balde branco

CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Economista, doutor em Economia Aplicada pela Esalq/USP, professor da Escola de Negócios (FACC/UFJF)

 Paolinelli é a inovação contínua. Seu legado continuará vivíssimo e é do tamanho do mundo”

Paolinelli, a nossa lenda do agro

A primeira vez que estive com o Alysson Paolinelli foi em 1993. Portanto, há trinta anos. Eu havia aceito o desafio de liderar a criação de uma secretaria municipal que cuidasse da produção e do abastecimento em Juiz de Fora-MG. No cargo de secretário estadual estava o então ex-ministro Paolinelli. E foi nessa condição que o conheci. De início, vi que estava diante de alguém muito diferente. Eu, com 30 anos, primeiro cargo público. Ele, 56 anos, ex-reitor da Ufla, ex-ministro, ex-deputado federal constituinte, me recebeu como se eu tivesse a sua estatura, a mesma patente. Eu custei a entender isso.

A maioria de nós ocupamos nossas vidas falando de pessoas, dos seus defeitos, dos seus erros e omissões. O tempo que sobra, falamos de coisas. Poucos de nós, falamos de ideias. Essa é uma dimensão muito difícil de atingir. Pois, era ali que Paolinelli sempre viveu. Ele vivia no mundo das ideias. Mas não era apenas um sonhador. Era realizador de sonhos impossíveis.

Na adolescência, Paolinelli revelou ao pai o seu sonho de ser engenheiro agrônomo e teve de mostrar aptidão, gerindo antes uma pequena propriedade. Essa experiência lhe fez sensível à teoria, pelo exercício da prática, e lhe mostrou a dimensão humana que existe no ato de produzir. De um lado, vivenciou as agruras de quem produzia sem apoio institucional. De outro, ele viu como o produtor é empreendedor, sempre ansioso por inovar e crescer. E viu na ciência a mola da inovação.

Na Universidade Federal de Lavras (MG) se formou, foi professor e deixou o cargo de reitor, com 35 anos, para assumir a Secretaria de Estado da Agricultura. Destacou-se já no início, quando se rebelou contra a decisão do Ministério da Agricultura, que atuava para erradicar pés de café. Sob sua liderança, Minas foi no sentido contrário. Com ciência e planejamento, o estado melhorou a produtividade, expandiu a produção e assumiu a condição de maior produtor de café do Brasil, título que ostenta há seis décadas. Dali a ser ministro da Agricultura foi questão de tempo.

Paolinelli foi ministro do governo Geisel, que teve no planejamento e na ciência suas marcas. Sem ingerências políticas, sua equipe tinha um viés meritocrático. Ele me disse que Geisel fazia reuniões mensais com os ministros, e que as discussões eram pautadas por textos enviados previamente pelas pastas. Geisel não só os lia, como fazia neles anotações pessoais. Incrível, não?

Enquanto os futuros pesquisadores estudavam no exterior, Paolinelli inaugurava centros de pesquisa da Embrapa e fortalecia a infraestrutura das universidades e institutos, configurando um sólido Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária. Assim, teve início a construção da agricultura tropical diversificada e movida à ciência, algo inédito no mundo até hoje.

Sim, somos os únicos no mundo tropical a fazer agricultura diversificada! Naquele momento, o Brasil se urbanizava rapidamente e o alimento ficou escasso e caro. Paolinelli, então, organizou o mercado interno, do armazenamento à comercialização, por meio da Cobal, da Conab, do Cibrazem e dos Ceasas. Isso resultou na queda do preço dos alimentos nas cidades.

Paolinelli disse que o “brasileiro tem menos ódio e mais amor”. Para ele, estamos estruturando “a primeira civilização tropical do mundo, construída com carinho e com amor”. Ele foi desses raros sonhadores e visionários do bem, de olhos cintilantes, que misturam intensamente razão e emoção e propagam ideias e imagens que movem mentes e corações. É isso o que ele fez, continuamente. Desde 1971, há meio século inspira a inovação na agricultura, que junta a ciência feita pelo Estado e o empreendedorismo praticado pelos produtores.

Hoje, o Brasil é garantidor de preços de alimentos acessíveis para o mundo. Colhemos duas safras anuais de milho e logo teremos a terceira, por uso da irrigação, enquanto o mundo de clima temperado continua colhendo somente uma. E somos tão competitivos que abastecemos a Ásia, os países árabes, a Europa, a África e até o México, um mercado típico dos Estados Unidos.

O conhecimento popular diz que “onde falta pão, todos discordam, ninguém tem razão”. Já a ciência econômica mostra a disponibilidade abundante e barata de alimentos, fibras e energia é base para o crescimento. Se esses itens são caros, há redução do poder aquisitivo dos trabalhadores e isso traz insatisfação política.

Além disso, com custos maiores, é afetada a oferta de bens e serviços urbano-industriais e as empresas tornam-se menos rentáveis. Como consequência, menos investimentos são feitos, afetando o nível de emprego e renda, o que leva a um quadro de economia sem dinamismo. Inflação no preço de alimentos e desemprego não criam ambiente de paz. A obra de Paolinelli é o antídoto.

Paolinelli é a inovação contínua. Seu legado continuará vivíssimo e é do tamanho do mundo. Ele já foi agraciado com o Prêmio Mundial de Alimentação – o Nobel da Comida. Ele entrou para a história ainda vivo. Paolinelli é a nossa lenda do Agro!

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