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Lagoa de maturação de efluentes (esterco, urina e água) provenientes das instalações dos animais

MANEJO DO ESTERCO

Por um destino adequado dos

RESÍDUOS

Responsabilidade compartilhada permeia a cadeia produtiva até o consumidor final

Luiz H. Pitombo

A preservação ambiental no campo é questão que diz respeito ao produtor rural, mas que também precisa ser abraçada por outros agentes, como a indústria, o Estado, a extensão rural, os municípios e o consumidor final, se este deseja um produto ambientalmente mais correto, mesmo que tenha de pagar mais por isso.

Em se tratando dos pecuaristas, dada a dimensão do País e suas diferenças regionais, não é possível se estabelecer um padrão único de como se encontra a situação, segundo afirma o zootecnista Júlio Palhares, da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), pesquisador em manejo de águas e resíduos na produção rural.

São os três Estados do Sul (RS, SC, PR) que se encontram mais evoluídos nessa questão, graças a uma discussão mais antiga atrelada à suinocultura. Quanto a Minas Gerais, que é a principal bacia leiteira do País, na Região Sudeste, sua situação é mediana, avalia o pesquisador. Condição similar é verificada nos Estados do Centro-Oeste. Nas Regiões Norte e Nordeste, as condições ainda deixam a desejar.

“Numa avaliação ampla, infelizmente temos muito ainda para fazer em relação à intervenção no manejo ambiental nas fazendas leiteiras”, afirma, e este manejo é muito mais do que seguir o Código Florestal. Mesmo a pasto, as propriedades produzem grande volume de excretas (esterco, urina), além de água de limpeza durante as ordenhas e embalagens variadas, e também seringas usadas e carcaças de animais mortos.

Júlio Palhares: “Pecuaristas devem ir se adequando à demanda da sociedade quanto ao manejo correto dos resíduos que causam impacto no meio ambiente”

A falta de conhecimento, como aponta Palhares, permeia a universidade – pois os cursos não dão essa formação aos alunos – e passa por técnicos da extensão até o produtor rural.

Mas, frente a tais questões, o pesquisador diz que existem tecnologias acessíveis e que os pecuaristas devem ir se adequando à demanda da sociedade quanto ao tratamento e ao destino apropriado de resíduos que causam impacto no meio ambiente.

Formas de manejo – Existem diferentes formas e tecnologias de manejo desses resíduos, cuja escolha deve levar em conta sua adequação às condições e às necessidades da propriedade. Inclusive, vale ressalvar, há significativas diferenças de custos e necessidade de mão de obra capacitada. Em todas elas, o objetivo é o manejo adequado do material, de modo a se evitar a proliferação de moscas, os maus odores e, sobretudo, os danos ao meio ambiente. 

Esterco acumulado perto do curral vira criatório de moscas

Além disso, de quebra, pode-se utilizar o produto final do processo de fermentação/maturação do esterco como um biofertilizante de qualidade para as lavouras, na forma líquida (chorume), e na forma de adubo sólido.

Vale lembrar ainda que o sistema de biodigestor possibilita a produção do biogás (gás metano), que pode ser usado na geração de energia elétrica e como combustível na fazenda. Essa tecnologia do biogás, como observa Palhares, tem um custo elevado, considerando-se toda a estrutura e equipamentos necessários, acrescentando a falta de mão de obra treinada para sua operação.

Ele alerta que, na utilização desse adubo orgânico, os produtores de leite precisam estar atentos às questões agronômicas, ou seja, o que existe já naquele solo, quais as características dos resíduos, o tempo certo de aplicação e o local adequado.

O manejo ambiental, conforme como constata Palhares, pode ser difícil e oneroso. Como não existe biotecnologia milagrosa, é preciso que se façam adaptações de acordo com a realidade do produtor. Também há a necessidade de uma mudança na própria cultura do produtor na condução dessas questões.

O que fica de mais simples e econômico são as esterqueiras, nas quais são destinados os efluentes das lavagens das instalações da ordenha e o esterco. Para construí-las, deve-se escavar um tanque, que recebe uma lona impermeabilizante, com espessura e material apropriados (geomembrana), para evitar o contato dos resíduos com o solo. Após o período de repouso, o material depositado na esterqueira poderá ser utilizado, tendo um destino nobre e econômico.

Quanto ao compost barn, o uso do material compostado segue os mesmos indicativos de um resíduo comum que, no caso, se encontra em sua forma sólida.

