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Mais sólidos no leite, maior rendimento na fabricação de derivados lácteos

SÓLIDOS DO LEITE

Pagamento por sólidos

eleva a cadeia do leite a um novo patamar

Esse modelo de pagamento, esperado há muitos anos, começa a engatinhar e já aponta para novos e promissores cenários na pecuária leiteira

Erick Henrique e João Antônio dos Santos

A remuneração do leite por sólidos totais é prática comum em países de pecuária avançada. No Brasil, um modelo desse tipo começou a valer a partir de outubro, em iniciativa pioneira do Laticínio Verde Campo, de Lavras (MG). Antes, a partir de 2018, a Danone instituiu o Programa Mais Sólidos, em que premia os produtores que fornecem leite com teores maiores, sobretudo em proteína e gordura. Tais iniciativas têm grande potencial para impulsionar a produção profissional: alta qualidade da matéria-prima com maior rendimento industrial. Numa só expressão: bom para o produtor e para a indústria.

Segundo o gerente de Captação de Leite da Verde Campo, Sávio Santiago, essa inovação tem origem no programa “Mais Leite, mais Sólidos”, criado em 2014 com o objetivo de melhorar, por meio da genética, da nutrição e do manejo, o teor de sólidos totais do leite de produtores da região. Foram várias etapas e ações, com o programa trazendo genéticas que não chegavam ao Brasil, especializadas em sólidos. Essa tecnologia beneficiou os produtores por meio do fornecimento de sêmen e da doação de embriões. “O projeto conta com alto investimento e, desde a sua adoção, já se pensava que mais à frente passaríamos ao pagamento por sólidos totais do leite, etapa que está sendo cumprida agora na Verde Campo.”

Ele observa que a ideia foi preparar os produtores para que a mudança ocorresse sem impacto. O programa ainda está ativo e continua com as mesmas ações para chegar a outros produtores. “Ao mesmo tempo, continua-se aprimorando essa genética mais especializada em sólidos, de origem neozelandesa, holandesa, canadense e estadunidense, assim como o ajuste fino da nutrição.”

Sávio Santiago: “Graças ao programa houve um aumento de 8,5% no teor de sólidos no leite captado pela empresa. Com certeza, com o novo modelo de remuneração, teremos um salto bastante interessante”

Em relação às raças, o programa não recomenda mudar a que o produtor já tem na propriedade. O Verde Campo procura, por isso, trabalhar a raça com a qual a propriedade rural se identifica. “É claro que produtores que utilizam Jersey e Jersolando conseguem melhor resultado em termos sólidos, pois é uma característica da raça”, assinala.

Santiago relata que, nesse tempo do programa, foi registrado um porcentual de 8,5% no aumento dos sólidos totais no leite captado pela Verde Campo. “Essa melhoria vai ser mais intensa à medida que forem entrando em produção animais geneticamente melhorados no quesito sólidos do leite. Com certeza, com o incentivo de pagamento por sólidos totais, teremos um salto bastante interessante”, avalia.

Ele explica que, no modelo de pagamento instituído pela Verde Campo, os sólidos totais do leite são transformados em quilos, sendo que o quilo tem um valor específico, estabelecido com base em um indexador, dentro do contrato. Este indexador dá uma avaliação mensal em cima do que ocorre com o mercado leite. E o produtor passa a receber determinado valor sobre os sólidos.

Para a indústria, o pagamento por sólidos totais traz expressivos benefícios, pois, quanto maior o seu teor, maior é o rendimento no processamento dos derivados lácteos. Pelo lado do produtor, que está bem preparado e obtém um teor de sólidos interessante na matéria-prima, isso representa um diferencial de valor agregado. E, finalmente, para os consumidores, o benefício é um produto de qualidade superior.

