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No novo cenário da pecuária leiteira cearense, a palma representa uma grande aliada dos produtores e maior ainda será com a mecanização da colheita

LEITE NO CEARÁ

Produção leiteira cearense decola

Graças ao esforço de órgãos públicos, associações de produtores, universidades e pecuaristas, a maior produtividade nas fazendas permitiu que o Estado desse um salto de 63% na produção entre 2015 e 2019

Erick Henrique

Bons ventos sopram para os lados da pecuária leiteira cearense, pois, conforme dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os produtores tiveram um incremento na produção de 489,3 milhões para 797,4 milhões de litros por ano, no período de 2015 a 2019. Além disso, a estimativa da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet) do Ceará é de que, em 2020, a produção supere a do ano anterior e, mantida a média de crescimento dos últimos anos, o Estado alcance 1 bilhão de litros de leite até o fim de 2021.

Para entender como a cadeia produtiva daquele Estado obteve tamanho desempenho, o engenheiro agrônomo, professor e produtor Rodrigo Gregório da Silva, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, recorda que, em 2012, se estabeleceu o início do último grande período de seca, uma das maiores já ocorridas.

Tal situação, causadora de intenso processo de restrição aos sistemas, trouxe desafios, ao mesmo tempo em que se constituiu em gatilho para novo momento estrutural. Este processo foi responsável pela busca de alternativas alimentares, o principal fator restritivo para a atividade no Nordeste, estabelecendo-se de forma mais intensiva a produção de volumosos, com maior tecnologia.

Rodrigo Gregório da Silva: “Com melhor gestão do planejamento forrageiro e graças a precipitações pluviométricas em maiores níveis, ocorreram aumentos das médias de produção por animal e crescimento dos rebanhos, oriundos de uma nova base genética, mais produtiva"

“Além disso, por causa das restrições em relação à disponibilidade de alimentos, foi necessária a avaliação do rebanho, intensificando o descarte de animais menos produtivos, como forma de equilibrar melhor a demanda-oferta de forragem. Por fim, com o novo momento, com melhor gestão do planejamento forrageiro e graças a precipitações pluviométricas em maiores níveis, ocorreram aumentos das médias de produção por animal e crescimento dos rebanhos, oriundos de uma nova base genética, mais produtiva”, informa o professor.

Ele destaca que existe uma grande variação entre a média diária de produção de leite das fazendas no Estado, em função de fatores como microrregião climática, tamanho das propriedades e tipos de solos. Há regiões que possuem precipitações pluviométricas acima de 1.000 mm/ano, enquanto outras com valores por volta de 500 mm/ano. O outro aspecto é a possibilidade de irrigação.

“A partir daí pode ocorrer uma infinidade de possibilidades, com propriedades com potencial de produção variando de 1.000 a 60.000 litros/ha/ano. O que tem associado ao tamanho da propriedade, possibilitado resultados de produção baixas (menos de 300 litros/dia) às grandes produções (mais de 30.000 litros/dia). Ou seja, existem fazendas (grande maioria) que se apresentam abaixo daquelas localizadas nas regiões citadas, bem como exemplos de modelos já em funcionamento que apresentam produções acima das médias nacionais”, cita.

De acordo com professor, a bacia leiteira do Ceará se localiza na região central, diminuindo nos sentidos norte (litoral) e sul (Cariri). Ela se associa ao ambiente mais seco e nos vales, destacando-se os Sertões dos Inhamuns/Crateús, Sertão Central e Vale do Jaguaribe.

A palma forrageira, sem dúvida, tem sido a melhor estratégia para a pecuária leiteira do Semiárido brasileiro. Essa é uma unanimidade por parte de produtores e técnicos da região. Em todo o Semiárido já se estimam mais de 500 mil hectares plantados e, no Ceará, e seu cultivo está em plena expansão. “As bacias leiteiras localizadas nas regiões de menores precipitações e maiores evapotranspirações, onde a palma passou a ser uma fonte de carboidrato (energia) e água, diminuíram expressivamente a vulnerabilidade de seus sistemas. Universidades, Institutos Federais e o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária detêm enorme acervo de tecnologia para produção e uso da palma da pecuária leiteira”, explica o pesquisador da Embrapa Semiárido, o zootecnista Gherman Garcia Leal de Araújo.

