balde branco

CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Economista, doutor em Economia Aplicada pela Esalq/USP, professor da Escola de Negócios (FACC/UFJF)

 Foi com o Castanho que aprendi que meus patrícios do Sul aprenderam a fazer suas delícias depois que o município de Cruzília recebeu uma leva de migrantes queijeiros, vindos
da Dinamarca”

Obrigado, Castanho!

Conheci João Castanho Dias há dezoito anos. Já no primeiro contato me senti próximo dele. Fina inteligência, culto e de alma leve, ele tinha um projeto de escrever um livro sobre a história do leite no Brasil. Corria o ano de 2005. Eu havia lido o seu livro lançado no ano anterior, em comemoração aos 450 anos da cidade de São Paulo. Em “O leite na Pauliceia”, Castanho garimpou fotos e fatos, que revelam a trajetória do leite na principal cidade do País, com seus laticínios no bairro do ‘Braz’ e as vacas disputando espaço com os bondes nas ruas do centro.

Castanho nos mostrou que o leite paulistano nos legou a Cooperativa Paulista, a revista Balde Branco e marcas lácteas icônicas. Então, vislumbrei a importância de um livro sobre o leite no Brasil, escrito por ele. Perguntei à Nestlé se havia interesse em patrocinar este livro, que teria o apoio técnico da Embrapa Gado de Leite. E, em 2006, Castanho curou um pouco da nossa ignorância, ao lançar o livro “500 anos de leite no Brasil”.

Tenho oito livros publicados pelo João Castanho em minha biblioteca. Todos autografados por ele. Cinco sobre o mundo do leite. Além dos dois livros citados, ele escreveu “As raízes leiteiras do Brasil” e dois livros sobre queijo. O “Uma longa e deliciosa viagem” nos leva pela história do Brasil, tendo o queijo como fio condutor. Em “Duas unhas de queijo”, ele nos fala dos queijos “terroir” do Brasil.

Usando o termo chique “terroir”, muito antes dos queijos artesanais caírem no gosto nacional e começarem a ganhar prêmios internacionais, Castanho nos apresentou os queijos do Planalto Paulista, da Serra do Salitre, da Serra da Canastra, da Ventania (Araxá), da Ilha do Marajó, da Serra da Mantiqueira, do Serro e do Planalto Catarinense.

Nos seus livros, aprendi que Colombo está na origem da nossa alimentação diversificada. Foi ele quem trouxe para este continente as bezerras, cabras, ovelhas, porcos e sementes de laranja, limão, cidra, melão e hortaliças, em 1493.

Eu nunca poderia imaginar que a pacata praia de São Vicente, no litoral paulista, fosse o local da chegada das vacas, no Brasil, há 491 anos. Nem que o primeiro fazendeiro tivesse sido o jesuíta Padre Manoel da Nóbrega, que criou uma estrutura para prender os animais leiteiros, em 1552, há 469 anos. Já o primeiro registro de ordenha em solo nacional é um quadro feito em 1641, por pintor holandês, nos tempos em que Recife era dominada pelo holandês Maurício de Nassau.

Desde 1581 os padres Jesuítas fabricavam queijo em Salvador e o mesmo fazia Padre José de Anchieta, em São Paulo. Há registros do queijo ocupando destaque no gosto das elites de Recife, já em 1639, e que, nesta época, os gaúchos o produziam para autoconsumo. Mas Castanho descobriu que o primeiro laticínio empresarial surgiu em Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira, em 1888. E Alberto Santos Dumont – o pai da aviação -, foi um de seus fornecedores de leite, produzido por gado holandês importado.

Se os portugueses e holandeses foram nossos primeiros fazendeiros, ordenhadores e queijeiros, os nossos primeiros leiteiros foram os escravos. A eles cabia entregar o leite em domicílio, uma prática que vigorou nas grandes cidades até os anos sessenta do século passado, como regra, mas que ainda ocorre em cidades menores até hoje. E foi um holandês, o Joan Nieuhof quem criou o nosso tradicional café com leite. Aliás, você conhece outro povo que faça a mistura dessas duas bebidas com tanta naturalidade e de modo generalizado, como nós?

Sempre admirei os queijos do sul de Minas, muito apreciados em São Paulo. Pois, foi com o Castanho que aprendi que meus patrícios do Sul aprenderam a fazer suas delícias depois que o município de Cruzília recebeu uma leva de migrantes queijeiros, vindos da Dinamarca, para ali se instalarem em definitivo.

No Campo Experimental da Embrapa Gado de Leite, em Coronel Pacheco (MG), o pavilhão principal leva o nome de Odilon Braga. Por sinal, avô de um emérito colunista desta revista, notório pesquisador da Embrapa Gado de Leite, o Dr. Pedro Braga Arcuri. Pois, ao ler o livro “A terra prometida de Lavras”, me deparei com a existência, também na Universidade Federal de Lavras, do Pavilhão Odilon Braga, um histórico prédio. Para minha surpresa, Castanho relata que o referido Odilon era mineiro da minha cidade natal – Ubá!

Odilon Braga foi deputado estadual, federal e ministro da Agricultura. Com a chegada de Getúlio ao poder, ele liderou o “manifesto dos mineiros” contra a ditadura Vargas. Com o fim da ditadura, foi deputado federal até falecer. Odilon liga a UFLA à Embrapa Gado de Leite, ao ser lembrado pelas duas instituições de modo idêntico, homenageando um democrata que valorizava a ciência e a democracia.

Castanho foi produtor de leite, lembrado como jornalista. Formado em Direito, para mim Castanho foi pesquisador, educador, historiador. Por meio de fotos, pinturas e textos Castanho nos ensinou, como ninguém, sobre o nosso setor. Deixa um legado fundamental. Obrigado, Castanho!

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