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LEITE EM NÚMEROS

Glauco Rodrigues Carvalho

Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

O gigante adormecido

O Brasil é um Gigante do Leite, mas ainda é um Gigante adormecido.
Entretanto, o setor vem convivendo com mudanças estruturais na produção, com saída de alguns produtores da atividade e maior investimento por parte de outros

O Brasil produz ao redor de 35 bilhões de litros de leite por ano, sendo o quarto maior produtor mundial. O já ocupou a terceira posição, mas nos últimos anos perdeu um lugar no pódio do leite global. A pecuária de leite tem uma característica de estar espalhada por todo o País, apesar da existência de alguns clusters de maior densidade de produção. Do total de 5.569 municípios brasileiros, a produção de leite ocorre em 5.502: 98,7% dos municípios brasileiros produzem leite e, de certa maneira, tudo que envolve essa complexa e importante atividade.

A cadeia do leite é grande em todas as suas dimensões. Pelo último Censo agropecuário, havia no País 1,17 milhão de estabelecimentos agropecuários que produziam leite. Desse contingente, cerca de 634 mil vendiam leite. Em termos de produtores, na Argentina são apenas 10 mil produtores de leite. Nos Estados Unidos 30 mil. Na Europa, a Alemanha tem 57 mil, França 49 mil. A União Europeia inteira possui aproximadamente 1 milhão de produtores.

É uma cadeia longa com o leite sendo aplicado em diversos usos, de cosméticos a produtos para melhoria de performance em atletas. A indústria de laticínios no Brasil é igualmente grande, com mais de 2 mil empresas, distribuídas por todos os municípios brasileiros.

A produção brasileira de leite equivale a três vezes a produção da Argentina e 16 vezes a uruguaia. Aliás, as três mesorregiões mais produtivas do Brasil, Noroeste Rio Grandense (RS), Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (MG) e Oeste Catarinense (SC), possuem individualmente uma produção superior à do Uruguai. O Brasil, deste modo, pode ser denominado de o Gigante do Leite em nível mundial.

No entanto, o Gigante do Leite encontra-se aparentemente adormecido: a produção brasileira de 2021 foi equivalente à de 2014, completando sete anos de estagnação, situação nunca antes observada. Além disso, a produtividade e escala de produção brasileiras ainda são significativamente inferiores à de outros grandes produtores, como Estados Unidos, União Europeia, Argentina e Nova Zelândia. O número de produtores também vem recuando no tempo e, com outras oportunidades que surgiram no setor de grãos, pecuária de corte e arrendamento de terra, é possível que a saída de produtores da atividade tenha se acelerado nos últimos anos. A intensidade no uso de mão de obra e a limitada oferta de trabalhadores para a atividade é outro complicador. Não está fácil conseguir trabalhadores para morar no campo.

Na Figura 1 observa-se uma comparação de alguns indicadores entre Brasil e Argentina, onde se destacam, no Brasil, um elevado contingente de produtores, baixa produtividade dos fatores de produção, ausência de economias de escala, qualidade do leite aquém do desejado e pouca densidade de leite por fazenda. O Brasil se coloca em desvantagem internacional, apesar de características naturais de destaque em termos de terra, água, clima e tecnologia tropical. Infelizmente, o retrato médio ainda é desfavorável.

Apesar da diminuição do número de produtores, muitos dos que permanecem na atividade estão investindo em tecnologias que propiciam o aumento da produtividade e da escala de operação, aumentando a competitividade do setor.

Outra tendência na cadeia do leite no Brasil é agregar valor à pequena produção rural. Nesse sentido, vem ganhando espaço o queijo artesanal, trazendo para o consumidor características distintas para o consumo. É possível encontrar queijos de diferentes regiões, com estágios de maturação distintos, encoberto de histórias de sucesso e superação nessa atividade. Na virada do milênio o Brasil fez um belo trabalho na área de café, capitaneado pela ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café). Hoje é possível comprar cafés variados, de inúmeras cultivares, produzidos em regiões, altitudes e métodos distintos. Isso possibilitou a expansão de toda uma indústria de cafés especiais para ofertar algo que o consumidor deseja, um bom café e sua história de produção. A cadeia de lácteos trilha a mesma direção atualmente com os queijos artesanais, uma excelente alternativa para pequenos e médios produtores de leite.

O Brasil é um Gigante do Leite, mas, pelos desafios já elencados, ainda é um Gigante adormecido. Entretanto, o setor vem convivendo com mudanças estruturais na produção, com saída de alguns produtores da atividade e maior investimento por parte de outros. Observa-se uma dinâmica de consolidação em curso na produção de leite, exigindo maiores investimentos, uma visão de negócios e um volume maior de produção por fazenda. Transformações espaciais e tecnológicas estão construindo a nova realidade da produção leiteira no território nacional.

Coautor: Samuel José de Magalhães Oliveira, pesquisador da Embrapa Gado de Leite

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