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Além de garantir pastejo o ano todo para o rebanho, sistema também aumenta a matéria orgânica no solo e melhora a infiltração de água

MANEJO DE PASTAGENS

Interleite Brasil 2023 e as estratégias de negócios para a produção de leite

Experimentos desenvolvidos por técnicos da Embrapa Pecuária Sul definem um conjunto de práticas que permitem ter opções de forragem para diferentes sistemas de produção ao longo dos 365 dias do ano, amenizando os vazios forrageiros

João Carlos de Faria

Na pecuária em geral existem três momentos críticos de “vazios forrageiros”: 1) Quando a produção das forrageiras de verão está caindo e as de inverno ainda não se estabeleceram completamente; 2) Quando a produção das forrageiras de inverno está caindo e as de verão ainda não se estabeleceram e 3) Quando a propriedade trabalha na integração com lavouras de verão, como a soja, utilizando grande parte de sua área com essas lavouras, causando um desequilíbrio na oferta de forragem, principalmente no período de verão.

Márcia Silveira

É diante dessa realidade que surge o projeto “Pasto 365 dias”, trazendo principalmente para produtores da Região Sul um novo processo, voltado para a alimentação animal e melhoria dos solos, denominado “Pasto sobre Pasto”, desenvolvido a partir de estudos e experimentos da Embrapa Pecuária Sul, iniciados em 2016, coordenados pelos pesquisadores Márcia Cristina Teixeira da Silveira, Daniel Portella Montardo e Danilo Menezes Sant’Anna.

Márcia, que hoje atua pela Embrapa Pecuária Sul, mas na unidade da Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas (MG), lidera um projeto iniciado em 2021 dentro dessa abordagem de uso de cultivares forrageiras associadas ao conceito “Pasto sobre Pasto”, visando ter opções de forragem para diferentes sistemas de produção ao longo dos 365 dias do ano.

“Como o próprio nome diz, esse sistema baseia-se no aumento da diversidade e sobreposição de plantas forrageiras com características que se complementam. A ideia é ter, ao mesmo tempo, mais de uma forrageira na mesma área e, no caso do Sul do Brasil, sobrepor forrageiras da estação fria com forrageiras da estação quente e vice-versa”, resume.

Danilo Menezes: O impacto é duplo e serve para qualquer cadeia de produção que utilize pastagens como base da alimentação, inclusive a pecuária de leite

Seguindo esse princípio, o pesquisador Danilo Menezes Sant’Anna, que encabeça o trabalho no Rio Grande do Sul, acrescenta que essas forrageiras, com diferentes características e ciclos de produção utilizadas na mesma área, proporcionam, ao mesmo tempo, uma dieta mais diversa aos animais e um maior tempo de pastejo nas mesmas áreas ao longo do ano.

“O resultado será a redução ou eliminação de diferentes vazios forrageiros, além de um processo mais intenso de melhoria da fertilidade dos solos”, afirma Sant’Anna.

Segundo o pesquisador, esse é um conjunto de práticas e processos que servem para “qualquer sistema que tenha um animal que pasta”, num contexto de produção de pasto nos 365 dias do ano. O objetivo é não só suprir a demanda de alimentação do rebanho, que precisa comer todos os dias, durante todo o ano, mas também melhorar o solo, o que ocorre fundamentalmente se houver diferentes plantas vivas crescendo, no maior número de dias possível no ano.

“Quando se coloca uma diversidade de plantas na mesma área, e de preferência pastejadas no dia a dia, esses processos são intensificados e potencializados. Assim, o objetivo é fazer com que isso ocorra durante todo o ano e em cada metro quadrado da área”, afirma.

A partir dessa biomassa diversa e do maior crescimento radicular dessas plantas pastejadas, ocorre uma melhora acentuada das condições de fertilidade do solo, pois, além de estabilizar e intensificar a oferta de forragem aos animais, o sistema proporciona maior oferta de biomassa para toda a biota do solo, melhorando sua estruturação, fertilidade e contribuindo para o controle de plantas invasoras, entre outros pontos positivos.

“Em um de nossos trabalhos, uma área de terras baixas com o sistema Pasto sobre Pasto apresentou apenas 16% de presença de plantas indesejáveis (predominantemente milhã) comparados a 51% quando a área foi utilizada apenas com a forrageira de verão de forma convencional”, explica Márcia Silveira.

Sant’Anna, por sua vez, ressalta que sistemas pastoris que tenham diversidade de plantas e vários tipos de raízes na mesma área proporcionam o aumento da matéria orgânica, melhoram a infiltração da água e geram outros positivos ao solo. “O impacto é duplo e serve para qualquer cadeia de produção que utilize pastagens como base da alimentação, inclusive pecuária de leite.”

