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Estudo aponta a viabilidade do uso de robô de ordenha em sistema de pastejo

TECNOLOGIA

Ordenha voluntária a pasto:

um modelo alternativo para o futuro

Pesquisadores realizam estudo inédito em condições tropicais sobre o desempenho de vacas em pastagem com o uso de robô para tirar leite

Luiz H. Pitombo

Como poderão estar organizados os sistemas de produção de leite no País daqui a alguns anos? Foi pensando na resposta a esta questão que se instalou em São Carlos (SP), na Embrapa Pecuária Sudeste, o que seria um novo modelo de produção a pasto em condições tropicais. Nele estão considerados aspectos importantes de sustentabilidade, bem-estar animal, conforto térmico e ordenha voluntária, também conhecida por robotizada, quando a vaca é que decide quando será ordenhada.

O equipamento, que está com pouco mais de um ano funcionando na unidade, é utilizado principalmente em rebanhos confinados e em alguns países algo também a pasto, como no Chile, na Irlanda, na Nova Zelândia e na Austrália, porém em clima temperado com outros tipos de forrageiras e de animais.

Sua inclusão no sistema da Embrapa, localizado dentro da Fazenda Canchim, se deu pela questão recorrente da falta de mão de obra, que afeta produtores brasileiros e de outros países. “Independentemente do tipo ou do porte da propriedade, este é um dos primeiros problemas que afetam a produtividade, apontado pelos produtores. A pecuária leiteira é intensiva em mão de obra, e devido à sua falta, os custos e a legislação trabalhista não são adequados ao campo”, justifica o engenheiro agrônomo André Novo, chefe adjunto de Transferência de Tecnologia e Inovação da unidade. Ele também coordena o Programa Balde Cheio e está à frente do projeto, junto com os pesquisadores Marco Bergamashi e Teresa Cristina Alves.

André Novo: “Busca-se verificar o melhor procedimento para rodízio dos piquetes visando maximizar o uso do robô, o melhor tipo de animal, além do bem-estar, da redução das emissões de carbono e da pegada hídrica do sistema”

Além de enfrentar a escassez de mão de obra, o equipamento traz alguns outros benefícios, de acordo com o agrônomo. É um processo mais amigável para as vacas, que o procuram só quando sentem necessidade e, por ser automatizado e mecânico (limpeza, pré e pós-dipping, colocação das teteiras e outros), o processo é sempre feito da mesma forma e com o mesmo cuidado, quando se ganha na qualidade do leite e no controle da mastite, o que já está comprovado, segundo informa. Outro aspecto importante é sobre o grande volume de informações e dados que o equipamento é capaz de captar e que podem ser acessados online pela equipe de onde esta estiver, para saber o que está acontecendo.

Como está montado – O sistema da Fazenda Canchim é formado por 5,8 hectares para a realização da integração lavoura/pecuária/floresta (ILPF); 5,6 hectares estão com integração pecuária/floresta (IPF) e 4,6 hectares com irrigação. Nesta, os animais pastejam à noite na estação das águas. Na estação seca, o pasto recebe sobressemeadura de aveia, azevém e trigo forrageiro para uso no período. A suplementação com silagem de milho a campo ocorre de maio até outubro, em cochos móveis do tipo trenó, e as vacas em produção sempre recebem o concentrado automaticamente na ordenha. A área irrigada está com o Panicum maximum Tamani e, o restante, com a Brachiara brizantha Paiaguás.

Estrategicamente localizado e com bons corredores, está o centro de manejo com a ordenha, que é de fácil acesso aos animais. As árvores plantadas há cinco anos são todas eucalipto citriodora (Corymbia citriodora).

A produção total, que não representa todo o seu potencial, está entre 1.200 e 1.300 litros de leite/dia. Considerando o equipamento, foi identificada uma ociosidade perto de 40 vacas, superando as 60 inicialmente previstas. A utilização ao máximo do robô é fundamental para amortizar o elevado investimento.

Os resultados e as possíveis recomendações dos estudos em andamento sobre a ordenha voluntária, como informa o agrônomo, serão válidos para qualquer tipo de sistema a pasto no trópico.