Ele observa que o uso da palma no manejo alimentar e nutricional do rebanho leiteiro diminui a aquisição de insumos como milho e soja na propriedade e ajuda a manter os custos de produção mais baixos. Todavia, é preciso alertar sobre a necessidade de cultivo e associação de uso de outras espécies forrageiras (fontes de fibra e proteína) com a palma.

“Por outro lado, ainda temos um grande desafio, que é a mecanização da palma, principalmente para o médio e grande produtor. Nesse sentido, alguns esforços já estão sendo feitos, a exemplo da parceria entre Casale, USP e Embrapii, que assinaram um contrato para iniciar a segunda e última fase do projeto de desenvolvimento de um equipamento, criado do zero, para mecanizar a colheita da palma forrageira.

Vencida esta etapa, a região semiárida brasileira poderá se tornar umas das grandes produtoras de leite do Brasil, tendo a palma como o motor desse novo cenário”, ressalta Araújo.

Gherman Garcia L. de Araújo: “A palma forrageira tem sido a melhor estratégia para a pecuária leiteira do Semiárido brasileiro. São mais de 500 mil hectares cultivados e novas tecnologias de produção estão chegando"

Silagem de palma – Segundo ele, a produção de silagem de palma já é uma realidade em outras regiões do mundo, a exemplo de alguns países do Mediterrâneo, mas para as nossas condições ainda é uma novidade. A Embrapa Semiárido e a Universidade Federal da Paraíba, por meio de seu Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, já realizaram várias pesquisas e os resultados foram os mais animadores possíveis, e não há dúvidas do grande potencial dessa nova alternativa.

“Obviamente, é preciso mencionar que a produção de silagem de palma, espécie com apenas 10% de matéria seca, deve ser feita desde que se tenham disponíveis outras fontes (ingredientes) com matéria seca mais elevada (fenos, concentrados, resíduos fibrosos) e, claro, avaliar o custo de produção. A produção pecuária de terras secas jamais será eficiente se seu estoque de alimento não for regularizado e, para que isso aconteça, obrigatoriamente, o sistema de armazenamento deve ser adequado”, diz Araújo.

O pesquisador da Embrapa Semiárido ressalta também que a produção de silagem de palma tem uma íntima relação com as altas produtividades obtidas com essa forrageira. Conforme diz, muitos sistemas de produção têm alcançado de 400 a 500 toneladas em 18 a 24 meses/ha, a depender de densidade de plantio, uso de fertilizantes, disponibilidade hídrica (que não precisa ser alta), solos, temperatura e umidade adequadas.

“São, aproximadamente, 40 a 50 toneladas de matéria seca/ha, valendo destacar que, evidentemente, a produção de silagem de palma terá muito mais importância quando sua mecanização for uma realidade. O fato é que em toda a pecuária leiteira ao redor do mundo se busca maior produtividade por área com qualidade nutricional. A palma forrageira pode oferecer essa possibilidade e ser o maior instrumento de transformação da pecuária leiteira de algumas regiões do Ceará e do Semiárido”, explica ele.

Como foi apresentado no semiárido nordestino, produtores estão conseguindo avançar no leite, com a adoção de tecnologias sobretudo na produção da palma forrageira para a dieta dos animais (rebanho de Rodrigo G. da Silva)

Acrescido a isso, hoje os produtores podem contar com uma excelente ferramenta para o cultivo da palma, que é o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), adotado pelo Ministério da Agricultura, que visa diminuir os riscos relacionados às variáveis climáticas, possibilitando às diferentes regiões zoneadas serem identificadas como melhores locais de plantio, na época adequada. “Evidentemente, em algumas outras regiões produtoras de leite, com características climáticas melhores e diferenciadas, a presença da palma não será tão necessária, já que outras culturas como milho, sorgo e milheto passam a ser excelentes opções de volumosos.”