Produtores entusiasmados – O produtor Itamar Dutra Pereira de Resende, da Fazenda Campo Alegre, em Ritápolis (MG), é um dos primeiros fornecedores da Verde Campo a receber por sólidos totais do leite. Engenheiro agrônomo, assumiu em 2015 a direção da propriedade da família, que também produz grãos. “Superada uma séria crise de gestão, a partir de então começamos a investir na atividade leiteira com base em um plano ousado para torná-la um negócio rentável e chegar em 2026 aos 30 mil litros de leite por dia”, relata.

Nos 542 hectares da propriedade (mais uma parte arrendada), os dois negócios são separados: leite e produção agrícola, cada um com suas contas. Para a atividade leiteira são destinados 74 hectares, onde abriga 404 animais da raça Holandesa e algumas vacas Jersey, em regime de confinamento de compost barn. As 160 vacas em lactação produzem na média de 4.800 a 4.900 litros de leite por dia. O restante são 26 vacas secas, 111 novilhas com mais de 12 meses e bezerras até 12 meses.

A média de CCS está abaixo de 300 mil células somáticas por mililitro e a contagem bacteriana total (CBT) abaixo de 10 mil UFC/ml. Quanto ao teor de sólidos, os resultados são esses: gordura, 3,98%; proteína, 3,27%, e lactose, 4,72%. “Ao longo desses anos, viemos ‘reinventando’ o negócio aos poucos, investindo continuamente em tecnologias e na gestão profissional para conseguir atingir a meta. E assim fomos avançando, pagando o presente e o passado e crescendo”, observa o criador.

Um dos pontos fortes da fazenda sempre foi o melhoramento genético das Holandesas, que vem sendo intensificado com foco em sólidos do leite, bem como ajustando a nutrição e o manejo desses animais. “O que estamos fazendo também é elevar a participação da raça Jersey no rebanho até chegar a 50% das matrizes. E misturar o leite no tanque”, diz ele, observando que hoje o teor de sólidos está em 11,9% a 12,1% e pretende chegar aos 12,6% a 13%. “Isso é um sonho, não sabemos se vamos atingir, mas estamos trabalhando para isso; tudo é muito novo para nós e há muito o que aprender.”

Antecipando esse novo paradigma de pagamento pela matéria-prima, o produtor Itamar Resende faz a conversão de litros de leite para quilos de sólidos. Então, aqueles 30 mil litros de leite/dia (12% de sólidos) da meta vão significar 3.750 kg de sólidos/dia. Com a produção atual, 4.800 litros, são 565 kg de sólidos. “A Verde Campo acertou em adotar essa sistemática. Embora estejamos aprendendo e nos ajustando ao novo modelo de produção, a perspectiva é ter uma remuneração melhor.”

Itamar Resende: "Embora estejamos aprendendo e nos ajustando a esse novo modelo de produção, a perspectiva é ter uma remuneração bem melhor."

Outro entusiasta do modelo é Awilson Viana, médico veterinário e proprietário da Fazenda Viana, em Candeias (MG). A fazenda tem 15 hectares, e desde 2015 o produtor vem preparando a propriedade, pois quando comprou não havia nenhuma benfeitoria. Como o terreno é fortemente irregular, para a produção de leite ele conta com 6 hectares, com área de pastagem e de cultivo de milho para silagem.

O rebanho é formado por animais da raça Jersey, registrados na Associação da Raça Jersey, em Minas Gerais. Neste ano, está reformando a área de piquetes e também vai construir um free stall. No manejo reprodutivo do rebanho, Viana está fazendo algo diferenciado: a sincronização total de partos em determinado momento do ano e a secagem em outro momento. Isso significa que num momento do ano não terá leite na propriedade e, noutro, quando o preço do leite estará mais favorável, todas as vacas estarão em produção. “Como aqui ficamos quatro a cinco meses sem chuva, de qualquer forma tenho de colocar o gado no cocho. A época em que elas vão para o cocho é quando também estou com a melhor remuneração do leite, que acontece de abril a setembro/outubro. Nesse período elas estarão no free-stall.”

