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Fazenda 4.0, da Embrapa Gado de Leite, vitrine de inovações, pesquisas e fonte de conhecimentos para produtores (na inauguração do compost barn)

LEITE 4.0

O leite do futuro

Conectado, aberto a inovações, sustentável e biosseguro

É por aí que tem de seguir o produtor de leite – pequeno, médio e grande – para ser profissional e garantir produtividade, qualidade e rentabilidade

Iuri Fontana e Giordanna Neves

Da máquina a vapor, passando pelos motores de combustão, eletricidade, automação, para finalmente chegar à revolução digital. Este foi o caminho percorrido pela indústria ao longo dos últimos séculos até a supernova, badalada e, acima de tudo, conectada revolução 4.0, que se encontra em curso bem diante dos nossos olhos. A onda tecnológica revolucionária que invade parques industriais, transformando a produção por meio da internet das coisas (IoT), nanotecnologia, computação em nuvem e uma série de outros recursos, chega também ao campo com um grande diferencial: a preocupação com o futuro do planeta.

É sob essa perspectiva que nasce conceitualmente a Fazenda 4.0 da Embrapa Gado de Leite. Apoiada em uma série de inovações tecnológicas, a entidade avança sobre uma nova fronteira da pesquisa científica da cadeia produtiva do leite, com olhos apontados para o futuro, mas com os pés no chão do presente, mais especificamente no solo do seu campo experimental, localizado em Coronel Pacheco (MG), onde a revolução 4.0 do campo já está em curso.

Um dos cenários criados pela Embrapa neste complexo é o da pesquisa com a Internet das Coisas (IoT), que possibilita que os mais variados objetos se conectem à internet e interajam entre si. No Campo Experimental, as vacas estão conectadas. Graças a sensores e colares que comunicam dados do animal em tempo real, os pesquisadores da Embrapa, das empresas e das universidades têm a possibilidade de controlar, com maior precisão, por exemplo, se uma vaca está entrando no cio ou iniciando um processo inflamatório.

Todas essas informações são armazenadas em um banco de dados e são desenvolvidos algoritmos capazes de identificar variações nos padrões comportamentais e de produção dos animais, como explica o chefe-adjunto de transferência de tecnologia da Embrapa, Bruno Carvalho. “Quando há uma mudança de comportamento, são gerados alertas automáticos que indicam ao produtor que determinado animal está fora do padrão. Esse alerta pode ser no sentido de avisar, por exemplo, que a vaca X está com uma mudança de atividade, está com uma ruminação menor e ela pode estar doente. E, assim, gera uma tomada de decisão pelo produtor.”

Esse cenário promove a otimização de tempo, pois permite ao produtor focar direto no animal que está com problemas, em vez de ficar preocupado em olhar todo o rebanho para identificar qual apresenta um comportamento passível de intervenção.

Infovias de cabos de fibra ótica – Esse alto grau de conectividade só é possível por causa de um ingrediente imprescindível: uma internet de alta velocidade. No campo experimental em Coronel Pacheco, a solução encontrada foi a criação da Milk Ways, que consiste em quatro infovias de cabos de fibra ótica – um total de 9 km de fios. Os sinais se difundem nas áreas de experimentos por meio de antenas de wireless, criam uma outra dimensão para os projetos de pesquisa em diferentes partes dos cerca de mil hectares que compõem a propriedade. Os estudos apoiados por IoT avançam em Coronel Pacheco, com os pesquisadores preocupados também em descobrir soluções viáveis para implementação de internet de alta velocidade no restante do meio rural brasileiro, que enfrenta uma série de limitações.

 

Bruno Carvalho: “Com estudos apoiados por IoT, nossos pesquisadores preocupam-se também em descobrir soluções viáveis para implementação de internet de alta velocidade no restante do meio rural brasileiro”

Vacas no compost barn, com controle do vento, tendo no pescoço colar com sensor, que monitora seu comportamento e movimentos

“Hoje, basicamente, os produtores usam a rede de celular para acesso à internet. Ainda não há uma disseminação ampla do 4G – apesar de já estarmos aguardando a chegada do 5G. Por isso, precisamos aumentar a conectividade do campo para ampliar o uso da IoT para gerar ferramentas e soluções para o produtor do leite, além, claro, de usarmos o que já é ofertado pelo mercado. A base da Fazenda 4.0 é a garantia de acesso à internet de alta velocidade e com uma cobertura espacial, em diversos pontos da propriedade, com antenas de mais longo alcance”, esclarece Bruno Carvalho.

