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TENDÊNCIAS

Pedro Braga Arcuri

Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

  A cadeia do leite demonstrou ao longo de 2020 sua resiliência, respondendo às mudanças impostas pela pandemia”

O mundo não vive sem vacas

O início da distribuição de vacinas contra o coronavírus foi a melhor notícia deste começo de ano. E, para o agronegócio brasileiro, temos outra: a previsão de que o setor deverá voltar a bater recordes no comércio exterior, ajudado pela manutenção dos preços em patamares elevados lá fora e pelo real desvalorizado.

Conforme apontam diversos estudos da Embrapa, para a cadeia produtiva do leite entraves surgidos com a pandemia foram aos poucos sendo superados, com bastante maturidade e de olho nas demandas dos consumidores. Como resultado, os produtores tiveram aumento de margens, apesar da alta dos custos de produção. Para 2021, há um otimismo moderado, na expectativa de que a vacinação crie efeitos multiplicadores na reabertura mais acelerada da economia, incluindo o crescimento do consumo de lácteos.

Não à toa, empresas globais de lácteos participam ativamente do mercado brasileiro, em razão do nosso enorme mercado interno e da possibilidade cada vez mais próxima de o Brasil se tornar, além do quarto maior produtor mundial de leite, um exportador regular de lácteos com valor agregado. A cadeia do leite demonstrou ao longo de 2020 sua resiliência, respondendo às mudanças impostas pela pandemia.

Neste ambiente de grandes mudanças, e fazendo um contraste com toda a pujança da cadeia do leite, dois executivos da instituição promotora dos lácteos e sem fins lucrativos Global Dairy Platform, M. Kanter e D. Moore, publicaram recentemente um exercício de imaginação que me surpreendeu: O Mundo sem Vacas (no original, A World without Cows; Nutrition Today 55(6):283, 2020 DOI: 10.1097/NT.0000000000000441). O texto é uma demonstração do decrescente impacto da atividade leiteira ao ambiente, cientificamente fundamentado, em contraponto aos impactos ambientais de outras indústrias que foram afetadas pela pandemia.

Tomando a poluição do ar como parâmetro, foram observadas reduções próximas a 25% em emissões de gases de efeito estufa (GEE) em muitas regiões do planeta, em especial nas grandes cidades dos Estados Unidos, China e União Europeia durante a pandemia, devido principalmente à redução no uso de transporte e da atividade industrial. Contudo, críticos da atividade agrícola, e da pecuária em particular, argumentam que os animais e em especial os ruminantes são mais importantes como causa do aquecimento global, o chamado efeito estufa.

Como seria um mundo sem vacas? Apesar de os ruminantes de fato emitirem gases causadores do efeito estufa, eles reciclam forragens e subprodutos (farelo de soja, caroço de algodão, etc.) que não são alimentos para humanos e poderiam ser fonte de poluição do ambiente. Além disso, o melhoramento animal e o uso de boas práticas de produção nas fazendas e nos laticínios são tendências tecnológicas cujo uso crescente tem aumentado significativamente a eficiência de toda a cadeia produtiva, o que resulta em balanço da pegada de carbono do setor leiteiro próximo de zero, o “leite baixo carbono” que comentaremos em outra oportunidade.

Porém, num mundo sem vacas certamente seria muito mais difícil alimentar adequadamente uma população global crescente com proteínas e nutrientes de qualidade, necessários para o bom funcionamento do cérebro para operar máquinas e computadores. Ademais, economias e culturas de comunidades inteiras, Estados e países sofreriam tremendamente se esta importante fonte de renda e segurança social desaparecesse.

Aqueles autores demonstram, com referências científicas, que a quantidade de poluição causada pela atividade leiteira é muito menor do que várias atividades industriais. E concluem que o custo-benefício de não contarmos com vacas no futuro, essa importante fonte de nutrientes, de estabilidade econômica e cultural por milhares de anos, é demasiadamente alto para a humanidade.

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