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ALIMENTO

Palma forrageira no triângulo mineiro:

projeto estimula uso entre pequenos produtores

Mobilizando técnicos e produtores, estão sendo adotadas cinco vitrines tecnológicas para obter o melhor resultado na incorporação desse volumoso à dieta dos animais

João Carlos de Faria

Que a palma forrageira já é costumeiramente utilizada na alimentação animal em regiões do semiárido brasileiro, como a região Nordeste e o norte de Minas, não é novidade. Mas trazê-la para o Triângulo Mineiro como alternativa para alimentar o gado de leite na falta de pastagens em períodos de seca, principalmente para pequenos e médios produtores, é um fato inédito e um desafio assumido pela Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), desde 2019.

Para isso foram acionadas equipes de técnicos, mobilizados os produtores e adotadas inicialmente cinco vitrines tecnológicas, com a finalidade de obter o melhor resultado na incorporação desse volumoso à dieta dos animais, para também aumentar a produção e a produtividade dos rebanhos.

O trabalho faz parte do projeto “FIP Paisagens Rurais”, que é financiado pelo Programa de Investimento Florestal (Banco Mundial), sob a coordenação do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação, do Ministério da Agricultura, com parceria da Agência de Cooperação Técnica Alemã (GIZ), do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC), via Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Embrapa.

O projeto está presente em todo o Cerrado brasileiro atuando geograficamente em bacias hidrográficas e visa à recuperação ambiental, ao aumento da produtividade e à geração de renda por meio da melhor gestão e do uso de tecnologias para alcançar o desenvolvimento sustentável das propriedades.

No Triângulo Mineiro, atende a 1.000 produtores de leite, em 12 municípios, e já recuperou 10 mil hectares de pastagens degradadas e 7,5 mil hectares de passivos ambientais. Segundo o gerente regional do Sistema Faemg no Triângulo Mineiro, Caio Oliveira, até novembro serão abertas mais 600 vagas dentro do projeto na região.

Com a introdução da palma forrageira na dieta dos animais, os produtores Maria das Dores e Valter conseguiram aumentar em 50 litros a sua produção diária de leite em uma semana

Por acaso – Embora as primeiras lavouras estejam apenas se iniciando, devendo levar algum tempo para apresentar resultados mais concretos, alguns produtores já puderam atestar as qualidades da palma na dieta de seus rebanhos. Foi o que ocorreu, por acaso e até de forma inusitada no Sítio Senhor do Bonfim, no Assentamento Córrego Fundo, em Campina Verde, município que fica a 200 quilômetros de Uberaba, inserido na bacia hidrográfica do Rio Tijuco.

A história começou em 2019, quando a proprietária do sítio, Maria das Dores Boanerges, conhecida como Mariazinha, adquiriu três mudas de palma com a despretensiosa intenção de fazer enfeites de Natal. 

Até então, ela nem imaginava que tinha em mãos um alimento valioso, que poderia transformar a realidade do sítio onde trabalha com o marido, Valter da Silva Freitas.

A descoberta só aconteceu com a visita do técnico de campo Tarcísio Tomás Cabral de Sousa, que desde setembro de 2020 vem atendendo a propriedade, que está inserida num grupo de 29 produtores dentro do Projeto FIP Paisagens Rurais. “Ele explicou que a palma era muito boa e, mesmo ficando em dúvida, resolvemos fazer um teste. Tivemos uma grande surpresa”, diz a produtora.

Sousa, por sua vez, relembra das suas primeiras visitas, quando, ao se deparar com a pequena plantação, resolveu mostrar aos produtores que a palma poderia ser bem aproveitada na alimentação dos animais. “Ensinei como cortar e expliquei a eles que a planta era um ótimo hidroenergético, em condições de substituir o milho e de reduzir significativamente seus custos”, afirma. 

No início, o rebanho do sítio era formado por 22 vacas, sendo 15 em lactação, com produção de 70 litros/dia, volume que aumentou para 150 litros com a adoção de uma nova dieta sob a orientação do técnico. Pouco tempo depois, já com o uso da palma forrageira, em uma semana a produção deu outro salto de 40%, passando para 210 litros, com a média por vaca batendo 14 litros/dia, resultado que acabou rendendo até uma bonificação adicional na venda do leite à cooperativa.