A Fazenda 4.0, alicerçada em inovações tecnológicas, estabelece uma nova fronteira da pesquisa científica da cadeia produtiva do leite, com os olhos mirando o futuro, mas com os pés no chão do presente – no campo experimental, em Coronel Pacheco

O leite do futuro e o futuro do planeta

Não há como pensar no leite do futuro sem antes pensar no futuro do planeta. O principal laboratório aplicador dessa máxima no campo experimental da Embrapa é o único compost barn instalado em ambiente de pesquisa do País. Essa é uma tecnologia que visa aumentar o bem-estar dos animais, colocando-os em um grande galpão, onde há um controle do vento e, consequentemente, uma redução de temperatura, já que o calor em excesso causa estresse, afetando diretamente a produção do leite. Com o controle dos termômetros e da umidade, o gado ganha a possibilidade de produzir em maior escala, o que reflete diretamente na receita do produtor.

Entretanto, o compost guarda consigo um item elevado de custo: para fazer todo o processo de manutenção do ambiente há um consumo elevado de energia devido aos grandes ventiladores instalados. Os impactos não aparecem apenas no bolso de quem produz, mas também no meio ambiente. E foi pensando nesta conjuntura que a Embrapa, em parceria com a I.S Brasil – empresa especializada em energia solar –, aceitou o desafio de buscar tornar o compost sustentável, com energia 100% limpa, com o uso de placas fotovoltaicas. O projeto, iniciado em 2020, foi finalizado no mês passado, com a instalação de um kit solar no telhado e no chão em sistema On-Grid (conectado à rede da concessionária) e de outro kit gerador do tipo usina híbrida, que trabalha em conjunto com outro sistema de geração elétrica, um aerogerador.

Samuel Oliveira: “A energia solar no compost barn demonstra aos produtores que é possível ter sistemas de produção com menor impacto ambiental, com redução de custos, e onde as pessoas podem aprender como funciona essa geração de energia”

De acordo com o pesquisador em Economia da Embrapa, Samuel Oliveira, há uma pressão muito grande para que a matriz energética tradicional (hidrelétricas) seja mudada na produção leiteira, tendo em vista os problemas de atendimento da demanda de energia no País. “As hidrelétricas não estão conseguindo atender exatamente à demanda de energia no Brasil, gerando as bandeiras tarifárias vermelhas. Tudo isso resulta no aumento de custo da produção de leite. A parceria entre Embrapa e I.S Brasil veio para podermos gerar energia de uma maneira limpa, não só para demonstrar aos produtores que é possível ter sistemas de produção com menor impacto ambiental, com redução de custos, como também ser um local onde as pessoas possam aprender como funciona essa geração de energia.”
No compost da Embrapa, a energia limpa agora se soma ao reuso da água captada pela chuva e estocada, e também ao uso de resíduos, importante para fertilizar as pastagens, já que o substrato, a cama das vacas, é um biofertilizante de qualidade.

Biosseguridade – Não há também como pensar no leite do futuro sem antes pensar em um mundo pós-pandêmico e nos legados que serão deixados pela crise sanitária global. As discussões sobre saúde se aprofundaram em todos os setores e na pecuária não foi diferente. Nessa perspectiva emerge, em caráter urgente, o conceito da biosseguridade na cadeia produtiva do leite.

Compost barn sustentável com energia 100% limpa, com o uso de placas fotovoltaicas

Cerca de biosseguridade, primeira em propriedade leiteira no Brasil

A biosseguridade é um termo usado para abarcar todos os aspectos de prevenção da entrada e da disseminação de agentes causadores de doenças em um rebanho. Adotado na suinocultura desde a década de 1960, o conceito passou, apenas mais recentemente, a ser utilizado na bovinocultura de leite. Quando bem aplicada, a biosseguridade possibilita a promoção da saúde dos animais, desde a redução da ocorrência de doenças até sua erradicação no rebanho. Além disso, quando alinhada ao conceito de saúde única, tem por objetivo reduzir o uso indiscriminado de antibióticos e de outros medicamentos veterinários, diminuindo assim o risco de resíduos no leite.

