
Com ajustes no sistema de produção e gestão afiada, André e Celis conseguem um período merecido de descanso

MANEJO INOVADOR
Produção sazonal de leite permite a casal de produtores
tirar ‘férias leiteiras’
Com a prática de concentrar a monta em determinado período, sem interferir no desempenho da atividade, o casal realiza o sonho de tirar férias
Erick Henrique e João Antônio dos Santos
Por que não tirar uns dias de merecidas férias entre os 365 dias de lida na propriedade leiteira? Como, porém, tornar isso possível? Foi para conseguir alguns dias de descanso no ano que o casal André Rego e Celis Andressa Gasparetto resolveu ajustar seu sistema de produção leiteira com base na vivência que ambos tiveram em propriedades na Austrália, onde tirar férias é comum. Mostram, ainda, que é viável e lhes dá uma qualidade de vida bastante satisfatória.
Eles contam um pouco dessa história de ligação com a pecuária leiteira, que começou há alguns anos. “Sou natural de Santa Fé do Sul (SP) e me formei como técnico em agricultura. Realizei intercâmbio agrícola nos Estados Unidos, em fazenda de produção de leite e corte. Depois, na Austrália, fiz o intercâmbio em fazenda de produção de leite, morando lá por três anos”, relata Rego.
Já Celis é natural de Xanxerê (SC). Após a conclusão do curso de Medicina Veterinária, fez intercâmbio agrícola na Austrália, em 2009. “Primeiro em fazenda de ovinocultura e, em seguida, na bovinocultura de leite, morando lá por um ano. Foi na fazenda de leite na Austrália onde nos conhecemos e trabalhamos juntos em todas as atividades da fazenda”, conta ela.
Nessa experiência em fazendas leiteiras australianas, tiveram contato com um manejo diferente daquele que já conheciam e perceberam o quanto era mais fácil, pois, para todo o trabalho de produção, utilizava-se pouca mão de obra. “Era melhor também para gerenciar todos os diferentes processos que envolvem a produção de leite. Naquela fazenda faziam-se duas estações de monta ao ano, como uma forma de concentrar os manejos. E, dessa forma, conseguia utilizar a mão de obra de apenas três pessoas para um rebanho de 300 cabeças”, relata Celis.
Ela conta ainda que, quando retornou ao Brasil, seu plano era morar no campo. “Voltei para a propriedade que estava arrendada para produção de soja. E nela não tinha nada além de uma casa velha.”
Em 2011, Rego e Celis passaram a morar juntos na propriedade, o Rancho João, em Xanxerê. “Ainda estávamos analisando qual atividade desenvolver e a decisão principal de iniciar a produção leiteira foi graças à experiência com o sistema visto na Austrália. Percebemos que, desta forma, poderíamos usufruir de melhor qualidade de vida”, recorda ela. E a opção, naquele momento, seria fazer uma única estação de monta, sistema mais comum na Nova Zelândia, em que as vacas são secadas todas ao mesmo tempo. Isso proporciona um período durante o ano sem a atividade da ordenha. E, consequentemente, com poucos manejos.
“E foi com esse plano que, nos 12 hectares do Rancho João, iniciamos do zero a atividade leiteira, nos deparando com muito trabalho e desafios. Tudo em formação: rebanho, pastagens, instalações, piqueteamento, entre outras ações”, lembra a produtora. Em 2014, adotaram o manejo reprodutivo de estação de monta que levaria à produção de leite sazonal. “O maior desafio foi ajustar o rebanho para a data específica que tínhamos delimitado para a inseminação artificial. Atrasar a cobertura, abrir mão da produção e selecionar o rebanho. E até hoje o desafio é aumentar taxa de prenhez”, diz.

Celis Andressa Gasparetto; “Começamos literalmente do zero na atividade leiteira e já com a meta de adotar esse novo sistema, que nos permitisse melhor qualidade de vida”
Em 2014, a produção anual girava em torno de 100 mil litros de leite. Segundo a produtora, foram necessários três anos para enquadrar as matrizes dentro do período de cobertura de 65 dias. “Em 2021, ordenhamos 40 vacas, em 300 dias de lactação, que fecharam o ano com a produção de 200 mil litros.”
Rego explica que é fundamental que o pico de produção das vacas coincida com o auge da pastagem de inverno. “Tivemos de fazer um ajuste atrasando em um mês a estação de monta para ter maior aproveitamento. Coincide também com a alta do preço do leite. E a melhor época para a reprodução, que é no inverno.”

