acelera o melhoramento
genético que, por sua vez, é decisivo para o aumento
da produtividade”

BB – Na esteira da pergunta anterior, o que você destacaria como os principais pontos de sua gestão? Por favor, pode detalhar esses pontos?

NZ – Esta gestão é resultado de um plano estratégico de atuação da Asbia iniciado há pelo menos uma década. Nossa proposta é posicionar a atividade como uma prestadora de serviços para os produtores de leite e pecuaristas de corte, oferecendo informação e conhecimento. Nesse sentido, aprimoramos constantemente o Index, nosso report trimestral de dados setoriais. Aqui já fica uma informação importante. Identificamos o uso de IA em 85% dos municípios brasileiros. É um dado muito relevante. As próximas frentes envolvem o projeto Asbia Tendências, que tem como objetivo contribuir para as projeções futuras da pecuária leiteira e da pecuária de corte. Também estamos colocando em prática um report de embriões, com o objetivo de destrinchar esse segmento que não para de crescer e contribui decisivamente para o contínuo melhoramento genético na atividade.

BB – Quais avanços foram identificados por meio do relatório Index-Asbia nos últimos anos a respeito do mercado de genética bovina leiteira?

NZ – Primeiro, a disseminação da genética de leite pelo País. Os dados comprovam crescimento expressivo tanto em números quanto em regionalização, uma vez que nós temos condições de fazer o levantamento da IA em nível municipal. Importante dizer que nosso mercado praticamente dobrou porcentualmente em cinco anos. Em 2018, 12% das fêmeas eram inseminadas. Em 2021, foram 23% do total. Esse resultado deve- se ao mix de prestação de serviços, informação aos criadores e comprometimento das empresas associadas e de todos os envolvidos na cadeia da produção de leite e carne bovina.

BB – De que maneira os criadores de raças leiteiras podem contar com o apoio da Asbia para melhorar a genética do rebanho com a utilização da IA, e consequentemente melhorar os índices zootécnicos do plantel, em um País de dimensão continental, com várias realidades, sistemas de produção de leite?

NZ – Este é o nosso papel. O setor de genética existe para atender à necessidade de se produzir mais e melhor. As empresas associadas têm essa convicção de serem prestadoras de serviços para os criadores. O Index e os projetos Tendências e Embriões contribuem para o sucesso de nossa proposta. Mas sabemos que há ainda muito o que fazer e estamos empenhados nisso. Nos vemos como um elo da cadeia produtiva. Não adianta cruzar os braços e assistir aos nossos clientes enfrentarem dificuldades de mercado, por exemplo. Temos de levar informações, estar próximos deles. Essa é a finalidade e estamos voltados para criar mais produtos e mais serviços para ajudar os criadores a terem sucesso financeiro com o seu negócio. O sucesso dos criadores proporciona melhores resultados econômicos para o segmento de melhoramento genético.

BB – O produtor de leite deixa de investir em inseminação artificial quando sofre meses consecutivos com o custo dos insumos nas alturas para alimentação do rebanho? Quais as consequências disso?

NZ – Pois é. Trata-se da indestrutível lei de mercado. É a oferta e a procura regulando o negócio como um todo. Realmente, os últimos anos foram terríveis em termos de custos de produção. Não apenas o milho e a soja, mas também os insumos importados apresentaram elevado aumento e se estabilizaram em patamares bem altos em comparação com o período pré-pandemia. Por outro lado, a renda das pessoas foi afetada e o consumo de produtos lácteos acabou afetado, perdendo espaço. Olhando para o seu negócio, numa situação como essas os produtores de leite tendem a fazer cortes na carne. A genética sofre. Mas é importante lembrar que reduzir os investimentos em genética de qualidade hoje significa comprometer a produtividade no futuro. Os produtores precisam pensar a médio prazo, pois lá na frente o mercado será mais remunerador e ganhará quem estiver melhor preparado para aproveitar essas oportunidades.

BB – Fale sobre as principais tendências tecnológicas na área de melhoramento genético, algumas já sendo praticadas nas fazendas e outras que estão chegando. O que isso representa para a maior profissionalização da pecuária leiteira?

NZ – Destaco a genômica como uma prática cada vez mais necessária. Fazer o perfil genômico do rebanho pressupõe conhecer seus animais ainda melhor, além de saber até que ponto pode contar com eles. Da mesma forma, a genômica contribui para a maior produtividade e para ter animais cada vez mais adequados ao seu projeto, inclusive em termos de ambiência e manejo sanitário. Olhando para a frente, a edição gênica surge como um avanço ainda mais desejado, que se constitui na alteração do DNA para potencializar determinado atributo ou corrigir eventuais problemas identificados. É um futuro fantástico à frente, que contribui para o aumento da produção. O segmento de genética está em um ritmo acelerado de avanço e a Asbia tem um importante papel a desempenhar de apoio a esse processo de transformação.

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