Dentre as informações pesquisadas, se busca verificar qual o melhor procedimento para rodízio dos piquetes, visando maximizar o uso do robô, o melhor tipo de animal, além de questões como as relacionadas a bem-estar, redução das emissões de carbono e da pegada hídrica do sistema.

Estrategicamente localizado e com bons corredores, está o centro de manejo com a ordenha, que é de fácil acesso aos animais. As árvores plantadas há cinco anos são todas de eucalipto citriodora

Primeiros dados e médias – Considerando o período compreendido entre junho de 2021 e junho de 2022, os dados iniciais mostram que ocorreu uma média de 1,84 ordenha/vaca/dia, “o que está próximo do que esperávamos de duas ordenhas diárias”, comenta o agrônomo.

Na época seca e mais fria do ano, a média foi a de 2,2 a 2,3 ordenhas/vaca/dia, enquanto no verão ela ficou entre 1,7 e 1,6 ordenha, redução justificada pelo calor, maior permanência dos animais na sombra e por causa da chuva. Mas o pesquisador comenta que essas variações não têm mostrado reflexos grandes na sanidade da glândula mamária e que as diferenças também dependem muito de cada animal. Por exemplo, se é mais ativo ou preguiçoso. Na literatura são citadas médias entre 2,7 e 3,2 ordenhas/dia em sistemas confinados e um tempo médio geral de ordenha de sete minutos, bem similar à média obtida no estudo brasileiro de 7,23 minutos. São procuradas, na seleção, vacas com menor tempo de ordenha.

Quanto à produção de leite, ela atingiu a média de 20,14 litros/vaca/dia no período entre 2020/21, sem alteração significativa em relação ao sistema de ordenha convencional. “Com este volume, que está dentro da expectativa, as duas ordenhas voluntárias ao dia estão adequadas”, avalia o pesquisador.

Atualmente, o sistema conta com 195 animais, dos quais 56 vacas em lactação. Tradicionalmente a unidade trabalhava com vacas Holandesas, mas foi introduzida há alguns anos a raça Jersey. Com o sistema a pasto isso se mostrou interessante porque os animais anteriores eram muito grandes, não se mostravam tão dispostos a caminhar, além do que a dieta proposta a pasto não era a mais adequada.

Assim, se começou a introduzir genética da Nova Zelândia com sêmen das raças Holandesa, Jersey, bem como da própria cruza Jersolando, chamada de Kiwi, que hoje predomina no rebanho em diferentes graus de sangue. “São animais de menor porte e produtivos, que andam no pasto, são mais ativos e eficientes do ponto de vista reprodutivo”, avalia o chefe adjunto. Também houve aumento do teor de sólidos no rebanho pelo Jersey. Embora não tenha experiência com gado zebuíno e sua cruza Girolando, o pesquisador acredita que possam ser viáveis na ordenha robotizada, desde que sejam de temperamento calmo, não exijam bezerro ao pé e sejam igualmente treinados.

Numa compilação preliminar de dados, comparando algumas características entre os diferentes grupos genéticos do sistema, em particular as vacas Holandesas, as F1 Holandesa X Jersey e as Kiwi, quase não aconteceram variações importantes entre eles na duração da ordenha, na produção por ordenha, no intervalo entre as ordenhas e ocorrências anormais durante a ordenha.

A adaptação ao novo sistema exigiu empenho de tratadores e mais atenção aos animais. Os dois primeiros meses foram os mais desafiadores, como admite o agrônomo, para mostrar às vacas o caminho da ordenha e o fato de que dentro seria fornecido concentrado. “Para algumas novilhas foi utilizado o cabresto no treinamento, mas conforme os animais iam se adequando todos os demais aprendiam o caminho sem problema”, diz. O aprendizado, como avalia o pesquisador, requer o mesmo grau de dedicação se os animais fossem oriundos de confinamento ou pasto.

Com base no cruzamento das raças Holandesa e Jersey, predominam no rebanho animais de menor porte e produtivos, que andam no pasto e são mais ativos e eficientes do ponto de vista reprodutivo

Dificuldades comuns – A médica veterinária Teresa Cristina Alves, pesquisadora do projeto e gestora do sistema de produção de leite da unidade, explica que cada animal carrega dois sinalizadores importantes. Na orelha fica um botom que atua na ordenha, identificando a vaca e liberando, ou não, sua entrada naquele momento. O outro é um colar para medição de atividade do animal (cio, doenças ou parto).