André Rego: “Tivemos de atrasar um mês a estação de monta para ter maior aproveitamento. Coincide também com a alta do preço do leite. E a melhor época para a reprodução, aqui, é no inverno”
Em sistema de piquetes, a escolha da data deve levar em conta o nível da pastagem, pois não poderiam deixar de oferecer um pasto altamente proteico para vacas secas. “Então, na Região Sul não poderia escolher o período seco, no inverno. Aqui o período seco coincide com o fim do ciclo do pasto de verão e plantio do pasto de inverno”, explica Rego.
O casal faz questão de lembrar que, desde o início, procurou a Epagri-SC e obteve de seus técnicos extensionistas todas as orientações técnicas e de gestão de que necessitavam. “Tivemos o direcionamento na correção de solo, na condução de pastagens, na formação dos piquetes com sombreamento e acompanhamento na gestão e análise de dados. Nos mostraram os pontos fortes e fracos e nos orientaram sobre como explorar todo o potencial dos pontos fortes e como superar os fracos. Também nos auxiliaram na busca de recursos de investimentos”, destaca Celis.
Ela observa ainda que os extensionistas acharam excelente o projeto de produção sazonal e os incentivaram, divulgando para outros produtores e extensionistas. “E temos a parceria de receber visitantes, em dias de campo, e divulgar os nossos resultados. Isso nos motiva muito. E queremos cada vez mais incentivar outros produtores para aderir essa prática.”
Segundo explica Rego, ele e Celis sempre buscam maior eficiência nos processos diários, em todas as etapas da produção. “A ordenha deve ser rápida para trazer bem-estar tanto para os animais quanto para nós. Por isso, de início já instalamos oito conjuntos de teteiras. Hoje, contamos com extração e medição automáticas.”
Outro ponto que ele assinala é que trouxeram da Austrália a ideia de oferecer o concentrado de forma automatizada na hora da ordenha. “Dessa forma, apenas uma pessoa consegue ordenhar e tratar 40 vacas em 40 minutos. Temos ainda a sala de manejo com brete e tronco para facilitar os procedimentos com os animais, como a inseminação e a ultrassonografia. Não temos galpão para o trato e nem canzil.”
Em relação ao melhoramento genético do rebanho, Celis observa que procuram ter animais selecionados para o sistema a pasto, para caminharem, serem resistentes, férteis e uma produção média com muito sólidos. “A padronização do peso é importante pelo fato de receberem a mesma quantidade de ração.”
Ela faz questão de enfatizar que a raça Jersey lhes proporciona uma economia razoável em medicamentos. “Esses animais têm maior resistência, facilidade de parto, melhor fertilidade. Além de níveis altos de sólidos, que, aliados a práticas de qualidade de leite, nos garantem melhor remuneração no preço final do leite”, diz, assinalando que mensalmente enviam para o laboratório amostras para a análise individual de contagem de células somáticas. “Outra providência importante é que o concentrado ofertado é ajustado pela fábrica de ração todo mês, de acordo com os níveis bromatológicos do volumoso que elas consomem. Assim, elas se mantêm saudáveis.”


Para Celis e Rego, parceria com a Epagri para visitação de produtores e técnicos ao Rancho João é uma grande motivação para aprimorarem o seu trabalho
Enfim uns dias de descanso – “Com tudo ajustado, em março, iniciamos nossas férias abrindo a propriedade para produtores e extensionistas, num encontro em que mostramos que realmente é possível trabalhar de forma sazonal. E também apresentamos nossos dados. Depois veio a hora de viajar para conhecer novos lugares e também visitar a família”, diz ele.
Celis acrescenta que, além desse mês de férias, durante toda a primavera e verão eles têm uma rotina mais tranquila, em que aproveitam os dias longos e quentes com os filhos. “Nesse período, a rotina se resume a ordenhar e soltar as vacas no piquete. Algum manejo com a pastagem e só, já que as vacas estarão todas prenhas e as bezerras desmamadas.”
E a pergunta que não quer calar: quem os substitui na lida do Rancho João? “Temos uma pessoa treinada que sempre cobre nossas férias. É contratado na semana que antecede alguma viagem. Assim, ele fica sabendo de toda a rotina de trabalho. E conseguimos sair por algumas semanas. Em março, todas as vacas estarão secas e o trabalho consiste em trocá-las de piquete, tratar as novilhas e ofertar volumoso se necessário. E assim temos nossas férias e descanso merecido”, garante o casal.