Neste ano, a Embrapa implementou um rígido e detalhado programa de desenvolvimento de protocolos de biosseguridade em fazendas de leite. O primeiro acordo foi firmado com a Boehringer Ingelheim e inclui protocolos para assegurar proteção para os animais e os trabalhadores, como o controle da ocorrência de doenças nos rebanhos. Essa iniciativa inédita visa promover a segurança do alimento que chega até a mesa do consumidor.

A ideia do protocolo é mapear as diferentes áreas da fazenda e adotar medidas para garantir que os animais fiquem sadios. Isso começa com protocolos sanitários, calendários sanitários com aplicação correta das vacinas, com intervalos corretos, tratamento adequado como controle de carrapato, vermifugação, além de proteção, porque existem doenças que podem vir de fora da propriedade. Animais silvestres, ratos, cachorros, pombos podem transmitir doenças se tiverem acesso aos animais de produção. Pensando nisso, o compost barn da Embrapa Gado de Leite entra novamente em cena, pois o local acaba de receber a primeira cerca de biosseguridade em propriedades leiteiras no Brasil, que impede que esses animais “intrusos” cheguem até o rebanho.

Segundo Bruno Carvalho, a biosseguridade mantém um status de saúde do rebanho mais elevado, com animais mais produtivos, com redução de custos de medicamentos e veterinários. “Isso evita resíduos veterinários no meio ambiente e no leite. E, ao usar menos antibiótico, a gente reduz o desenvolvimento de bactérias super-resistentes, contribuindo para o conceito de saúde pública.”

Além da promoção da saúde dos animais, a biosseguridade, quando alinhada ao conceito de saúde única, tem por objetivo reduzir o uso indiscriminado de antibióticos e de outros medicamentos veterinários, diminuindo assim o risco de resíduos no leite

Silo: o leite do futuro é fora da caixa

Por fim, não há como pensar no leite do futuro sem pensar “fora da caixa”. E é a partir dessa premissa que o Silo Inovação Aberta foi criado, inaugurando uma nova fronteira na busca por soluções para o setor. Falar do Silo é, antes de tudo, falar do Ideas for Milk, projeto de grande impacto promovido pela Embrapa Gado de Leite e considerado o embrião da inovação aberta no setor, como defende o analista científico na Embrapa e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Wagner Arbex. “O Ideas For Milk foi o precursor desse movimento de abrir a nossa cabeça para o ecossistema de transformação da cadeia de valor do leite. Esse movimento foi encampado por empresas, indústrias e pela academia. Nós criamos, a partir do Ideas For Milk, o primeiro ecossistema de inovação do agronegócio no Brasil.”

A partir do plantio do Ideas, floresce o Silo: um hub de inovação dedicado à cadeia produtiva do leite. O projeto é fruto de uma parceria público-privada entre Embrapa e algumas gigantes do mercado, como Microsoft, TIM Brasil, Nestlé do Brasil, Belgo Bekaert, IS Brasil, além da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e a aceleradora corporativa Neo Ventures. Sua criação se pauta na busca por soluções para o agronegócio brasileiro, por meio de Inovação Aberta, reunindo competências colaborativas de empresas e instituições para gerar impacto zero em termos de emissão de gases do efeito estufa, para reduzir as desigualdades sociais em todas as suas dimensões e para assegurar ganhos econômicos aos stakeholders envolvidos com a produção de alimentos, energia e fibras.

Wagner Arbex: “O Ideas For Milk foi o precursor desse movimento de abrir a nossa cabeça para o ecossistema de transformação da cadeia de valor do leite”

O projeto é fruto de uma parceria público-privada entre Embrapa e algumas gigantes do mercado, como Microsoft, TIM Brasil, Nestlé do Brasil, Belgo Bekaert, IS Brasil, além da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e a aceleradora corporativa Neo Ventures

“Nenhuma grande empresa faz inovação disruptiva sozinha hoje em dia. Uma grande empresa tem tantos controles que matam a inovação. Por isso, ela tem que se associar a jovens que pensam fora da caixa”, explica o chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, Paulo do Carmo Martins. O hub permite a conexão de startups com empresas líderes de tecnologia da informação e comunicação, uma aceleradora, agentes do agronegócio, investidores e todo o corpo técnico da Embrapa, além das melhores universidades brasileiras, que integram a Rede Inova 4.0, criada em torno do Silo.

