Lenira El Faro Zadra – Sempre gostei do ambiente do campo, embora minhas origens árabes sejam voltadas ao comércio. Fiquei na dúvida entre zootecnia e agronomia e, por fim, me decidi pela zootecnia. Na faculdade sempre tive muita afinidade com a bovinocultura leiteira e direcionei meus estágios para essa área. A princípio, achava que o zootecnista tinha de trabalhar em fazendas ou em empresas ligadas à área. Trabalhei pouco tempo em uma fazenda leiteira, mas depois fui bolsista de aperfeiçoamento técnico na Embrapa Suínos e Aves. Lá foi o local onde me deparei com o trabalho de um pesquisador da área de melhoramento, mas a minha aptidão maior era a bovinocultura de leite. Trabalhei também na Associação de Criadores de Gado Pardo Suíço. Foi bom enxergar muitos lados da profissão, mas resolvi me aperfeiçoar na área de melhoramento e segui para a pós-graduação. Foi por meio da pós que eu conquistei minha vaga de pesquisadora na área de melhoramento genético de bovinos leiteiros. Uma área bem complexa e que cresceu muito nos últimos anos.
LFZ – Quando iniciei o meu mestrado não imaginava o quão complexo seria a minha área de atuação. Como eu disse, a área de melhoramento genético é muito complexa. Naquela época, os computadores não eram tão potentes e nem os programas de análise de dados tão eficientes. Mergulhei no aprendizado de programação, genética, matemática (algo que eu sempre evitei me embrenhar), modelos matemáticos. Quando saímos da graduação, temos uma breve noção de um todo, mas sem a profundidade de conhecimento necessária. Muitas horas de estudo e dedicação, tanto no mestrado quanto no doutorado. Mas só após o doutorado a gente recebe os méritos da dedicação: seja com projetos financiados, participação em congressos, seja com a participação em grupos de pesquisa. No início do mestrado fui admitida no concurso para pesquisador científico no Instituto de Zootecnia e passei a exercer o cargo ao mesmo tempo em que terminava o mestrado. Terminei o doutorado e defendi a tese amamentando meu primeiro filho. Os cargos que conquistei e meus projetos aprovados foram fruto de muita dedicação e estudo. Hoje, sou pesquisadora nível VI do IZ, pesquisadora bolsista de produtividade do CNPq, atuo na pós-graduação da instituição (Produção Animal Sustentável) e estou me credenciando no programa de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná.
LFZ – Sem dúvida! E a cada dia penso que preciso estudar mais e aprender mais, pois há geração de conhecimento numa velocidade enorme e em quantidade, em todas as áreas. A concorrência por financiamento para as pesquisas é enorme e a cada dia somos cobrados por internacionalização dos projetos, participação em grupos de pesquisa de várias instituições, formação de recursos humanos e publicações de artigos científicos. Com a crise financeira que o País atravessa, há menos dinheiro e maior nível de exigência. Se acomodar significa ficar para trás bem rápido na área científica.
LFZ – Estudar, se dedicar e ser otimista. Muitas vezes, o trabalho de um pesquisador não é valorizado, por parecer muito teórico. Por exemplo, para que saber o sequenciamento genético de um vírus, conhecer o seu DNA, falar de mutação? Quer coisa mais teórica? Porém, no último ano esse assunto foi amplamente discutido na mídia! Nem todo resultado de pesquisa é aplicado imediatamente, mas ele faz parte de um degrau numa escada íngreme. E mesmo um trabalho teórico ajudou alguém a se desenvolver e a pensar; para mim é muito prazeroso formar alunos de mestrado. Ou mesmo palestrar para uma plateia (de alunos ou de criadores) que se empolga com o conhecimento que muitos achavam teórico, mas que pode ser traduzido em resultados práticos.
Há 30 anos, os cargos de gerência eram ocupados essencialmente por homens. As diferenças vão diminuindo na medida em que o nível cultural melhora e o nível de conhecimento é exigido para o cargo que se ocupa”
LFZ – Acho que a mulher está conquistando muito espaço nas mais diversas áreas e especialmente na atividade leiteira. E também na pesquisa científica. Quando terminei o meu mestrado, nós, mulheres, éramos mais tímidas, meio que receosas de conquistar cargos de muita responsabilidade. Hoje em dia, tenho visto muitas alunas e orientandas conquistarem cargos importantes em empresas, em universidades, em institutos de pesquisa, aqui no Brasil ou no exterior. Não há limite. Não é só questão de competência, acho ainda que a mulher é mais dedicada aos estudos e mais paciente.
LFZ – Enfrentei certo preconceito no início da carreira, quando era recém-formada. Não era comum vermos uma mulher atuando na profissão 30 anos atrás, trabalhando em fazendas. Os cargos de gerência eram ocupados essencialmente por homens. As diferenças vão diminuindo na medida em que o nível cultural melhora e o nível de conhecimento é exigido para o cargo que se ocupa. Acho que a superação veio com a idade, com a maternidade, com o amadurecimento profissional.
