Em Santa Catarina, trabalhamos fortemente na produção de leite à base de pastagens perenes de verão, com sobressemeadura de pastagens de inverno, que permite aumentar a taxa de lotação, menor dependência de alimentos concentrados e conservados e mitigação dos impactos ambientais

ENTREVISTA

Edilene Steinwandter • presidente da Epagri

Produção de leite deve ser trabalhada de forma

intensiva e sustentável

Edilene Steinwandter é funcionária de carreira da Epagri. Ingressou na empresa em 2002, exercendo a função de extensionista rural no município de Ponte Serrada (SC). Em 2011 assumiu o cargo de gerente regional de Xanxerê e em 2015 tornou-se gerente estadual de extensão rural, onde permaneceu até a posse na presidência da Epagri, em 7 de fevereiro de 2019. Foi a primeira mulher a presidir a Epagri. É graduada em Agronomia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (1999), tem mestrado em Zootecnia pela Universidade Federal de Santa Maria (2009)
e especialização em Produção de Ruminantes pela Universidade Federal de Lavras.

Erick Henrique

Balde Branco – Trace um perfil da pecuária leiteira em SC, em função das particularidades do Estado, e qual pode ser (ou poderá) o futuro do leite aí? Quais seriam os diferenciais?

Edilene Steinwandter – A cadeia produtiva do leite tem alto impacto social e econômico em Santa Catarina. A atividade leiteira caracteriza-se por ser desenvolvida em pequenas propriedades familiares, em geral com menos de 50 hectares, com cerca 38 mil produtores responsáveis por 90% da produção leiteira do Estado, representando 100% do leite comercializado em agroindústrias com inspeção. A atividade leiteira constitui-se na principal fonte de renda para 60% dessas famílias. Como a característica do Estado é de pequenos produtores, a produção de leite tem que ser pensada para que seja trabalhada de forma intensiva e sustentável. O principal trabalho da Epagri é desenvolver essa produção principalmente baseada em pastagens, reconhecida mundialmente como forma sustentável de produção. Ainda a produção à base de pastagens apresenta menores riscos relativos a volatilidades do mercado, principalmente pela menor dependência de insumos externos à propriedade. Nesta linha de pensamento, onde nossa produção é baseada em pequenas propriedades, a Epagri vem aplicando esforços para que o diferencial do leite produzido em Santa Catarina apresente maior qualidade, garantindo segurança alimentar e preservação ambiental. Dessa forma, a Epagri vem atuando nas seguintes áreas-chave: produção sustentável, saúde animal, higiene na ordenha, alimentos e água, bem-estar animal, conservação ambiental, gestão socioeconômica e geração de energias renováveis. No ano de 2022, a Epagri, com apoio do governo do Estado, iniciou um projeto estadual visando à mitigação das emissões de gases do efeito estufa e agregação de valor da pecuária carbono zero em Santa Catarina. Nesse projeto se pretende gerar índices regionais para cálculo da pegada de carbono do leite e também gerar tecnologias que otimizem a produção e auxiliem na mitigação da emissão de gases do efeito estufa, com foco no metano emitido principalmente pelos ruminantes, como é o caso das vacas de leite.

BB – Como foi o desafio de assumir a presidência da instituição, que tem a responsabilidade de impulsionar o desenvolvimento produtivo, econômico e social das propriedades rurais de SC?

ES – Entrei na Epagri em 2002. Quando assumi a presidência, já estava com 17 anos de casa e mesmo assim foi um desafio grande. Venho da extensão rural e a instituição tem a pesquisa, além de outras áreas de atuação, que são novas para mim. Mas enfrentei esta oportunidade com coragem, porque sabia que podia contar com o apoio da equipe da Epagri, formada por mais de 1.600 funcionários que se espalham pelo Estado e se empenham diariamente para atender às necessidades das famílias agricultoras e pescadoras de Santa Catarina. Tenho certeza de que na minha gestão a Epagri cumpriu com sua missão de promover desenvolvimento econômico sustentável dos meios rurais e pesqueiro. O resultado mais visível se reflete na pujança da agricultura e pesca familiares catarinenses. Dados da Epagri/Cepa demonstram que o Valor de Produção Agropecuária (VPA) de Santa Catarina cresceu 80% entre 2018 e 2021, saltando de R$ 30,8 bilhões para R$ 55,7 bilhões. É bom lembrar que tal crescimento se deu apesar de estiagens, pandemia e outros percalços superados no período. Esse resultado é a soma de trabalho e esforços das famílias agricultoras e pescadoras, das entidades públicas e privadas, das cooperativas, que são um destaque catarinense, das federações, enfim um somatório de todos os que trabalham no agro catarinense e a Epagri tem também sua contribuição.