Tarcísio de Sousa: “Aqueles que antes achavam que a palma era apenas um subproduto, quando viram o resultado e depois do curso, perceberam sua importância em relação às necessidades da região”

Ainda assim, a maior parte dos vizinhos zombava deles e só se convenceram quando o Senar levou para Campina Verde, em novembro de 2020, um curso promovido pelo Sistema Faemg, o primeiro realizado na região. “Muita gente riu e criticou, mas vamos continuar sendo exemplo”, assegura Mariazinha. Foi a partir daí e com as primeiras mudas cedidas pelo casal é que as plantações começaram a se multiplicar no assentamento e eles próprios decidiram ampliar a plantação com mais 650 mudas e agora a expectativa é grande. “Nosso plano é chegar a três hectares de área plantada”, afirma a produtora.

Igualmente entusiasmada ficou sua nora, Neli Inácio de Jesus Boanerges, casada com Romes Carlos Boanerges, donos do Sítio Dois Corações, no mesmo assentamento. Eles já plantaram 200 pés, mas pretendem chegar a pelo menos 600 pés. “Estou muito animada, pois o efeito foi espetacular”, revela, após contar que também já fez a experiência de fornecer palma aos seus animais.

Com medo de faltar comida no período de seca, no início de maio o casal decidiu vender suas 16 vacas, mas já estuda um projeto para 2023, com a aquisição de vacas Girolandas, confiantes de que a palma não irá deixá-los na mão. “Tenho certeza de que o problema da estiagem será resolvido e não vamos mais passar apertado”, afirma.

Neli Inácio Boanerges: “Tenho certeza de que o problema da estiagem será resolvido e com a palma não vamos mais passar apertado”

Ampliação – Entre as vitrines tecnológicas adotadas na região, uma fica no Sindicato Rural de Campina Verde, com a finalidade de produzir mudas e distribuí-las aos interessados. Porém, o casal Boanerges continua sendo referência e fornecendo aos produtores que os procuram interessados em iniciar seu próprio plantio. Do grupo de 29 produtores assistidos por Sousa, no município, oito já aderiram à palma.

“O brasileiro é igual a São Tomé: tem que ver para crer. Aqueles que antes achavam que a palma era apenas um subproduto, quando viram o resultado e depois do curso, perceberam a sua importância em relação às necessidades da região”, afirma Sousa, paraibano acostumado ao uso da palma no cocho das vacas desde que se conhece por gente.

Sobre o aumento da produção no Sítio Senhor do Bonfim, ele explica que isso ocorreu também em função de algumas mudanças, como a adoção de uma dieta balanceada, incluindo caroço de algodão, ureia e ração concentrada com 24% de proteína, e a recuperação e divisão em piquetes de três hectares formados com mombaça.

“A palma só vai ser utilizada no período de estiagem, juntamente com o capim capiaçu, plantado numa área de três hectares. Ela é uma planta que tem quase 90% de água, 4,8% de proteína e outros nutrientes que estimulam o aumento do leite com ótimos resultados em áreas mais secas e quentes.”

A forrageira é também um trato muito barato e incentivar o seu uso faz parte dos objetivos do projeto de redução do custo de produção. O plantio da cultura por hectare, segundo Sousa, custa menos que uma lavoura de milho, embora ele ainda não tenha os dados devidamente contabilizados, uma vez que a planilha com essas informações ainda está sendo formulada à medida que o projeto vai evoluindo. Quanto ao rendimento, com o plantio adensado, pode alcançar até 200 toneladas por hectare.

No caso do Sítio Senhor do Bonfim, o custo foi bem menor, pois foram gastos apenas R$ 220 com o pagamento das horas de trator no preparo da área e mais R$ 300 de adubo, considerando-se obviamente o tamanho da área plantada, menor que um hectare.

 

Baixo teor de fibras é compensado com a mistura da palma picada com outros volumosos como o capiaçu triturado

Sousa fala também sobre a redução significativa nos gastos com concentrados. “Eles gastavam mais de 64% da renda bruta do leite com esse item, mas conseguimos reduzir para 31%, o que praticamente cumpre a meta preconizada pela nossa metodologia que é utilizar no máximo 30% da renda bruta para esse tipo de despesa”, pontua.

Além disso, a palma apresenta boa palatabilidade, alto valor energético e boa digestibilidade, sendo os produtores orientados a fornecê-la picada, como componente hidroenergético e volumoso, juntamente com o capim BRS Capiaçu triturado, para compensar o seu baixo teor de matéria seca, que fica na média de 11,7%.

No cocho são fornecidos 20 kg de palma e a mesma quantidade de capim, além do concentrado em quantidade calculada de acordo com a produção de cada animal. Sousa afirma que a forrageira também pode ser utilizada em piquetes, com plantio adensado e as ruas separadas com cerca elétrica.

