A cadeia produtiva do leite tem um papel importante na ordem econômica e social na vida de milhares pessoas da Região Nordeste do Brasil. O setor vem apresentando profundas transformações nas últimas décadas, como demonstra um levantamento realizado pelo Senar-Sergipe sobre produtores atendidos durante dois anos pela ATeG, dentro do programa Agronordeste (2020/2022). Nesse período, registrou-se um aumento médio de 25% na renda bruta e de 150% do lucro desses produtores assistidos na atividade leiteira, por meio de intervenções técnicas e gerenciais.
Ainda nesse período, segundo dados do IBGE, a produção de leite colocou o Estado em destaque no Brasil, pois no segundo trimestre de 2020 a pecuária leiteira sergipana produziu 40% a mais do que em igual período do ano passado. Ademais, o IBGE aponta que Sergipe ocupa a sexta posição nacional na produção anual por vaca.
“Quando iniciamos o acompanhamento das pequenas e médias propriedades atendidas pela ATeG, constatamos a sede dos produtores por conhecimento. Quando mostramos aquilo que há de mais moderno nas tecnologias, mesmo que seja coisa simples, mas que venha inovar a propriedade, há uma adesão muito forte, e isso tem crescido bastante nos últimos anos na região”, destaca Pablo Jonata, zootecnista e consultor do Senar-SE.
Conforme o especialista, assim, não é só o grande produtor de leite da região que tem acesso às tecnologias, mas também pequenas e médias propriedades. Estas também estão investindo em biotecnologias reprodutivas como inseminação artificial (IA), a transferência de embriões (TE), a fertilização in vitro (FIV), assim como no melhoramento genético, nas instalações e ambiência. “O pequeno produtor de leite já tem a visão de que é importantíssimo e útil promover o conforto térmico do rebanho, por isso ele vai adequando, como pode, a estrutura da propriedade, mesmo que não seja de grande porte. Ele aprende o que foi feito numa fazenda desse perfil de produção, e acaba adaptando aquela tecnologia à sua realidade”, diz.
Ele nota que antigamente predominava a visão de criação extensiva, arcaica, para explorar o potencial do animal.
Agora, cada vez mais produtores entendem que aquele modelo está superado diante dos avanços tecnológicos na produção leiteira, que contribuem eficientemente para melhorar sua produtividade e rentabilidade.
Tecnologias com planejamento – “A partir do fim de abril/início de maio é o período em que começamos a plantar a comida para nossas vacas. Por isso, por intermédio do Senar/SE promovemos cursos e dias de campo voltados para o planejamento forrageiro”, explica o zootecnista. Atualmente, o produtor faz as contas e tem consciência de que em hipótese nenhuma pode faltar comida para o rebanho, fazendo o máximo dentro de suas limitações. Por isso, o planejamento forrageiro na pecuária leiteira do Nordeste está também inserido nos avanços tecnológicos, tanto que é cada vez mais comum a prática de comprar insumos com antecedência.
“Outro aspecto interessante é que o pecuarista da região aprendeu sobre a importância de se fazer o descarte de animais menos produtivos, superando a ideia, antes comum, de que quanto maior a quantidade de vacas na fazenda, melhor seriam os resultados”, observa ele, assinalando que hoje sabem que o melhor para seu negócio é buscar investir em animais de qualidade, com o intuito de aumentar os índices de produtividade do rebanho.
Produção de alimento para os animais – Também vale destacar, conforme Pablo Jonata, os investimentos no preparo da terra para a produção de silagem. Começam pela análise do solo, que antes era considerada algo de outro mundo, e a escolha de sementes de qualidade e mais adequada à região, ao contrário de tempos atrás, quando o produtor achava que qualquer variedade de híbrido serviria. Agora, ele escolhe aquela que vai dar volume maior de comida, mais resistente a certos tipos de pragas, entre outros detalhes. Além disso, os produtores assistidos pelo Senar têm acesso a zootecnistas, veterinários e agrônomos para tirar dúvidas durante o período de plantio.