LFZ – Considero que as oportunidades para as mulheres estão se equilibrando na área (zootecnistas, veterinárias, agrônomas), sejam elas pesquisadoras ou não. Talvez a minha visão tenha de certa forma um viés, pois atuo num grupo em que homens e mulheres possuem a mesma oportunidade de carreira científica. No IZ, tivemos diretoras muito competentes e com uma visão estratégica de gerência que trouxe muitas conquistas para as equipes. Mas acho que, em algumas empresas, a questão da maternidade seja considerada ao se contratar uma mulher. Já tive colegas que foram demitidas ao retornar da licença maternidade. Talvez esses desafios que a mulher ainda enfrenta no dia a dia (maternidade, administrar o lar, administrar a carreira) a tornem mais forte e dedicada.
LFZ – Acredito sim, além de ser mais acolhedora e ter visão mais abrangente, a mulher é mais paciente. Tive um projeto de pesquisa financiado pela Fapesp que propunha uma alteração no manejo de vacas zebuínas leiteiras, que tendem a ser mais reativas se manejadas inadequadamente. Esse manejo, denominado estímulo tátil, era realizado em primíparas no pré-parto, visando melhorar seu comportamento na ordenha e seu bem-estar, e consistia em afagá-las dias antes do parto com uma vassoura/escova e conduzi-las aos poucos na sala de ordenha, simulando os ruídos e manejos pelos quais elas passariam durante a ordenha. Aquela propriedade tinha ordenhadores que eram muito bruscos no manejo com as vacas e havia um histórico de animais machucados, cegos ou que morreram devido ao mau manejo. No decorrer do projeto fomos percebendo que muitos problemas que estávamos tendo com os ordenhadores se devia à falta de conhecimento deles (quanto ao comportamento e à origem da raça Gir Leiteiro, no caso) e também a problemas relacionados à sua autoestima. Na nossa equipe tinha uma pesquisadora muito experiente, a dra. Maria Lucia Pereira Lima, que propôs fazermos umas palestras e cursos para os ordenhadores, explicando a importância do seu trabalho com os animais e a reação dos animais ao manejo. Era um café com prosa, logo após a ordenha da tarde. Bingo! Ela salvou o projeto de pesquisa. O acolhimento, a visão e o reconhecimento surtiram um efeito muito positivo na vida de todos (ordenhadores, estudantes de mestrado e pesquisadores) a tal ponto que os próprios ordenhadores propuseram adotar o manejo no dia a dia da fazenda. Os ganhos para o bem-estar dos animais foram imensos.
LFZ – Meus objetivos profissionais atuais são continuar me dedicando às orientações dos alunos que se interessam pela área e às pesquisas na área de melhoramento genético de bovinos leiteiros, mas com certa ênfase em comportamento e fisiologia do temperamento do zebuíno na ordenha. Uma pergunta que sempre me faço é por que a fêmea zebuína ou mesmo as fêmeas mestiças necessitam da presença do bezerro para estimular a descida do leite? As fêmeas taurinas não necessitam da presença do bezerro e isso foi consequência da seleção genética de décadas para o aumento da produção, para o temperamento? Este é um grande desafio dos melhoristas, criadores e técnicos em geral. Hoje se sabe que muitos rebanhos zebuínos (a maioria talvez) adotam a aplicação de ocitocina exógena como uma prática diária para estimular a descida do leite da fêmea zebuína, com a finalidade de facilitar o manejo, retirando o bezerro da sala de ordenha. O uso diário da ocitocina pode causar redução da ejeção espontânea do leite devido a uma dessensibilização do úbere para esse hormônio e, consequentemente, na menor contração das células mioepiteliais da glândula mamária. Uma vez adotado esse manejo, os animais sempre precisarão das aplicações do hormônio, diariamente. Assim, será que por meio de seleção de animais com maior número de receptores de ocitocina seria possível empregar informações genômicas nos estudos? Será que são muito genes os responsáveis por essa herança? Será que existe, entre os zebuínos, variabilidade genética populacional para essas características, como a dosagem de ocitocina, para a facilidade de ordenha? Os objetivos profissionais futuros? Os mesmos do presente!
LFZ – MA cadeia do leite é muito desafiadora para os produtores e para os técnicos. O leite é um produto essencial para a população, mas tão sujeito às oscilações do mercado! Os produtores são desafiados todos os dias e os sistemas de produção são tão heterogêneos por este Brasil afora. Raças puras taurinas ou zebuínas, animais mestiços, climas distintos, mudanças climáticas, sistemas de produção em pasto ou confinados ou semiconfinados, mão de obra pouco qualificada, às vezes. E a remuneração e os sistemas de pagamento e bonificação adotados pela indústria? Um desafio compreendê-los! Digo a elas que se dediquem porque o desafio é muito grande. Entretanto, é muito prazeroso quando a gente alcança bons resultados com pequenas ações.
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