MANEJO CORRETO DOS RESÍDUOS ORGÂNICOS TORNA-SE UM BÔNUS PARA A PROPRIEDADE

“A primeira coisa que o pecuarista precisa ter consciência é do valor nobre dos nutrientes (nitrogênio, carbono, potássio, fósforo e outros) que se pode devolver ao solo de maneira praticamente gratuita”, salienta o pecuarista de leite Roberto Jank, engenheiro agrônomo, diretor da Agrindus, em Descalvado (SP).

De toda a forragem que Jank usa na fazenda, ele estima que tenha uma economia de 20% em adubos que deixa de aplicar nessas áreas. Diariamente, todos os seus animais recebem matéria verde também de corte de área de tifton com 25 anos, com elevada produção de 40 toneladas de matéria seca por hectare/ano, tratada só com fertilizante orgânico.

Na média por ano, a produção diária da fazenda atinge 65 mil litros de leite com 1.800 vacas em lactação e média de 36 litros/dia/vaca, com animais da raça Holandesa. Considerando o rebanho total, são 4.800 cabeças, das quais 300 vão a leilão. Todos os animais estão no sistema free stall, exceto as vacas no pré e no pós-parto, que permanecem no compost barn.

As atividades são diversificadas e incluem um laticínio próprio, detentor da marca Letti A2, avicultura de corte, laranja e grãos e a reciclagem ocorre também entre os demais segmentos, como a cama de frango para a cultura de citros. Os efluentes do laticínio são reciclados na ferti-irrigação.

O engenheiro agrônomo ressalta a importância de o produtor de leite repor a matéria orgânica que retira do solo, até mais que um produtor de grãos que se utiliza do plantio direto, dada a maior quantidade utilizada na produção de alimentos para o rebanho.

 

Roberto Jank: “Para o pequeno produtor, a adoção de tecnologias mais complexas é mais difícil por causa dos custos, mas ele pode fazer uma boa compostagem, que é um processo conhecido há milênios”

“A palhada proveniente da cama das bezerras tem seu fim na elaboração de compostagem, com as carcaças de animais que morrem e que depois voltam para terras agricultáveis.

“Para o pequeno produtor é sempre mais difícil, porque as tecnologias não são baratas, como a ferti-irrigação. São necessários equipamentos, mas nada impede que se faça uma boa compostagem, que é um processo conhecido há milênios”, afirma Jank. O produto resultante fica disponível para qualquer porte de pecuarista.

Outro cuidado tomado na propriedade é o reaproveitamento da totalidade da água, desde aquela que cai nos telhados até a utilizada para a lavagem das instalações. Para a produção de energia, está nos planos da empresa a instalação de painéis fotovoltaicos nos galpões, uma vez que não foi viabilizado economicamente o uso do gás da fermentação do biodigestor.

Ricardo Schiavinato: “Por ter sistema de pastagem, o maior benefício do manejo dos resíduos é a proteção ao meio ambiente, ou seja, evitar que o material caia no rio que atravessa a propriedade”

Manejo ambiental – Produtora de leite orgânico desde 1997, a Fazenda Nata da Serra, em Serra Negra (SP), adota o pastejo intensivo rotacionado em 25 hectares em áreas com ferti-irrigação e que também recebem os dejetos sólidos. Com 80 vacas em lactação da raça Jersolando e outros cruzamentos e produção diária de 1.500 litros de leite/dia, toda a produção é dirigida à elaboração de queijos, iogurtes, manteiga e outros em laticínio próprio.

O engenheiro agrônomo Ricardo Schiavinato, o proprietário, explica que, como o sistema é a pasto, o volume de dejetos acumulados não é alto, concentrando-se apenas na sala de espera e na de ordenha. O local é lavado com água e o material é conduzido a dois tanques de fibra de 20 mil litros cada, sendo encaminhado diretamente para o sistema de irrigação após cerca de 14 dias de repouso. O mesmo trajeto acontece com os efluentes do laticínio.

Dentro da rotina, também se encontra a limpeza dos tanques de fermentação dos resíduos, realizada a cada três ou quatro meses, o que representa certa dificuldade, diante das fibras longas que se acumulam no recipiente, sendo este um desafio a ser enfrentado. “Existe equipamento, mas seu valor é muito elevado”, diz.

Embora reconheça a contribuição em termos de nutrientes ao solo que o tratamento de resíduos proporciona, Schiavinato diz que o volume de resíduos produzidos é pequeno considerando-se a área de pasto que teria de ser adubada. Por isso, ele avalia que o maior benefício advenha da proteção do meio ambiente, já que se evita que o material caia no rio que atravessa a propriedade.