A trajetória de Jorge Luiz Sousa Santos, criador na Fazenda Santa Clara, em Nossa Senhora da Glória (SE), reúne sonhos, trabalho duro e sabedoria para superar desafios: “Tenho 53 anos e desde criança trabalhei no campo com meu pai. Sou daquele tempo em que os vaqueiros da região tinham o costume de passar manteiga no teto da vaca para tirar leite. Foi dessa maneira que fui criado e aprendi a trabalhar na atividade, mas também sempre gostei de estudar. Assim, da infância aos 18 anos, fazia essas duas atividades (tirar leite e os estudos) e também vendia o produto de porta em porta”, lembra.
Segundo o pecuarista, naquela época, os grandes produtores de leite do Nordeste eram de Alagoas, onde havia uma bacia leiteira muito forte, porém, hoje, Sergipe tomou a dianteira na produção. “Em resumo, na juventude eu vendia o leite, carregando a matéria-prima na carroça, bicicleta ou de jegue. Graças ao leite, comecei a ganhar o meu dinheiro, mesmo a propriedade sendo do meu pai, criava umas vaquinhas, já tirava meu sustento. Me casei, montei um comércio de calçados e confecções, mas sempre com foco na Fazenda Santa Clara, que comprei em 2003, ainda jovem”, lembra Santos.
O criador começou o projeto com gado Nelore, embora sua paixão sempre foi pela pecuária de leite e começou aproveitar a estrutura da propriedade, pois o proprietário anterior criara gado Holandês PO, de genética apurada, mas ainda utilizava o modelo balde ao pé.
E no leite, diz ele: “Primeiramente, comprei cinco vacas Holandesas e desse lote nós conseguimos ampliar o número de animais. Depois, em Palmeiras dos Índios, Alagoas, comprei 22 bezerras e dois touros, de um renomado criador da região, e assim a Fazenda Santa Clara foi cada dia se inovando”.
Ele relata ainda que, naquele tempo, trabalhava só com uma ordenha das 5 vacas, produzindo, em média, 100 litros de leite por dia, com uma produção por animal de 15/20 litros/dia, o que já era considerado muito bom. “Assim como faço no comércio, em que procuro ter as coisas organizadas, também na fazenda, me preocupo em fazer uma boa gestão, pois sempre temos algo a melhorar.”
A alimentação de qualidade era um gargalo para o produtor, que prejudicava o desempenho da propriedade no começo do projeto. Como o período de chuvas é muito curto na região, Santos resolveu adotar algumas tecnologias, como a confecção de silagem de milho. Um avanço, já que o gado criado a pasto não recebia nem ração. “Depois comprei tratores e maquinários para produzir a silagem de milho, pois antes eu alugava as máquinas. Também construí galpão para armazenar milho, soja, dentre outros alimentos, além de guardar os equipamentos agrícolas, estrutura de curral e cinco silos para armazenar a silagem.”
Com esse pacote tecnológico implementado na Fazenda Santa Clara, a propriedade estava produzindo muito leite e veio a necessidade de mecanizar a ordenha. Ele lembra que resistia a essa ideia, “pois ainda carregava aquela tradição do balde ao pé, isso foi uma dificuldade”. Mas a realidade da fazenda o fez superar essa resistência e investiu na ordenha mecanizada, e hoje utiliza uma ordenha automatizada com dez conjuntos.
Outra providência, na época, foi o plantio de palma forrageira, outro alimento essencial. “Com isso, vi o rebanho crescer, tanto que passamos para duas ordenhas, que foi inevitável instalar o sistema de ordenha mecanizado. Eu utilizava uma ordenhadeira de oito conjuntos e passei a usar uma de 10 conjuntos automatizada.”
Em 2020/2021, a Fazenda Santa Clara alcançou o ranking nacional em qualidade do leite da raça Girolando, algo que o produtor de Nossa Senhora da Glória não esperava, premiada com maior teor de proteína no leite. Ele faz questão de frisar que isso se deve ao fato de procurar sempre produzir uma boa silagem e formular uma boa dieta para os animais, o que tem resultado chegar a um teor proteína no leite de 3,7%, o que até foi divulgado na revista da Girolando.