O rebanho é composto por 49 animais da raça Jersey, sendo 10 em lactação, 12 novilhas prenhas e o restante de animais mais jovens. A produção está em 160 litros de leite/dia. Análise da qualidade do leite aponta para as seguintes médias: 180 mil de CCS/ml; CBT com 3 mil UFC/ml; proteína 3,7%; gordura, 4,8%; lactose, 4,75%.

Awilson Viana: "A iniciativa é muito importante para estimular os pecuaristas a aperfeiçoarem seu sistema de produção, intensificando a melhoria genética e nutricional e o manejo dos animais”

Viana diz que seu custo fica entre R$ 2,80 e R$ 2,85, devido aos investimentos que vem fazendo no ajuste e em melhorias nas instalações e na reforma da pastagem. A remuneração por sólidos foi de R$ 2,44 (em equivalência, se fosse por litro, seria R$ 2,30). A partir desse modelo de produção que está adotando, a meta de Viana é ter 30 vacas em lactação, com média ao redor de 25 litros/vaca/dia, que é a capacidade da propriedade. “A adição do modelo de pagamento do leite por sólidos pela Verde Campo é muito importante para estimular os produtores a continuamente aperfeiçoarem seus sistemas, intensificando a melhoria genética, nutricional e de manejo dos animais”, ressalta.

Na Fazenda Campo Alegre, de Itamar Resende, Um dos pontos fortes da fazenda sempre foi o melhoramento genético das Holandesas, que vem sendo intensificado com o foco em sólidos do leite

No Sítio Anizes, de José Elias, análise do leite indica, na média: 153 mil de CCS; CBT, 3 mil UFC/ml; proteína 3,75%; gordura 4,83%

Danone estimula produtores a buscarem mais sólidos no leite


Também a Danone instituiu, em 2018, um programa que estimula o produtor a se voltar à melhoria do teor de sólidos do leite. Trata-se do “Programa Mais Sólidos”, que reconhece a parceria da empresa com cada produtor por meio de prêmios e benefícios. Participaram da iniciativa apenas produtores que forneceram, durante toda a vigência dessa edição do programa (2019 a 2020), 100% do volume de leite produzido em suas fazendas para a empresa de lácteos.

Durante esse período, os pecuaristas receberam pontuações de acordo com os critérios estabelecidos pelo programa, como teor de gordura e proteína e sólidos totais. De acordo com o gerente de Compras de Leite da Danone, Henrique Borges, o projeto é válido para todos os mais de 300 fornecedores de leite da empresa. O volume médio produzido por esses fornecedores é de 1.401 litros/leite/dia, todavia, o programa é dividido em três categorias: pequenos produtores (até 500 litros/dia); produtores médios (até 2.000 litros/dia), e produtores grandes (superior a 2.000 litros/ leite/dia).

“O interessante dessa premiação é distribuir em torno de R$ 1,5 milhão para essas fazendas devido ao resultado de sólidos que elas geram. É gratificante ver uma pequena propriedade (menos de 500 litros de leite) com chance de ganhar R$ 110.000 de premiação”, destaca Borges.

O gerente de Aquisições da Danone explica que o projeto se iniciou em 2018 e é uma evolução do programa “Poupança Leite”, em que o pagamento de valor adicional era por volume de leite. A intenção com o programa Mais Sólidos é aumentar o teor de gordura e proteína, trazendo mais ganho para toda a cadeia – produtor, indústria e consumidor.

“O principal objetivo do pagamento por sólidos é a melhoria da qualidade do leite. Porque remunerar somente os bovinocultores por volume em litros simplesmente deixa de lado todos os nobres componentes do leite, que são lactose, gordura e proteína”, ressalta o porta-voz da Danone.