Incentivo – “Conheço projetos no norte de Minas e no Nordeste do País com bons resultados e, por isso, quando assumi a gerência, em 2019, comecei a observar algumas questões que chamavam muito a atenção. Quando se conhece de fato a região percebe-se que tem muito pequeno produtor, o que nos levou a fazer uma análise da realidade sob prismas diferentes”, afirma Caio Oliveira, gerente do Sistema Faemg em Uberaba.

A partir de suas observações quanto à ocorrência de pouca chuva, com as temperaturas médias mais elevadas do que em outras regiões do Estado, as pastagens degradadas e as queimadas que ocorreram em 2020, Oliveira sentiu a necessidade de buscar alternativas para socorrer os produtores.

“Tínhamos que descobrir algo que os ajudasse notadamente em relação à alimentação, porque eles sofrem muito nessas épocas com a baixa disponibilidade de alimentos. Muitos não se planejam e, sem comida em determinada época do ano, acabam pagando caro para manter o rebanho, reduzindo ainda mais sua margem de lucro, que já é achatada.”

A palma surgiu, segundo Oliveira – da mesma forma que ocorreu com o capim capiaçu –, como alternativa viável para pequenos produtores, que trabalham com baixa tecnologia, para que pudessem ter um banco de forragens para suprir a falta de alimentação. Foi daí que surgiu a proposta das vitrines tecnológicas, cujos experimentos estão levando os técnicos à conclusão de que a palma pode, sim, se adaptar bem ao clima da região.

Caio Oliveira: “Precisávamos descobrir algo que ajudasse os pequenos produtores a alimentar os animais, sobretudo na seca, quando há pouca disponibilidade de alimentos”

“Em alguns meses do ano, a condição climática no Triângulo Mineiro é bem severa e próxima do semiárido. Então, por que não pensar nessa alternativa?”, questiona Oliveira. Segundo ele, com essa convicção, os técnicos começaram a trabalhar a possibilidade de tê-la inserida na alimentação das vacas, sendo a primeira experiência fora de regiões onde já é tradicional.

“Ela não é uma forrageira que tem as mesmas qualidades nutritivas do que outras, mas atende perfeitamente às necessidades desses pequenos produtores. Com isso, as lavouras estão crescendo e se expandindo por aqui.”

Oliveira afirma que ainda não dá para avaliar como será o pleno desempenho da palma, porém, nas propriedades onde já foi plantada, o resultado tem sido muito bom. “A palma não é a salvação da lavoura, mas pode baixar consideravelmente o custo e evitar as perdas de peso e de produtividade que normalmente ocorrem em períodos de estiagem”, resume.

Estudos e testes visam à mecanização para reduzir custos e facilitar a colheita

 
Acolheita da palma é feita manualmente, apesar de já haver ferramentas adaptadas para facilitar o trabalho, que em geral é prejudicado pelos espinhos da planta, mas a mecanização já está sendo estudada e testada por duas empresas nacionais.

No Nordeste, com sede em Campina Grande, a Laboremus é pioneira na fabricação de equipamentos para o processamento da palma, que teve início com a primeira máquina fabricada ainda na década de 1950, e prepara para setembro, o lançamento do protótipo final da primeira colheitadeira mecânica do mercado, a ser disponibilizada comercialmente a partir de 2023.

“Assim como ocorreu com as gerações passadas, desde meu bisavô, resolvemos inovar mais uma vez e desenvolver esse projeto, que vai solucionar e facilitar na colheita, eliminando o problema com os espinhos, que normalmente dificulta a colheita, e a mão-de-obra”, afirma o diretor comercial da empresa, Natan Dias.

O projeto foi desenvolvido em parceria com o Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Campina Grande, com apoio da Federação da Agricultura e Pecuária da Paraíba (Faepa/Senar-PB) e com financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq). O primeiro protótipo de funcionalidade da máquina já foi validado em testes realizados na Fazenda Carnaúba, em Taperoá-PB.

Em São Paulo, a empresa Casale, sediada em São Carlos -SP, está em fase de validação de uma máquina que pretende lançar para ser utilizada no corte e colheita da lavoura. Os estudos estão sendo feitos em parceria com a Universidade de São Paulo e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).

O objetivo é reduzir o impacto nas plantas e o custo da cultura, viabilizando também a produção em escala e de forma sustentável. “A nossa previsão para o lançamento é 2023”, afirma Mário Casale Neto, gerente da empresa.

Natan Dias: “O equipamento vai facilitar e agilizar a colheita, eliminando o problema dos espinhos da palma”

Mário Casale Neto: “O objetivo é reduzir o impacto nas plantas e o custo da cultura, viabilizando também a produção em escala e de forma sustentável”

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