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Pastagem no Sítio São Luiz formada sem o preparo do solo

SUSTENTABILIDADE

Plantio de pastagem sem preparo do solo,

um método adequado para áreas montanhosas

A adoção de tecnologias sustentáveis na formação de pastagens é um fator fundamental para o aproveitamento de certas áreas e na produtividade do sistema de produção

João Carlos de Faria

Todo mês de junho os olhares se voltam de forma especial para o meio ambiente, cuja data é celebrada no dia 5, sempre despertando a atenção da sociedade para a situação ambiental no campo, que é onde se concentra grande parte dos recursos naturais que precisam ser preservados para garantir a sustentabilidade do Planeta, papel que o produtor rural tem exercido com empenho, na maioria das vezes. Vale lembrar que o solo é um desses recursos, cuja manutenção depende muito da forma como se utiliza a terra para as atividades do dia a dia de uma propriedade rural.

Chama a atenção o fato de que 33% dos solos do Planeta estão ameaçados de desertificação pela erosão e que, no Brasil, se perdem anualmente cerca de 600 milhões de toneladas de solo devido ao processo erosivo, causado muitas vezes por práticas equivocadas no seu manejo. No Estado de São Paulo, 80% das terras cultivadas sofrem algum processo de erosão, sendo perdidas, anualmente, cerca de 62 milhões de toneladas de solo, conforme estudos da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati).

Ricardo Manfredini Requejo: “Começamos a aplicar empiricamente uma técnica de preparo, que não exigisse o revolvimento do solo, que acabou se tornando a ferramenta mais adequada, sem o risco de erosão”

Nesse contexto, segundo o engenheiro agrônomo Ricardo Manfredini Requejo, técnico desse órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, a adoção de tecnologias sustentáveis na formação de pastagens é um fator fundamental para o incremento da produtividade na pecuária de leite. Isso ganha um significado ainda maior quando se constata que grande parte dos problemas de erosão se deve às práticas convencionais no preparo de solo, trazendo perda da fertilidade, pastagens malformadas e, com frequência, a punição dos produtores por deixar de cumprir a legislação.

Por isso, o manejo correto na exploração do potencial de uma pastagem começa pelo cuidado com o solo, de modo a mantê-lo sempre fértil, preservando suas características físicas, químicas e o máximo de matéria orgânica, fundamental para a sua conservação.

Foi a partir dessas e de outras observações quanto à forma tradicional com que as pastagens são formadas em propriedades leiteiras da região serrana do Vale do Paraíba que Manfredini começou a buscar novas práticas de manejo do solo. Para superar o preparo de solo tradicional feito morro abaixo, com a ausência ou incorporação deficiente das sementes no plantio, é que ele desenvolveu um método simples, mas eficaz.

Esse método se baseia no plantio sem o preparo do solo para controlar a erosão em áreas montanhosas e evitar que os produtores sejam enquadrados na lei de uso, conservação e preservação do solo agrícola no Estado de São Paulo, que proíbe tratores em áreas com declividade acentuada e multa qualquer forma de erosão.

O método desenvolvido por Manfredini já se tornou referência para áreas montanhosas em várias regiões do Estado de São Paulo e até para outros Estados

Com o tempo, o trabalho, iniciado em 2006, com os primeiros testes ainda sem muitas pretensões, tornou-se uma prática inovadora reconhecida por institutos de pesquisa e órgãos de extensão rural. E mais: hoje já se espalhou por quase todas as regiões do Estado e até por outros Estados, sendo recomendada por técnicos da própria Cati e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

“Só é bom lembrar que esse sistema não é de plantio direto nem de sobressemeadura”, ressalta o técnico. Ele explica que, diferentemente dessas técnicas, o método que desenvolveu inclui a eliminação da pastagem degradada ou da vegetação que por acaso tenha crescido em seu lugar, para que seja formada uma nova pastagem na área. “Após a dessecação e depois de um período de 15 a 30 dias, é feita a semeadura, utilizando-se o dobro da quantidade recomendada para o plantio convencional, conforme instrução dos próprios fornecedores, informação que nós fomos confirmando nos testes que realizamos.”

Segundo Manfredini, a ideia desse método surgiu sem visar à elaboração de uma tecnologia específica para essas áreas declivosas, mas pela constatação de que muitos produtores só tinham uma área montanhosa disponível para desenvolver a pecuária e aumentar sua produtividade, sem dispor de outra área com topografia mais favorável. “Começamos a aplicar empiricamente uma técnica de preparo, que não exigisse o revolvimento do solo, que acabou se tornando a ferramenta mais adequada, sem o risco de erosão do solo.”