No dia a dia, Teresa Cristina conta que o equipamento apresentou algumas interrupções em seu funcionamento, que são comuns em qualquer propriedade. Ela cita a falta de energia elétrica ou a de água. Em duas ocasiões foi necessário controlar pequenos roedores silvestres atraídos pela ração e pelo abrigo, que acabavam por roer mangueiras. Também ocorreu o caso de as teteiras caírem, ficarem sujas e outras questões, com o próprio robô identificando que algo estava errado, levando à interrupção de sua operação. Independentemente se o sistema for confinado ou a pasto, ela acredita que os problemas seriam similares.

Para Teresa Cristina, é viável a adoção da ordenha voluntária a pasto, mas é preciso que a propriedade tenha um mínimo de tecnificação e boa logística de circulação para os animais

Mas a veterinária frisa que não foram paradas longas e sim de algumas horas que não trouxeram prejuízo, apontando também que a assistência técnica fornecida por aplicativo foi de boa utilidade.

A gestora do sistema cita o alto custo de instalação do robô e a importância de que seja ocupado ao máximo. Ainda não existem cálculos mostrando o retorno e o tempo para quitação do investimento, mas já foi estabelecido um valor básico para a manutenção, considerando produtos (detergentes, troca de teteiras, etc.) e assistência técnica. Tomando por referência a ordenha de 70 vacas mantidas a pasto, com média de 20 litros/dia, com o leite cotado a R$ 2,61/litro, o valor atingido foi de R$ 0,133/litro. “Esse custo é compatível com uma ordenha convencional”, pondera.

Como desafios, a veterinária aponta a necessidade de se garantir a boa qualidade da energia e o controle dos roedores, além de cuidar da durabilidade e da manutenção do sistema todo. Como ainda possuem animais com cerca de 800 kg de peso e outros com perto de 500 kg, que deverão predominar, conta que merece atenção a adaptação do boxe para que fique confortável para todas. Igualmente procuram uma maneira de otimizar o consumo de concentrado durante a ordenha para alguns dos animais que necessitam de uma quantidade maior.

A pesquisadora admite que também é um desafio “analisar o infinito volume de informações disponíveis sobre os animais e produzir informações de interesse ao pecuarista de leite para o melhor gerenciamento de todo o sistema a pasto”, afirma.

Para adotar o robô a pasto – Baseada em sua experiência e em dados da literatura, a veterinária Teresa Cristina conta que os produtores que normalmente investem no sistema têm uma visão empresarial e maiores índices de produção. Também são os mais jovens que costumam adotá-lo, com ele gerando ganhos com menos doenças e maior conforto.

Um aspecto que destaca é a mão de obra que irá atuar no equipamento, exigindo uma formação que lhe permita lidar com o sistema e as informações geradas para a tomada de decisões.

Sobre a questão se já seria viável para um produtor adotar a ordenha voluntária a pasto, ela é da opinião de que seria possível. Mas salienta que a propriedade precisa ter uma boa logística de distribuição do espaço para que os animais tenham uma boa circulação.

“A propriedade também precisa de um mínimo de tecnificação, com o produtor já dominando a ordenha convencional”, diz. Respeitando esses aspectos e seguindo a orientação do fabricante, considera que é possível adotá-lo com facilidade. Quanto ao tipo do equipamento em si, independentemente da marca, ela diz que é utilizado o mesmo dos sistemas confinados, cujo preço gira em torno de R$ 1,2 milhão. No caso foi utilizado o da empresa De Laval, que participou do respectivo edital.

A médica veterinária acrescenta que a questão da mão de obra ficou bem facilitada no sistema, trouxe economia de funcionários, além do que permitiu uma gestão baseada nas informações online.

Ela classifica de “promissora” a viabilidade técnica do equipamento a pasto e acredita que vai funcionar tranquilamente.

O módulo de produção com sua integração com lavoura e floresta já está praticamente todo finalizado e operando com a nova ordenhadeira, bastando alguns acertos como para a produção do milho para silagem e a implantação da área de tratamento de dejetos.

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