O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – Ipea cumpre o papel de fazer estudos sobre diversas áreas de interesse, não somente para o governo, mas para toda a sociedade. Analisam, por exemplo, assuntos como saúde, educação, agricultura, sempre sob a ótica econômica. Nestes quase 50 anos de existência, o Ipea construiu grande credibilidade, pela qualidade dos estudos que realiza.

Além de contribuírem com a formulação de políticas públicas, suas análises têm forte repercussão entre formadores de opinião, principalmente quando fazem previsões em relação ao futuro. E o que estão prevendo para o setor leiteiro para 2023? O Ipea acredita que o nosso setor terá PIB negativo neste ano. O PIB, ou Produto Interno Bruto, é a soma de tudo que se produz no País ao longo do ano, contabilizado em valores monetários.

Toda previsão em economia embute uma margem de erro. Mas os economistas têm, na construção de cenários futuros, uma de suas práticas profissionais de grande relevo. Afinal, ao buscar antever o futuro, é possível procurar mudá-lo no presente, em alguns casos. Em outros, se a previsão parece ser inevitável, o melhor é se preparar para este futuro.

Apesar de todo futuro ser incerto, os economistas sabem que as previsões econômicas são autorrealizáveis, ou seja, se todos acreditam que algo vai acontecer, agem naquele sentido e a previsão se torna realidade. Portanto, se todos acreditarem na previsão do Ipea, irão produzir menos leite e então a produção cairá. As previsões econômicas têm o dom de se autorrealizarem, porque mexem com as expectativas das pessoas.

Há nove anos o setor de Leite e Derivados está estagnado. A produção tem oscilado entre 33 e 35 bilhões de litros/ano, depois de uma trajetória contínua de crescimento, que vinha desde os anos noventa do século passado. E o consumo per capita também não tem crescido, estando entre 167 e 176 litros/habitante/ano.

No ano passado, o setor não teve um bom desempenho. O IBGE confirmou uma retração de 5% na captação de leite em 2022, o menor volume em seis anos e o segundo ano com queda consecutiva. Somente a região Nordeste mostrou crescimento no volume captado. Entre os seis estados de maior produção, apenas Santa Catarina teve variação anual positiva. Diante deste cenário, o Ipea está prevendo que os diferentes setores do agronegócio irão muito bem. Mas o setor de leite e derivados deverá ter um crescimento negativo (-1,4%).

Este é cenário de PIB do leite negativo é possível, mas muito pouco provável. Pelo menos é o que mostram os dados de leite captado pelos laticínios com inspeção federal, estaduais ou municipais. Os dados do IBGE mostram que o setor iniciou uma trajetória de captação negativa em fevereiro de 2021 e, mensalmente, foi registrando queda, quando comparada a captação com o mês do ano anterior. Por exemplo, em fev./2021 a captação foi menor em -2,0% que em fev./2020.

Seguindo esse critério, entre fev./2020 até jun./2021 a variação da captação se estabilizou. Mas a partir daí despencou mês a mês. Mais que isso, foi aumentando a velocidade da queda. Se até dezembro/2021 a queda não ultrapassou a 2,0%, a partir daí a progressividade levou a quedas acima de 5,0%, chegando a -6,2% em jun./2022. Desde então, mês a mês, tem ocorrido taxa de crescimento de captação, embora continue negativa. O último dado disponível, para dez./2022, mostra uma recuperação da taxa de crescimento de 1,2%, saindo de -6,2% para -5,0%. É possível que o pior já tenha passado e a produção esteja em recuperação,

Por outro lado, desde jan./2020 até abr./2022 ocorreu situação de margens muito estreitas para o produtor, com os preços dos insumos correndo na frente do preço do leite recebido pelo produtor. Isso desestimulou imensamente a produção, porque descapitalizou o produtor e em muitas propriedades faltou dinheiro em caixa para comprar ração e fertilizantes, que estava caríssima, com os preços mais elevados da história recente.

Todavia, este cenário parece ser passado. As margens ficaram melhor a partir de junho/2022, criando um estímulo ao aumento da produção, ainda que o produtor esteja machucado e temeroso quanto ao futuro. Teremos belas safras de milho e soja este ano, os reservatórios das hidrelétricas estão cheios e o preço do petróleo está em queda. Portanto, não há pressão de custos em termos de alimentação, de insumos como fertilizantes e de energia e combustível. Com custos bem-comportados, deveremos ter margens estimulantes.

Pelo lado do consumo, há novidades. A primeira é que está sendo retomada a distribuição de recursos para famílias de baixa renda. A segunda, é que está ocorrendo negociação de passivos de famílias devedoras e a terceira é que haverá recomposição de perdas salarias para famílias de classe média. A quarta é que a inflação deverá continuar bem-comportada. Tudo caminha para o estímulo à produção de leite, via renda no bolso do consumidor. Portanto, o PIB do leite não deverá ser negativo em 2023, como o Ipea prevê.