Três gerações apaixonadas pelo leite

 

Essa história começou em 1930, com Hilário Gonçalves, quando recebeu um lote de 35 hectares no município de Acopiara (CE). De acordo com seu neto Guilherme Gonçalves, que administra a Chácara Hilário Gonçalves juntamente com seus pais, Vanderlei e Ivonete Teixeira, já na gestão do seu avô, que gostava muito de leite, ele já começou a selecionar os animais que se destacavam na produção.

“Os meus pais continuaram morando no sítio, pois sempre gostaram muito da vida no campo, enquanto eu saí para estudar. Tempos depois, já casado e com filhos, resolvi dar continuidade a essa história porque também queria que meus herdeiros estivessem ligados a nossas raízes”, lembra o produtor e diretor de marketing em uma empresa de eletrodomésticos.

Ele conta que uma grande mudança começou na propriedade depois de uma conversa com seu pai sobre a intenção de formar um bom rebanho para intensificar a produção de leite, visto que Vanderlei tinha algumas boas vacas no plantel. Porém, as vacas apesar de já se destacarem em relação aos animais da região, não tinham uma raça definida. Guilherme lembra que, inicialmente, seu pai não gostou muito da ideia, porque dizia ser sofrida a pecuária no Semiárido, mas, por fim, acabou concordando com o projeto.

“E aí começou a jornada, com meu pai e minha mãe, que já tinham a experiência de uma vida no campo, e eu, que buscava a inovação. Começamos com a implantação de pasto em regime de sequeiro, com aquisição de sementes que mais se adaptavam ao clima semiárido, também fazendo barragens subterrâneas, açudes e brejos, ideias do meu pai, com objetivo de fazer a terra ficar úmida por gravidade.”

Depois de preparar o terreno, a família de produtores da Chácara Hilário Gonçalves começou a busca por animais com genética voltada para a produção leiteira. “Com isso, escolhemos as raças Gir Leiteiro e Holandês, formando o Girolando, importando animais de várias fazendas de destaque na região. Nossa meta inicial era produzir 200 litros de leite por dia, que, para aquela época, em 2010, era um grande desafio em nossa região. Atualmente, a nossa produção diária é de 800 litros, devendo chegar, em maio, com 1.100 litros de leite/dia”, projeta o produtor cearense.

Além disso, para reduzir os custos de produção, a principal estratégia adotada pela propriedade foi associar-se à Unidade de Pecuária de Iguatuense (Upeci), uma entidade que existe há 15 anos, onde, todas as terças-feiras, ocorre uma reunião com os principais produtores de leite da região centro-sul do Ceará. É a oportunidade de os participantes compartilharem experiências, compra de ração, de máquinas, importação de animais de outros Estados e discutir também sobre mão de obra mais especializada, técnicos agrícolas, médicos veterinários, zootecnistas, dentre outros profissionais.

“A associação tem parcerias importantes com o laticínio Betânia e com o Sebrae, dispõe da fábrica de ração para entregar o alimento já pronto para o consumo, diminuindo assim a necessidade de mão de obra na fazenda. Para mim, a Upeci foi um divisor de águas. Aliás, creio que o associativismo seja uma importante estratégia para fortalecer o setor”, destaca Gonçalves.

Para ele, produzir leite tem sido uma importante e lucrativa atividade para o Semiárido. Contudo, o sucesso de todo negócio depende da administração e dedicação. Sempre procurando inovar, a Chácara Hilário Gonçalves faz isso também em relação à venda de animais. Pequenos produtores de várias regiões já compraram tourinhos e vacas da propriedade, com o pagamento facilitado em até dez vezes no carnê com código de barras, que pode ser pago em qualquer casa lotérica. “Em suma, penso que a nossa região pode ir muito mais longe, especialmente com o advento da palma forrageira. Se os governantes cuidarem melhor de nossas estradas e de outros aspectos da infraestrutura, o Nordeste vai se tornar um forte produtor de proteína animal e produtos lácteos.”

Guilherme Gonçalves: Na nossa estratégia, além de reduzir os custos e incrementar a produtividade, foi muito importante participar da associação Upeci, onde os produtores trocam experiências, buscando melhorar seu negócio

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