O técnico acrescenta que, normalmente, as pastagens são feitas com braquiária (Brachiaria decumbens), um capim menos produtivo, que nem sempre contempla as expectativas dos produtores de leite que precisam trabalhar com pastejo intensivo em áreas que, na maioria das vezes, não passam de um hectare. “Para trabalhar numa área intensiva, tem que ser com um capim de alta produtividade, coisa que a braquiária não consegue garantir”, afirma.

 

Experimentos validam a prática – A primeira unidade demonstrativa com a utilização do plantio sem o preparo do solo foi instalada em 2006, numa área de 0,1 hectare, com declividade de 33% e classe 7 de capacidade de uso do solo, localizada no Sítio Bela Vista, na Serra da Mantiqueira, em Tremembé (SP). “O desafio era substituir o capim braquiária pelo mombaça, uma forrageira muito mais produtiva, ideal para ser utilizada em sistemas de manejo intensivo”, afirma Manfredini.

Entre 2009 e 2011, novos testes foram realizados numa propriedade em Redenção da Serra (SP), dessa vez com a utilização do capim braquiarão semeado em áreas de gramíneas como grama batatais, sapé, rabo-de-burro, entre outras, que indicavam que a pastagem estava degradada. Posteriormente, mais experimentos foram sendo realizados já com o respaldo técnico de pesquisadores do Polo Regional do Vale do Paraíba da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), com quem a Cati firmou parceria, além do apoio da iniciativa privada e de técnicos de outros órgãos da SAA-SP.

Em 2013, foi realizado mais um teste no Polo Regional do Vale do Paraíba, com a semeadura a lanço de 20 kg de sementes por hectare, com 50% VC (valor cultural) para braquiárias e 40% para o capim mombaça. O técnico explica que, quanto maior for o índice VC, maior será a quantidade de sementes viáveis por quilo e, portanto, mais sementes viáveis são lançadas por metro quadrado, resultando em melhor estande.

Bons resultados em Santa Isabel – O Sítio São Luiz, localizado no Bairro do Jaguari, em Santa Isabel, na região metropolitana de São Paulo, é tipicamente uma propriedade que pode ser enquadrada nas características comuns à maioria na região: é de pequeno porte, com área total de 10 hectares; dedica-se exclusivamente à produção de leite em pequena escala, 50 litros de leite/dia, com rebanho em lactação de cinco vacas Girolandas padrão 3/4 e 5/8, e tem pastagens degradadas em áreas de morro.

“Nascido no leite”, como diz, Rezende usa a metade de sua propriedade para a exploração leiteira, já contando com as capineiras e as pastagens, inclusive nas áreas mais declivosas do sítio.

João Bosco Rezende: “Recomendo tranquilamente esse método, porque é uma tecnologia que traz muitos ganhos, desde que sejam seguidas as orientações passadas pelos técnicos”

Como o produtor trabalha sozinho no Sítio São Luiz, a formação da pastagem foi feita gradativamente, com a instalação de dois piquetes por vez

Por essas razões, a propriedade foi escolhida para abrigar uma unidade demonstrativa para receber produtores interessados em conhecer a tecnologia. O trabalho foi iniciado em 2020, mas a pandemia de covid-19 e as medidas restritivas prejudicaram o cumprimento desse objetivo e restringiram o acompanhamento dos técnicos. Mesmo assim, o proprietário, João Bosco Rezende, seguiu as orientações de Manfredini e da zootecnista Dayla Isabel Ribeiro Ciâncio, da Cati – Regional de Mogi das Cruzes –, para formar uma área de cerca de 1 hectare, que foi dividida em oito piquetes, com semeadura de mombaça, sem a preparação do solo.

“Fiz aos poucos seguindo a orientação deles, formando os piquetes dois a dois. É bem melhor do que ter que fazer a aração da terra: é mais rápido, mais barato e funciona”, conta o produtor. Aliás, o maior mérito dessa iniciativa, segundo ele, é não precisar mexer com o solo, principalmente nas partes das propriedades onde a topografia não ajuda muito, evitando com isso o processo de erosão, exatamente da forma como concluíram os técnicos em seus experimentos. “A palhada fica lá e o solo é preservado”, diz.

Além disso, Rezende calcula uma economia de pelo menos 30% no valor de formação do pasto, apontando como fatores com maior peso nas despesas a análise de solo, o calcário e a mão de obra, que, no seu caso, praticamente se resumiu ao seu próprio trabalho. Também a recomendação dos técnicos para o uso de sementes de capim mombaça foi acatada e aprovada por ele. “É um capim exigente na adubação, mas o resultado é bom.” A maior parte do material utilizado pelo produtor foi doada pela própria Cati e por empresas parceiras do projeto, mas a estimativa do custo é de aproximadamente R$ 2,5 mil por hectare.