Como funciona?

A metodologia foi desenvolvida pela aceleradora corporativa Neo Ventures. O primeiro passo é realizar um workshop para levantamento de desafios e dores internas da empresa (challenge), evoluindo para a etapa de categorização e priorização das situações levantadas. A partir dessas informações, é realizada uma chamada pública para a apresentação de rotas de solução para os desafios propostos, seguida da busca de startups com propostas para as dores da empresa (hunting).

São selecionadas as três melhores rotas de soluções apresentadas e, posteriormente, uma discussão com especialistas (bootcamp) para o refinamento da solução entre a startup e a empresa. Na sequência, é desenvolvida uma POC (Prova de Conceito) para verificação da viabilidade da solução. Em caso de validação, o negócio é fechado entre a startup e a empresa demandante. Neste ponto do projeto, existem possibilidades de compartilhamento de resultados durante a trajetória de desenvolvimento e da comercialização com as empresas participantes da iniciativa (roadshow).

Na reta final, são executadas as etapas de aceleração, com indicação de startups para o programa de aceleração do Silo, e de mentorias, com a participação ativa no processo de desenvolvimento das startups indicadas. Fecham a cadeia do programa de inovação a etapa de investimento, na qual é possível aplicar recursos nas startups, e da colheita dos resultados e soluções desenvolvidas.

Paulo Martins: “Com o Silo, estamos criando oportunidades para os jovens que querem transformar o mundo, mas muitas vezes não encontram a chance para isso”

Parcerias que mudam o mundo – Um dos exemplos de aplicabilidade do Silo é o da Nestlé do Brasil. A organização tem o compromisso global de neutralizar as emissões de carbono de suas operações até 2050. Como a Nestlé vai levar seus produtos para a casa das pessoas emitindo carbono zero? As startups estão aí para encontrar essas soluções e o Silo é a grande ponte entre as partes.

De acordo com a gerente de desenvolvimento do fornecedor e qualidade da Nestlé, Barbara Solero, a inovação aberta gera uma grande oportunidade para que sejam encontradas diferentes respostas para os desafios da companhia. “Para acelerar soluções, é preciso estar ao lado dos parceiros que estão nessa jornada, como startups que trazem um olhar inovador para soluções que, muitas vezes, não encontraríamos sozinhos.”

A Microsoft é parceira da Embrapa em projetos como o Ideas for Milk e o Compost Barn. O intuito da conexão, segundo o diretor de tecnologia da empresa, Ronan Damasceno, é incentivar a inovação no agronegócio brasileiro. “Agora, a partir do Silo – Inovação Aberta, queremos expandir nossos esforços para que os atuantes do setor possam conquistar ainda mais. Dessa forma, vamos apoiar as startups participantes do projeto por meio do Microsoft for Startups, iniciativa global que tem o objetivo de acelerar o crescimento das startups em todo o mundo.”

Para Marcio Lopes de Freitas, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), o Silo é o lugar apropriado para pensar diferente, para ousar, para criar novidades que tragam o bem para toda a humanidade. “A OCB tem orgulho de ser parceira em mais esta iniciativa da Embrapa e será a primeira a estrear o Silo com o Inovacoop – um programa de inovação voltada para as cooperativas do agro –, que se inicia no dia 13 de setembro”, afirma Freitas.

O leite do futuro vem para revolucionar o setor, e, se depender das ambições da Embrapa e de seus parceiros, vem também para mudar o mundo. “O setor privado está se juntando à Embrapa. Estamos criando um novo patamar, mirando uma modernidade focada no consumidor e no planeta. Além disso, estamos criando oportunidade para os jovens que querem transformar o mundo, mas muitas vezes não encontram a oportunidade. O Silo vai possibilitar isso, apoio para que eles transformem ideias em realidade”, conclui Paulo do Carmo Martins.

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