Em sua avaliação, o aumento de sólidos vem da evolução de manejo nutricional mais a raça. “Temos muitas propriedades com grande quantidade de sólidos, utilizando raças europeias, porém é incontestável o resultado da combinação de gado zebuíno x animais Jersey, com manejo nutricional correto. Por causa disso, criamos alguns incentivos ao longo dos últimos anos com o pagamento de gado Jersey aos nossos produtores”, revela Borges

Produtor satisfeito – Quem assegura os benefícios desse modelo de pagamento é o produtor Eli José Figueiredo, que toca a atividade juntamente com sua esposa, Luciana, e seu filho Luiz Otávio: “Tivemos um retorno financeiro médio de 20% a mais em bônus no preço do leite. Escolhemos a raça Jersey por ser um animal rústico, dócil, de manejo mais simples, mas com elevado teor de sólidos. Isso nos proporciona receita extra pelo bônus pago sem demandar altos investimentos, uma vez que o elevado teor de sólidos já é uma característica dessa a raça”, afirma ele.

Henrique Borges: "A intenção com o programa mais sólidos é aumentar a quantidade de gordura e proteína, trazendo mais ganho para produtor, indústria e consumidor”

Vale destacar que a família Figueiredo, proprietária do Sítio Anizes, em Cabo Verde, localizado na região sul mineira, firmou contrato com o laticínio, assumindo o compromisso de entregar anualmente uma matéria-prima dentro dos padrões qualidade da Danone, e já obteve excelentes resultados. Eles foram premiados durante cerimônia virtual do evento “Mais Sólidos”, realizado no dia 13 de outubro, na Categoria 1 média anual até 500 litros por dia.

Eli José, a esposa, Luciana e o filho Luiz Otávio, premiados pela qualidade do leite no Programa Mais Sólidos da Danone

“Estamos muito felizes com a premiação. Este é o primeiro ano da participação do Sítio Anizes no programa da Danone. Iniciamos a atividade de produção de leite em parceria com a Danone em setembro de 2019, e começamos a participar do projeto em outubro. Em dezembro, buscamos consultoria técnica do Educampo, junto com a médica veterinária Rachel Meirelles, que vem nos auxiliando desde então”, informa o pecuarista.

Ele explica que a primeira e mais importante recomendação técnica que seguiram foi acerca do planejamento de volumoso e ajustes na alimentação das vacas. Em seguida, fizeram algumas mudanças: novo barracão dotado com uma ordenha de linha média e circuito fechado. “Essa mudança contribuiu muito para reduzir o estresse das vacas e melhorar o desempenho da equipe durante o trabalho”, nota.

Ele faz questão de destacar que, com o auxílio de Rachel e da central de compras da Danone, começou a produzir o concentrado na propriedade. “Este é um fator de sucesso para a qualidade do leite e o aumento da produtividade. A formulação da dieta é revista uma vez por mês, e alterada, se necessário, de acordo com a produção de leite e DEL dos animais.”

No quesito qualidade do leite, a melhoria também foi expressiva, assinala Rodrigo Luiz Simão, gerente da fazenda. Ele informa que na média as análises do leite indicam 153 mil de CCS; 3 mil UFC/ml de CBT; 3,75% de proteína e 4,83% de gordura. Esse perfil do leite garante a bonificação pela qualidade. “Todo o rebanho é acompanhado por meio dos relatórios fornecidos pelo laboratório que faz as análises. Para as vacas no pós-parto, é realizada também a cultura do leite para identificar se há algum microrganismo indesejado, sendo então possível agir logo no início da lactação, caso seja necessário.”

O gerente da Danone faz questão de frisar que, para a empresa, dá orgulho ver o resultado desse trabalho, tanto nos resultados físico-químicos como de microbiologia. “Recentemente, lançamos um leite UHT sem conservantes graças à alta qualidade do leite de fazendas parceiras. Sem dúvida, o resultado médio brasileiro ainda está distante dos números europeus, mas precisamos comparar os resultados atuais com os nossos de anos anteriores. Aí, sim, dá para entender e reconhecer a evolução do rebanho, bem como das propriedades brasileiras”, finaliza Borges.

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