BB – Nesse sentido, as ações de pesquisa e extensão da Epagri atenderam a quantas famílias produtoras rurais nos últimos anos?

ES – A Epagri realizou, entre 2019 e outubro de 2022, um total de 415.904 atendimentos às famílias agricultoras e pescadoras do Estado. Na data de hoje a Epagri já atendeu, neste ano, 109.480 famílias agricultoras e pescadoras, o que representa 53,2% do total do Estado. O ano de 2020 foi o único em que não alcançamos a meta, em virtude do isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, que limitou nossas atividades a campo. Naquele ano reforçamos nossos meios digitais de atendimento e criamos um canal no YouTube específico para capacitações online, de modo a contornar as limitações impostas pelo isolamento, e obtivemos ótimos resultados. Na área da pesquisa a Epagri certificou, desde 2019, 91 novas tecnologias e cultivares: 20 em 2019, 23 em 2020 e 29 em 2021. Até o novembro de 2022 a Epagri já havia gerado 19 tecnologias. Além disso, anualmente a entidade atende em torno de 22 mil famílias produtoras de leite e, no ano de 2022, até a data de hoje, a Epagri já atendeu 22.260 famílias produtoras de leite.

BB – Aliado a isso, que medidas foram implementadas durante o seu mandato para aprimorar os serviços de assistência técnica ao produtor de leite de Santa Catarina?

ES – Buscamos dar todo o suporte às equipes técnicas para bem atender às famílias, passando por capacitações dos técnicos, aquisição de veículos, máquinas e equipamentos, que são ferramentas de trabalho dos extensionistas e pesquisadores para conseguirem desempenhar seus trabalhos em prol das famílias agricultoras. Criamos um canal no YouTube de capacitações online e realizamos inúmeras cursos e treinamentos para produtores de leite do Estado todo, principalmente durante o período de isolamento social imposto pela pandemia de covid-19. Executamos políticas públicas estaduais e federais com vistas ao desenvolvimento e ao fortalecimento da cadeira leiteira do nosso Estado. Reforçamos o trabalho com foco em unidades de referência técnica em propriedades rurais, para que estas sirvam de difusoras para outras unidades produtivas. Implementamos o Centro de Referência Tecnológica do Leite (CRT Leite), na Estação Experimental da Epagri em Campos Novos. Este centro é referência para o Estado de Santa Catarina e atua na capacitação de profissionais na área de bovinocultura de leite.

As tecnologias desenvolvidas e adaptadas pela Epagri para produção de leite à base de pasto têm permitido avanço dos sistemas produtivos e redução de custos de produção”

BB – Também na área de pesquisa a Epagri vem desenvolvendo diversas pesquisas, não?

ES – Poderíamos citar muitas outras ações, mas aproveito a oportunidade para apresentar as principais linhas de pesquisa que estão sendo desenvolvidas para a cadeia produtiva do leite: melhoramento genético de espécies forrageiras; intensificação sustentável dos sistemas integrados de produção agropecuária; suplementação alimentar estratégica para produção animal; implantação e manejo de pastagens; eficiência reprodutiva de ruminantes; bioprospecção de micro-organismos PGPBs; manejo integrado de pragas e doenças em pastagens; desenvolvimento, otimização e validação de métodos de diagnóstico molecular para patógenos com potencial zoonótico; enfermidades infecciosas que afetam a produção animal; desenvolvimento de modelos aplicados à produção animal; estudos socioeconômicos da pecuária catarinense; comportamento e bem-estar animal, e desenvolvimento de aplicativos e ferramentas de pecuária de precisão.

BB – Que tecnologias a Epagri desenvolveu nos últimos anos que poderiam ser adotadas em outras bacias leiteiras do Brasil, com o intuito de melhorar a sustentabilidade do negócio?