 

Outras regiões – Apesar dos estudos e das experiências continuarem sendo feitas mais intensivamente na Região Sul do País, o pesquisador garante que o “Pasto sobre Pasto” pode ser adaptado a outros locais do Brasil, em regiões onde também se pode cultivar forrageiras temperadas, como algumas áreas de São Paulo, Minas Gerais e de Mato Grosso do Sul, juntamente com forrageiras tropicais, mas isso requer adaptações e ajustes.

“Temos utilizado dessas e de outras mesclas no sistema pasto sobre pasto – assim batizado por nós da Embrapa Pecuária Sul – porque literalmente um pasto é colocado sobre outros ou, quando removido por uso de herbicidas, isso é feito no mesmo dia ou muito próximo do novo plantio.”

Existem muitas outras possibilidades de materialização dessa prática que vão depender do contexto de cada lugar. A ideia é avançar com a diversidade de plantas e sobrepor cadeias e curvas de produção para eliminar os vazios forrageiros e melhorar os solos.

O modelo conceitual que inspirou esse trabalho é o próprio campo nativo da Região Sul do País, onde várias espécies forrageiras, de inverno e verão, anuais e perenes, convivem no mesmo metro quadrado, vegetando por mais tempo ao longo do ano. “Assim, se buscou reproduzir essas funcionalidades dos sistemas campestres naturais nos sistemas cultivados, reconectando os mesmos ao bom funcionamento da própria natureza.”

Sant’Anna reforça, no entanto, que é preciso observar que em outras regiões, como o Centro-Oeste, por exemplo, existem limitações como a baixa precipitação de chuvas no inverno. Neste caso, para ter o crescimento desejado, é preciso irrigar, diferentemente do Sul, onde é possível fazer isso sem irrigação, mesmo com as frequentes estiagens que ocorrem na região. Essa diversidade de plantas na mesma área e melhorias nos solos também proporcionam maior resiliência aos sistemas pastoris frente a essas estiagens.

“Houve anos, como esses últimos, em que tivemos problemas por causa de estiagens, mas, mesmo assim, o sistema se mostrou robusto e menos afetado pelos efeitos negativos das estiagens, em relação a sistemas convencionais.”

Isso, segundo ele, tem a ver com o uso de espécies e cultivares mais tolerantes à estiagem, com sistemas radiculares mais profundos e também com a presença de plantas com diferentes características, o que torna o sistema mais resiliente e sendo menos afetado pela falta de chuvas, sendo a pastagem prejudicada em menor grau.

Se forem utilizadas espécies perenes, a resiliência é ainda maior, pois não se depende tanto do plantio e da espera até que a planta se desenvolva todo o ano, como em espécies anuais cultivadas sozinhas, além do fato de que espécies perenes possuem normalmente sistemas radiculares mais robustos e profundos.

“Esse caráter mais resiliente e perene se dá pela sobreposição de diferentes plantas, pois, quando uma não produzir muito, outras estarão produzindo, e em diferentes momentos. O que interessa na verdade não é a produção em si de uma ou de outra forragem, mas a somatória de todas elas, com oferta mais estável de forragem verde ao longo de todo o ciclo, independente de quais espécies sejam”, explica.

O pesquisador afirma que a maior parte dos estudos com o sistema “Pasto sobre Pasto” tem sido direcionada à pecuária de corte, mas já existem experiências com gado de leite, que vêm sendo feitas na região noroeste gaúcha, onde a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) tem realizado dias de campo e ensinado o conceito aos alunos dos cursos de Agronomia e Medicina Veterinária (vide box).

Sant’Anna conclui que a adoção dessa tecnologia permite maior estabilidade na oferta de forragem ao longo do ano, principalmente nos períodos críticos de transição entre as estações frias e quentes, quando ocorrem os vazios forrageiros. “Desse modo, explora-se a sinergia e complementariedade de ciclos e características entre as plantas, de forma a se obter uma melhor distribuição de forragem ao longo do ano.”

 

No Sul, várias espécies de forrageiras são colocadas no mesmo espaço, com diversidade e sobreposição de cadeias e curvas de produção

Pasto 365 – Mas o “Pasto sobre Pasto”, segundo Márcia Silveira, não é um modelo pronto e precisa ser pensado e trabalhado como um conceito básico, um conjunto de princípios e práticas aplicados em cada local, respeitando as especificidades de cada propriedade e região, cabendo ao produtor, com a assistência de um técnico capacitado, decidir quais as melhores opções para suprir as necessidades do seu sistema de produção.

“Nas áreas de integração lavoura-pecuária em terras baixas, nos experimentos realizados na Embrapa Pecuária Sul, usamos, por exemplo, três plantas sobrepostas (azevém, trevo-branco e capim-sudão), mas o produtor deve buscar adequar as mesclas e processos mais viáveis para a sua propriedade”, reforça a pesquisadora, observando que, a partir dessa dinâmica, o conceito pode ser adaptado e aplicado em qualquer propriedade e em qualquer lugar do Brasil.