Edy Alexandre Bortuluzzi (à dir.): Além de outros fatores, a persistência é fundamental no projeto, pois essa mudança tão positiva exige tempo e ajustes
EPAGRI AJUDA A VIABILIZAR O PROJETO
Segundo Edy Alexandre Bortuluzzi, extensionista da Epagri, é preciso que o produtor interessado em adotar essa sistemática em sua atividade leiteira avalie bem certos aspectos – os prós e os contras –, tendo em vista a situação de sua propriedade, para tomar a decisão certa e evitar problemas e dores de cabeça.
Quanto aos prós, ele levanta os seguintes:
• Permite à família “tirar férias” da ordenha, ou seja, diminui o manejo leiteiro, possibilitando que tenha um tempo para atender a outras demandas, como maior tempo livre com os filhos, viagens, descanso, etc.;
• Escolha da época do ano para o pico de produção, podendo ser associado à disponibilidade de forrageiras (base produtiva) e a alta dos preços do produto;
• Manejo concentrado das bezerras, que serão as futuras matrizes leiteiras, diminuindo a mão de obra na recria;
• Organização das atividades, tendo períodos específicos de monta (manejos com inseminação), parição, entre outros aspectos.
Quanto aos contras:
• Necessidade de conhecimento/domínio do sistema de produção com estação de monta;
• Descarte de animais que, embora tenham boa produtividade, possuem baixa prenhez;
• Os laticínios têm dificuldade de assimilar esse sistema de produção (foco na entrega mensal).
“Na escolha de produzir leite, feita pelo casal André e Celis, houve a participação da Ater desde o início da atividade no Rancho João. A Epagri foi o local onde buscaram apoio para viabilizar esse sonho”, observa Bortuluzzi, acrescentando que eles possuíam somente a terra, sem nenhuma infraestrutura física. “A Ater atuou desde o manejo dos solos, implantação de pastagens, melhorias ambientais (disponibilidade de água, irrigação das pastagens, distribuição de água nos piquetes, manejo de APPs, sombra para os animais, etc.). Também nas melhorias sociais, como a reforma da residência, associada à busca de crédito e construção, melhoria de arredores, sempre buscando a sustentabilidade da propriedade.”
Inicialmente, foi mapeada a propriedade e suas potencialidades, por meio da elaboração de um PDP (Plano de Desenvolvimento de Propriedade), que, associado ao conhecimento técnico do casal, possibilitou traçar objetivos e metas da família.
Bortuluzzi nota que, graças à vivência deles com esse modelo de produção na Austrália, puderam adaptar o que aprenderam naquele país ao clima e condições do oeste catarinense, mostrando ser possível esse tipo de manejo na região. “Sempre deixam claro que esse sistema é comum em outros países, há décadas, mas é novo aqui no Brasil. Vale destacar ainda que a persistência do André e da Celis é outro fator importante, pois essa mudança tão positiva exige tempo de implantação e ajustes.”
Ele diz que a Epagri atua também por meio da utilização de acompanhamentos técnicos e econômicos realizados mensalmente. O uso dessas ferramentas possibilita a tomada de decisão com base em dados concretos, tornando a propriedade visível também nos dados.
Para quem pensa em adotar esse sistema, o técnico diz que, primeiramente, é preciso conhecer experiências já existentes. “O estudo das potencialidades e dificuldades de cada propriedade também é necessário para a tomada de decisão, pois dificuldades haverá sempre. Também é importante acreditar no sonho e ter persistência, pois o processo de mudança é de médio a longo prazo, mas é possível e viável”, diz, destacando que o casal é exemplo dessa possibilidade. Dificuldades existem em todas as atividades, mas esses novos modelos, com maior conforto e menor esforço, facilitam essas escolhas.