Graças ao conselho do produtor e seu amigo Fábio Júnior Santos, da Fazenda Encanto, adotou o sistema compost barn, algo que já utilizava com bons resultados. “O Fábio visitou fazendas do Sudeste e trouxe uma visão empreendedora e profissional para o seu sistema de produção. Aí no ano passado instalei o compost. Tudo isso necessita de uma gestão que não para de inovar, tanto que comprei o software de gestão Ideagri”, conta Santos.
Com base na conversa com o produtor, dá para tirar lições de sua trajetória como produtor de leite, atitudes que estão na base de seu sucesso: contando com orientação técnica, buscando sempre mais conhecimentos e adotando tecnologias adequadas à propriedade é possível avançar com segurança no negócio leite, tornando-o uma atividade econômica que vale a pena. Como ele observa: começou produzirindo 100 litros de leite/dia, já chegou a mais de 4 mil/litros/dia, só com um galpão de compost instalado. “Depois, resolvi dar uma enxugada no rebanho, visto que estava melhorando a genética, e agora estamos produzindo em torno dos 3.500 litros/dia, com 130 vacas em lactação. Estamos com uma média boa, mas era para ser melhor. Hoje, estou utilizando uma suplementação mineral para o rebanho de produção e pré-parto, produtos de duas companhias de renome no mercado, já fizemos análises e vimos que os resultados estão evoluindo”, avalia Santos.
É de sonhos que vive o homem – É com essa frase que o produtor Fábio Júnior Santos começa sua história na produção leiteira. “A história da Fazenda Encanto se baseia na realização de um sonho de infância. Passei a minha infância em Nossa Senhora da Glória, saindo do município com 11 anos. Era uma vida muito difícil na roça, apesar de que éramos felizes, e sempre trouxe o sonho de ter minha atividade no campo”, lembra ele, contando que o tempo foi passando e, em 2018, conseguiu comprar uma pequena propriedade que pertencia ao seu avô paterno.
Já em março de 2019 chegaram os primeiros animais de leite dando início ao projeto de produção da Fazenda Encanto, que completa completa agora em 2023 quatro anos de atividade. “É um trabalho muito novo, mas eu sinto que aquele desejo de infância foi atendido. Trinta anos depois, retornamos para aquele município, levando desenvolvimento e também oportunidade de trabalho a jovens, ou seja, novas perspectivas dentro da pecuária de leite”, diz o produtor.
Para alcançar esse objetivo, conta ele, o primeiro desafio que a Fazenda Encanto enfrentou foi definir a raça e qual sistema adotaria para tocar esse projeto da melhor maneira. “Os primeiros animais que adquirimos foram da raça Girolando, mas logo em seguida visitei cerca de 16 fazendas do Sul e Sudeste, e foi quando nossa visão meio que mudou um pouco, pois tivemos contatos com profissionais da área, que já estavam dando assistência aqui no Nordeste e optamos por utilizar a raça Holandesa, alojando os animais no compost barn, com objetivo de oferecer conforto térmico”, informa ele.
A base genética da Fazenda Encanto é oriunda de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, região de Castro. O criador trouxe mais de 100 animais jovens (bezerras e novilhas) dessas regiões, exemplares escolhidos com muito cuidado, considerando a linhagem e a genotipagem. A propriedade comprou animais, em leilões, que são filhos de campeões mundiais da raça Holandesa.
Segundo Fábio Santos, com esse plantel foi possível obter uma base genética que garante resultados em produtividade, comparados às boas fazendas do Sudeste. “Esses animais de famílias que têm bons desempenhos, já estamos aspirando e transferindo embriões para acelerar o processo de melhoramento genético, e naturalmente preencher toda estrutura do compost barn com animais de alto padrão produtivo.”