No caso da Região Sul, onde as estações do ano são bem definidas, é possível utilizar uma grande diversidade de forrageiras. “Mas, se por um lado é positivo ter essa diversidade e alternativas de pastagens, tanto de espécies cultivadas quanto nativas do bioma Pampa, por outro isso impõe certa complexidade ao sistema, diante de um grande desafio que é produzir pasto o ano todo”, afirma a pesquisadora. Daí a necessidade de o produtor se assessorar com técnicos capacitados.

Some-se ainda a ação de eventos climáticos como El Niño e La Niña, que frequentemente acometem o Sul, afetando a produção ao longo dos ciclos de inverno e verão e nos períodos de transição entre as estações quentes e frias do ano, quando ocorrem os vazios forrageiros.

É justamente buscando reduzir ou eliminar esses períodos de vazios forrageiros, agravados pelos efeitos dos fenômenos citados, que o “Pasto 365 dias” direciona o planejamento e diferentes práticas e processos para que se tenha o maior número possível de dias com pastejo em cada metro quadrado da propriedade e na maior área útil pastoril possível, fora daquelas que estejam sendo utilizadas com alguma lavoura.

Conceito se expande para outras regiões
Em Minas Gerais estão sendo finalizados estudos de refinamento das estratégias para manejo de forrageiras anuais

A pesquisadora Márcia Silveira atualmente desenvolve experimentos, juntamente com os pesquisadores Miguel Gontijo e Rosângela Simeão, e alguns ensaios na Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas (MG). O objetivo é expandir as possibilidades de uso de mesclas forrageiras na lógica do pasto sobre pasto para a região do Cerrado.

As pesquisas ainda estão em andamento e a expectativa é ter, em breve, os primeiros resultados visando a redução de vazio forrageiro em áreas de recuperação, mediante o uso de uma forrageira anual de verão junto com uma forrageira perene de verão, para obter uma pastagem mais rápida e minimamente formada para o pastejo animal.

Também estão sendo finalizados estudos de refinamento das estratégias de manejo de forrageiras anuais como milheto, sorgo ou capim-sudão para alongar o seu ciclo produtivo e promover o melhor posicionamento das mesmas nos sistemas de produção, bem como também experimentos com mix de forrageiras em plantio antecipado em lavouras de soja, com a aplicação do pasto sobre pasto, aproveitando as chuvas antes da colheita, pensando no vazio outonal da região.

Na região mineira, segundo a pesquisadora, um diferencial é a maior flexibilidade para se utilizarem as forragens tropicais perenes como braquiária e panicum, diferentemente do Sul do País, onde pode haver restrições de adaptação e persistência em algumas regiões, por causa do clima e da temperatura.

Professor Emerson André Pereira: Na região noroeste do RS, segundo o professor Emerson André Pereira, da Unijuí, já há pelo menos oito produtores de leite que adotaram o “Pasto sobre Pasto”

Aprendizado – Na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), no noroeste do Estado, o engenheiro agrônomo Emerson André Pereira, professor dos cursos de Agronomia e Medicina Veterinária, que também é secretário municipal de Desenvolvimento Rural de Ijuí, relata que vem trabalhando o conceito do “pasto sobre pasto” com seus alunos em sala de aula, fazendo com que eles apresentem trabalhos sobre o assunto e, principalmente, que experimentem a estratégia na prática.

“Estamos ensinando nossos alunos, mostrando o que é o conceito na teoria e na prática, fazendo visitas técnicas às propriedades que adotaram a prática e participando de dias de campo. Também apresentamos aos produtores e a outros interessados, sempre falando sobre os benefícios e mostrando na prática como é que se faz”, afirma Pereira. Em geral, os dias de campo são realizados no Instituto Regional de Desenvolvimento Rural (IRDeR) – fazenda-escola da Unijuí – e durante a ExpoFest, uma feira anual realizada em Ijuí, que inclui eventos técnicos em sua programação.

Por enquanto, segundo o agrônomo, a adesão de produtores de leite ainda é pequena – ele calcula que um grupo de oito propriedades na região tenha adotado esse manejo –, mas diz que é perceptível o aumento da produção, além de uma cobertura maior e de um conjunto de outras melhorias para o solo, com a redução no uso de herbicidas, além do incremento na renda do produtor.

“O resultado financeiro, em relação aos custos e ganhos, ainda não é possível mensurar, mas é visível que ele existe e é favorável ao produtor, que, só pelo fato de eliminar os vazios forrageiros, tanto no outono quanto na primavera, consegue evitar uma queda de 30% a 40% na produção de leite”, avalia Pereira, que há cerca de três anos implantou o “Pasto sobre Pasto” em sua propriedade, numa área de quatro hectares.

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