ES – A pecuária catarinense caracteriza-se, na sua maioria, por sistemas produtivos de pequena escala de produção, mas com grande potencial produtivo por área (leite por hectare). Atuamos na qualificação de técnicos para o melhor atendimento às famílias rurais que trabalham na atividade, orientando a produção de leite por meio de sistemas sustentáveis de produção à base de pastos perenes. As tecnologias desenvolvidas e adaptadas pela Epagri para produção de leite à base de pasto têm permitido o avanço dos sistemas produtivos e a redução de custos de produção. Dentre essas tecnologias, cito alguns exemplos que também poderiam ser aplicados em outras condições e bacias leiteiras do Brasil. Trabalhamos fortemente na produção de leite à base de pastagens perenes de verão, com sobressemeadura de pastagens de inverno, que permite aumentar a taxa de lotação, menor dependência de alimentos concentrados e conservados e mitigação dos impactos ambientais. Essa técnica possibilita aumentar em até 20% a produção anual de pasto, aliada ao aumento da qualidade das pastagens devido à introdução das espécies de inverno como aveia e azevém. Na linha de novas cultivares, a Epagri desenvolveu nos últimos anos espécies forrageiras que podem ser utilizadas em diferentes locais. Dentre essas espécies citamos o azévem-anual Altovale SCS 316, a missioneira-gigante SCS 315 – Catarina Gigante, o Lotus-serrano SCS 313 e o azevém- anual Centenário SCS 317. Com altura ideal de manejo, essas espécies forrageiras, como a missioneira-gigante e o azevém-anual, permitem maximizar a produção animal e vegetal, podendo aumentar em até 30% a produção de pasto e leite. O uso de mourões vivos como alternativa de cerca elétrica e a sombra no pasto contribuem para o bem-estar animal.

BB – Uma questão importante em SC diz respeito à sanidade do rebanho. Qual a situação atual e os novos avanços nesse quesito?

ES – A Epagri atua na orientação dos produtores para que estejam sempre com as medidas de prevenção de doenças como tuberculose e a brucelose em dia, respeitando o calendário e as necessidades de vacinação. Santa Catarina é um Estado livre de febre aftosa e ainda é o único Estado brasileiro com classificação “A” para brucelose e, junto com outros quatro Estados, também obteve nota máxima para tuberculose. É importante reconhecer que o estado sanitário dos rebanhos de SC se encontra nessa ótima situação, em função do belo trabalho desempenhado pela Cidasc, empresa coirmã da Epagri, que desenvolve os programas para controle, rastreamento e erradicação dessas doenças.

BB – Como a gramínea missioneira-gigante, desenvolvida recentemente pela Epagri, está contribuindo para melhorar a produtividade leiteira durante o verão?

ES – A missioneira-gigante vem sendo avaliada pela Epagri desde 1985, com destacada produção e qualidade de forragem, além de apresentar boa concentração de produção no período de outono-inverno. Essa forrageira é uma opção que vem auxiliar os produtores na construção dos sistemas pastoris, sendo uma ótima opção principalmente para uso em sistemas sombreados em função de sua alta tolerância à sombra. Contudo, as pastagens de verão em geral apresentam grande potencial de produção, por outro lado, o desafio é o de que não apresentam a mesma qualidade das espécies de inverno. A missioneira-gigante, quando bem manejada, pode atingir produções acima de 20 toneladas/ha/ano de matéria seca, mas esse manejo é essencial para garantir que os animais colham a melhor qualidade de forragem durante o processo de pastejo. Material forrageiro de alta produtividade e qualidade, adaptado a solos de baixa fertilidade. Adequa-se ao consórcio com amendoim forrageiro como leguminosa perene tropical. A sobressemeadura de espécies de inverno, especialmente azevém, aveia e trevos, pode ser efetuada. Adaptada às condições de clima e solo de Santa Catarina, apresenta-se como uma espécie promissora ao sistema de manejo rotacionado amplamente difundido no Estado.

BB – No mapeamento da Epagri, qual a conjuntura a respeito da participação das mulheres em cargos de gestão das propriedades no Estado?

ES – Dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE): Em SC são 183.066 estabelecimentos agropecuários – 164.195 dirigidos por homens e 18.871 por mulheres (10,3%). Ressalte-se que, na pesquisa, das propriedades “dirigidas” por homens, em 35% delas os agricultores afirmaram que a gestão era conjunta. Já na gestão de agroindústrias, conforme dados da Epagri/Cepa (2020) após 2010, observou-se que a participação das mulheres como proprietárias/sócias das agroindústrias tem aumentado. Considerando todos os empreendimentos pesquisados em 2009, essa participação era de 30,8%, enquanto no grupo das agroindústrias criadas a partir de 2010 as mulheres representavam 43,9% dos proprietários/sócios.

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