Também produzindo hortaliças orgânicas, aponta que neste aspecto a contribuição do esterco recolhido dos caminhos e malhadouros e depois curtido tenha um efeito maior, por ser aplicado numa área menor.

Complexo de bactérias e enzimas otimizam positivamente a fermentação


“É importante manter não só um manejo de resíduos eficiente, mas também um ambiente adequado para os animais. Nesse contexto, existem estratégias que permitem influenciar de forma positiva o ecossistema microbiano da cama em que os animais descansam, do esterco sólido durante o período de compostagem e também das lagoas de maturação dos dejetos líquidos”, observa Mateus Castilho, engenheiro agrônomo, doutor em Ciência Animal e gerente Técnico da Lallemand Nutrition, América do Sul, assinalando que, consequentemente, ocorre melhor controle do crescimento de bactérias indesejáveis nesses ecossistemas, trazendo benefícios para os animais e melhorando o valor agronômico dos resíduos orgânicos.

Com o objetivo de otimizar o processo de fermentação positiva desses resíduos, durante o manejo, entra em cena a tecnologia que consiste na aplicação de um complexo de bactérias e enzimas para promover o desenvolvimento de microrganismos benéficos.“As enzimas trabalham em sinergia com as bactérias: primeiro, as enzimas liberam os açúcares dos resíduos fibrosos, como palha, serragem, entre outros compostos presentes nos dejetos. Logo em seguida, as bactérias usam esses açúcares como substrato para crescimento. Essa sequência de eventos promove o desenvolvimento de bactérias específicas, redirecionando, de forma positiva, as fermentações que ocorrem nas camas dos animais e nos dejetos sólido e líquido”, explica Castilho.

Prosseguindo na explicação, ele diz que os compostos presentes nos dejetos são difíceis de serem quebrados e, por esse motivo, levam muito tempo para serem completamente degradados. A adição de enzimas acelera a quebra desses compostos fibrosos, liberando açúcares para o ambiente. Estes serão posteriormente utilizados pelas bactérias benéficas como substrato para crescimento.

“Para que esses açúcares sejam utilizados de forma rápida e eficiente, as espécies de bactérias adicionadas precisam estar bem adaptadas aos ambientes em que irão atuar. Por exemplo, elas precisam ter tolerância à alta concentração de moléculas orgânicas do meio, como é o caso das camas em que os animais descansam e dos dejetos sólido ou líquido”.

Em camas de compost barn ou freestall, a sua aplicação reduz a emissão de amônia dentro das instalações. Essa menor presença de amônia no ambiente melhora a qualidade do ar para as vacas, diminuindo os riscos de problemas respiratórios e promovendo maior conforto para o animal. “Além disso, melhora a higiene do local, pois estimula o crescimento de bactérias benéficas e diminui a proporção de bactérias indesejáveis. Tais condições também são benéficas para a criação de bezerras e novilhas”, destaca Castilho.

Vale assinalar ainda que em compost barn, esse complexo aumenta o teor de matéria seca da cama e prolonga seu tempo de vida útil. A reposição de cama é um item que pesa bastante no custo de produção do leite (algo em torno de R$ 35 a 40 por m3 de maravalha, por exemplo), o que leva à economia nos custos de reposição da cama, melhorando o retorno financeiro na atividade, nota o especialista.

Já no manejo do esterco sólido e líquido, o uso desse complexo promove maior retenção de N e P, fornecendo assim maior quantidade desses nutrientes para o crescimento das plantas na lavoura. Em lagoas de dejetos líquidos, a aplicação altera a consistência do dejeto, diminui a formação de crostas na superfície da lagoa e facilita a homogeneização/agitação do material. Tais alterações físicas facilitam a aplicação do chorume no campo.

“Após aproximadamente 30 dias de uso do complexo, já é possível observar diminuição do mau cheiro nessas lagoas. Isso ocorre pela redução na emissão de gases como NH3, CO2, metano e gás sulfídrico”, observa Castilho, ressaltando que o correto gerenciamento dos dejetos na lagoa de maturação é importante para minimizar o impacto/riscos de poluição de mananciais e contaminação da água do lençol freático.

Quanto à relação custo/benefícios, ele informa que o retorno gira em torno de R$ 2,50 a R$ 3,00 para cada R$ 1,00 investido. “Esse retorno irá variar de acordo com a resposta que poderá ocorrer em cada fazenda. A utilização é acessível para qualquer produtor, pois o produto é de fácil aplicação e não necessita de equipamentos de grande porte. Pode ser aplicado com o uso de uma bomba costal, por exemplo”, finaliza.

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