CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Chefe-geral da Embrapa Gado de Leite

 Como não exportamos grandes quantidades, cada variável interna passa a ter um peso muito elevado na formação de preços e todas sem o controle do produtor”

O que define o preço do leite?

Analiso o mercado de leite brasileiro desde 1985 e várias situações se repetem com o passar dos anos. Os preços ao produtor são voláteis e há períodos em que a diferença entre o mês de maior e de menor preço chega a 40%. Quem compara com o comportamento de preços de grãos ou mesmo das carnes fica estarrecido. Afinal, como investir com segurança na atividade, se a receita futura pode variar de modo imprevisível?

Mas, se comparamos com a olericultura, o leite apresenta preços muito mais estáveis. É o que diz a família Sekita, que está nos dois ramos. Tomate, cenoura, pimentão e beterraba são produtos cujos preços oscilam tanto, que o produtor pode enricar num ano e quebrar no outro. Por isso, tem de poupar no ano bom para pagar as contas no ano ruim. O motivo dessas oscilações está, de um lado, no fator climático, que interfere na quantidade ofertada, e, de outro, nas condições da economia, que interferem na demanda.

Porém, o que explica essas grandes oscilações é o fato de as olerícolas não contarem com um mercado internacional institucionalizado. Se houvesse, em momentos de oferta elevada frente à baixa demanda, os produtores poderiam exportar o excedente. O leite tem este mercado, mas não participamos dele continuamente. Café, soja, milho, carne, aves e suínos têm preços regulados pelo mercado internacional, formados pela demanda e oferta de vários países. Naturalmente, os preços são muito mais estáveis. Já no caso do leite brasileiro, não participamos efetivamente do mercado internacional e não temos esta válvula de escape.

O mecanismo de formação de preços ao produtor no Brasil é sujeito ao humor de vários mercados. Isso leva alguns produtores a reivindicarem a intervenção do governo em momentos de crise. Desconhecem o passado. O tabelamento é a única justificativa a explicar o atraso do setor durante tantos anos. Somente iniciamos o processo de organização sob a ótica de cadeia produtiva a partir da decretação do fim do tabelamento, ocorrido logo nos primeiros meses da gestão do presidente Collor.

Como não exportamos grandes quantidades, cada variável interna passa a ter um peso muito elevado na formação de preços e todas sem o controle do produtor. A principal é a cotação do dólar, que é influenciada pelo comportamento dos indicadores da economia. Se a moeda nacional se desvaloriza, o dólar fica caro e o leite importado também. Então, o câmbio cria uma barreira natural para a importação. A segunda variável em importância é a cotação do leite em pó no mercado internacional.

No mercado interno o preço é afetado por variáveis diferentes. Sob a ótica da oferta, um fator fundamental é a disponibilidade e a regularidade de chuvas. Chover no momento certo infuencia positivamente a disponibilidade de pastagens. Apesar de a produção em sistemas confinados à base de concentrado estar em crescimento, o fator chuva ainda define o volume de leite ofertado. Sua regularidade também, principalmente no Rio Grande do Sul.

O preço de grãos também afeta a oferta, pois alimentação é o principal item de custos de qualquer propriedade. Embora preço não esteja diretamente relacionado a custo, a redução de margens do produtor reduz o uso de ração, que reduz a oferta de leite. Afinal, diminuir gastos com ração é um dos poucos itens que um produtor tem no curto prazo para equilibrar o seu caixa. Ainda pela oferta, é relevante o comportamento de preços do gado para abate. O peso dessa variável vem caindo em termos de importância, dada a especialização em curso na atividade leiteira. Mas deve ser considerada.

Pelo lado da demanda, o principal fator de influência é a inflação. Quanto mais elevada for, menor será o poder aquisitivo do consumidor e cairá a demanda por leite e derivados. Também, em igual importância, está o nível de emprego na economia. Com perspectiva de desemprego, as famílias cortam gastos. Portanto, os sinais da economia agem diretamente sobre o setor.

O produtor vem recebendo preços bem elevados, se comparados com os últimos cinco anos. Alguns fatores estão contribuindo para este quadro. A começar pelas duas variáveis mais importantes, sob a ótica da oferta. Os preços do leite em pó estão estáveis e acima dos US$ 4 mil, cerca de 30% acima dos preços verificados nos últimos dois anos. Além disso, o dólar tem se mantido acima do patamar de R$ 5,40. Isso cria uma barreira natural a importações predatórias. Some-se a isso o elevado custo da ração, que subiu cerca de 60% desde o início da pandemia. Isso tem desestimulado a oferta. Para completar, o preço da carne vermelha está convidativo ao abate.

Sob a ótica da demanda, os laticínios têm tido dificuldades de colocação do produto no mercado. O poder aquisitivo da população continua caindo em função da inflação elevada, principalmente dos alimentos. Também é recorde o nível de desemprego, tanto no mercado formal quanto informal. Mas o cenário não é bom, mesmo com preços altos, por causa de margens apertadas para o produtor. E não deve melhorar.

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