A primeira instalação do compost barn foi inaugurada no final de 2019 para 80 animais em lactação, sendo ampliada um pouco mais tarde para 200 animais em lactação. “Estamos sempre em obras, visando melhorar toda essa estrutura para toda as categorias: lactação, vacas secas, cria e recria para que tenhamos uma reposição com animais sempre de melhor padrão genético e desempenho”, diz ele, destacando que outro grande desafio refere-se à mão de obra treinada, algo que não havia na comunidade. “Então, temos atuado nessa missão de capacitar pessoas para nos ajudar nesse projeto de desenvolvimento da Fazenda Encanto.”
Assistência técnica e inovações – Para o pecuarista, a assistência técnica é indispensável, pois nenhuma fazenda vai prosperar se não tiver esse suporte. E o produtor precisa estar aberto às novas tecnologias, inovações, redefinição dos processos e novas práticas, se quiser avançar. “A partir do momento que tivemos acesso a esses profissionais, como o médico veterinário Diogo Resende, que coordena o projeto, do zootecnista que tem adaptado a nutrição ao que temos disponível nas fases do ano, conseguimos suporte seguro para incrementar nosso projeto. Também os estagiários, estudantes da Universidade Federal de Sergipe, que a gente traz e quem se destaca, contratamos”, comenta.
O produtor acredita que nos próximos dois anos o compost barn da Fazenda Encanto estará no limite de sua capacidade e por isso já está estudando para onde a propriedade vai caminhar. “Vamos ampliar as instalações ou, estrategicamente, atuaremos em outra frente comercial. Enfim, são várias possibilidades de incrementar o negócio”, reflete o proprietário.
O consultor do Senar/SE avalia que essas duas grandes fazendas do Estado, que hoje são referência, mostram o potencial da atividade no Estado. A Santa Clara começou pequena e há mais tempo na atividade, mas, nos últimos tempos, rapidamente se aperfeiçoou muito com os investimentos em tecnologias de produção de leite.
Já a Fazenda Encanto é um projeto iniciado há poucos anos, que começou, digamos, grande. São duas fazendas que criam gado Holandês PO, registrado, fazem o controle leiteiro oficial, classificam e promovem um trabalho exemplar na qualidade do leite. “Mensalmente, faço as análises individuais de qualidade do leite e os resultados têm sido muito bons, inclusive a Fazenda Santa Clara ganhou premiações de nível nacional, como a na categoria maior teor de gordura e proteína, que são coisas que só agregam valor à pecuária de leite de Sergipe”, arremata o zootecnista do ATeG/Senar, Pablo Jonata.
• Atividade explorada por pequenos, médios e grandes produtores em todos os municípios;
• Rebanho, em média, de 229 mil vacas ordenhadas (2020);
• Os municípios: Nossa Senhora da Glória, Porto da Folha, Poço Redondo, Canindé, Monte Alegre, Aquidabã, Feira Nova, N.S. da Dores e Carira são os dez maiores produtores de leite do Estado;
• No período de 2011 a 2016, eles responderam, em média, por 62,9% da produção leiteira sergipana
• Esses municípios se concentram nos Territórios do Alto Sertão e Médio Sertão, salvo Carira, que fica no Agreste Central;
• Reconhecendo a supremacia da cadeia leiteira do Alto Sertão, a Assembleia Legislativa de Sergipe aprovou Lei conferindo a Nossa Senhora da Glória o título de “Capital Estadual do Leite”;
• A bacia leiteira liderada pelo município de Glória se diferencia das demais, pois sua produção circula internamente, envolvendo a participação de grandes laticínios, pequenas e médias queijarias;
• Especialistas apontam alguns motivos: boa genética do rebanho leiteiro, condições meteorológicas favoráveis, com chuvas acima da média, e a grande safra de milho – bastante utilizado na produção de forragem (alimento para o gado).
Dados IBGE e estudo de panorama elaborado por Pablo Jonata, do Senar/SE
• Produz silagem de milho;
• Dieta: silagem, concentrado à base de cevada, polpa cítrica e milho rehidratado;
• Produção: 4 mil litros de leite por dia, com
100 animais em lactação;
• Leite: gordura 5,17%; proteína 3,4; CCS 215 mil/ml;
• Vende para a Laticínios Natville.
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