Dayla Isabel Ribeiro Ciâncio: “Uma das próximas metas é mensurar os resultados em termos de volume de produção e os efeitos em relação à produtividade do rebanho”

A experiência no Sítio São Luiz tem inspirado outros produtores, mas a proposta de receber grupos ainda não foi possível, embora a propriedade agora já esteja aberta a visitas. Também a ampliação da área, que estava nos planos de Rezende, deve ser adiada até que haja melhoria significativa da situação do leite. “Mas recomendo tranquilamente a quem esteja pensando nessa possibilidade, porque é uma tecnologia que traz muitos ganhos, desde que seguidas as orientações passadas pelos técnicos.”

Rezende faz parte de um grupo de produtores atendidos por Dayla Ciâncio, que visita a propriedade periodicamente e passou a observar que a pastagem se deteriorava gradativamente. “Estava muito compactada e vinha sendo invadida por outras gramíneas. Por isso, sugerimos ao produtor que fizesse a experiência numa área inclinada. Consideramos ainda que a propriedade está numa região de proteção de mananciais, parte do sistema que abastece a cidade de São Paulo e, portanto, com restrições legais quanto à movimentação de solo”, afirma Dayla.

O trabalho foi realizado passo a passo: primeiro, análise e correção do solo para que ficasse em condições de receber a semente de um cultivar mais produtivo; depois, o que restava de pastagem foi dessecado e finalmente jogada a semente com o adubo. Nesse período, o acompanhamento dos técnicos continuou, mesmo sendo à distância. “Agora já estamos retomando o trabalho presencial”, diz Dayla.

O resultado, segundo a zootecnista, é muito bom, pois não houve perda de solo, a pastagem nasceu de forma homogênea e a produção foi escalonada, já que a pastagem foi formada por etapas. “Isso facilita muito a vida do produtor que, como ele, trabalha sozinho”, avalia. Uma das próximas metas é mensurar os resultados em termos de volume de produção e os efeitos em relação à produtividade do rebanho.

Dayla explica ainda que a recomendação do mombaça leva em conta a relação folha x caule e, como a quantidade de folhas é maior do que a de caules, isso o torna um capim de grande produção, com capacidade de pastejo bem maior, motivos que justificaram a recomendação para que fosse utilizado no sítio. “Além disso, é um capim que se dá bem na região e, para o produtor, é bem melhor do que o anterior. É uma novidade para ele.”

Para avançar e tornar a tecnologia ainda mais sustentável nas próximas experiências, ela entende que será preciso pensar na possibilidade de substituir a aplicação de glifosato por outra forma menos agressiva para o meio ambiente, com os mesmos efeitos. “Vamos buscar outra prática que seja ambientalmente mais sustentável”, diz.

O método permite o aproveitamento de áreas montanhosas e em regiões onde os solos são extremamente sensíveis à erosão, sem infringir a lei (Sítio São Luiz)

VANTAGENS DESSA PRÁTICA, SEGUNDO OS TÉCNICOS

 
• É uma opção ao preparo de solo “morro abaixo”, prática tradicional de cultivo de pastagens em propriedades montanhosas do Vale do Paraíba e de outras regiões;
• É acessível a todos os produtores rurais;
• Possibilita a reforma e a renovação de pastagens degradadas sem preparo de solo;
• Permite o aproveitamento de áreas montanhosas e também em regiões onde os solos são extremamente sensíveis à erosão, sem infringir a Lei de Uso e Conservação do Solo Agrícola do Estado de São Paulo;
•Viabiliza a exploração pecuária em propriedades onde a disponibilidade de tratores e implementos agrícolas é precária;
• No momento da semeadura, o solo fica protegido da ação das chuvas com material vegetal morto (palhada), por causa da aplicação de herbicida não seletivo, sistêmico, reduzindo as perdas de solo por erosão em 96%;
• Importante aliado no combate à crise hídrica, pois preserva a infiltração e a retenção da água no solo;
• Não contribui para o aquecimento global por se tratar de agricultura de baixo carbono, pois não há revolvimento do solo e, por consequência, não há queima de matéria orgânica que produz gás carbônico;
• É uma prática de conservação que mantém e melhora a capacidade produtiva do solo;
• Preserva a fertilidade da camada superficial do solo, a mais fértil;
• Tem custo de 20% a 30% menor na comparação com o plantio de pastagens no sistema convencional;
• Evita riscos de acidentes ao tratorista, quando comparado com o preparo de solo “morro abaixo”;
• Diminui as perdas de insumos pelo escorrimento superficial da água da chuva.

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