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Formação de piquetes de pastejo rotacionado proporciona resultados positivos para a produtividade e a lucratividade das propriedades

MATO GROSSO

Produtividade aumenta 38%

com pastejo rotacionado em Mato Grosso

Técnicos levam tecnologia a produtores para melhorar os índices de produtividade com o uso intensivo das áreas, com maior lotação por hectare e revertendo a baixa fertilidade do solo

João Carlos de Faria

Dado este caso emblemático do poder transformador da assistência técnica na vida dos produtores de leite, vamos iniciar esta reportagem pela parte final. Ou melhor, pelo começo dessa transformação na vida de duas irmãs produtoras, que a Balde Branco tem a honra de colocar na capa, como um símbolo do que representa a assistência técnica como guia para realização dos sonhos de muitos produtores de leite. Vale aqui esta frase, atribuída a Chico Xavier: “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”.

Bem, eis a seguir o relato dessa história e do “novo fim” que elas estão alcançando.

ASSISTÊNCIA TÉCNICA LEVA PRODUTORAS
A GARANTIR SOBREVIVÊNCIA DA PROPRIEDADE

 

No Sítio São Joaquim, que fica na comunidade Novo Oriente, em Alta Floresta (MT), quem toca a produção de leite são as irmãs Rosinha Ferreira Rosa e Vera Lucia Ferreira Rosa, que vieram do Paraná com a família há cerca de 40 anos e assumiram a propriedade após a morte do pai, há 23 anos.

O rebanho conta com 25 vacas, das quais 15 em lactação, que, apesar de não terem raça definida de aptidão leiteira, conseguem atingir 150 litros/dia, com média de 10 litros/dia por vaca, graças ao manejo e às orientações recebidas por intermédio do projeto Redes Sustentáveis. “Meu sonho é ter vacas de raças leiteiras para produzir mais”, diz Rosinha.

Ela conta que cinco anos atrás, quando ficou sabendo do projeto pela cooperativa, ela e a irmã passavam por muitas dificuldades e não tinham experiência, nem conhecimento, e utilizavam toda a área de pastagem do sítio para a produção de leite. “Eram 70 litros/dia e até para trazer as vacas para a ordenha era difícil.”

Ser selecionada para fazer parte do projeto “foi um presente”, segundo a produtora. No começo, a principal dificuldade era a “falta de conhecimento”, mas tudo ficou muito claro com as explicações dos técnicos, que ensinaram como deveriam ser feitos os piquetes, uma novidade que gerou descrença na vizinhança e até nelas próprias. “Mas eu dizia que se os ‘meninos’ (técnicos) estão dizendo que vai dar certo, então vai dar certo”, conta.

Rosinha (esquerda) e Vera Lúcia (à direita) assumiram a propriedade há 23 anos e graças à assistência técnica vêm obtendo bons resultados com o projeto, com reflexos na melhoria de renda na atividade

Ela buscou seguir todas as orientações e os piquetes foram formados com sucesso, começando com 14 e chegando aos 28 atuais. A partir daí “foram só bênçãos de Deus e maravilhas”, como diz a produtora: os animais ficaram mais perto de casa e a desconfiança de que as vacas não “respeitariam” a cerca elétrica se desfez rapidamente.

Rosinha também aprendeu sobre o manejo dos piquetes, a necessidade de adubação e cuidados como as roçadas para aumentar a carga de material orgânico. Também aprendeu que era preciso preparar uma boa silagem de milho para suprir as necessidades do gado no período da seca. “Em outras épocas chegamos a perder animais por falta de comida”, diz.

Sonho – Outra novidade, que para ela foi a realização de um sonho, foi levar água até os piquetes, porque o rio fica longe, a mais de um quilômetro, e a dificuldade para o bombeamento foi solucionada com a instalação de placas de energia solar para tocar a bomba.

No Sítio São Joaquim, apesar de os animais não terem padrão de raças leiteiras, a produtividade alcança 10 litros/dia por vaca

“As vacas agora não precisam mais andar longe, nem a gente precisa pegar água do poço, como fazíamos.” O próximo passo será o plantio de árvores para o sombreamento dos piquetes e a realização de outro sonho: ter uma sala de ordenha e trazer para mais próximo o resfriador, evitando a perda de qualidade do leite.

O resultado de tudo, segundo a produtora, foi o aumento da lucratividade e da renda da propriedade, o que permitiu também melhorar a qualidade de vida dela e da irmã. “A gente não tem mais dívidas, porque no começo havia muita dificuldade para comprar e pagar, mas agora conseguimos honrar todos os nossos compromissos e até já deu para comprar um carro”, diz Rosinha, destacando a importância do projeto na sua vida.

“Não fosse isso, eu não teria permanecido na roça, porque não é fácil ficar no campo sem conhecimento e sem ajuda. Agora a gente tem muito mais ânimo e as coisas vão caminhando e melhorando cada vez mais. Eu gosto da roça, amo os animais e enquanto puder vou permanecer aqui.”

Durante o período de seca, quando os piquetes estão em descanso, a recomendação aos produtores é para que utilizem a silagem de milho

Eduardo Darvin: “O objetivo era trazer benefícios para esses grupos, melhorando a renda, mas também apoiar atividades sustentáveis e boas práticas de produção”

LEVANDO TRANSFORMAÇÃO AO CAMPO

 

Um projeto desenvolvido pelo Instituto Centro de Vida (ICV), financiado pelo Fundo Amazônia/BNDES, tem incentivado a sustentabilidade nas regiões norte e noroeste de Mato Grosso, com a adoção do pastejo rotacionado. Tais ações resultaram num aumento médio de 38% na produtividade de leite de 132 famílias, quando comparada ao desempenho de outros produtores que não adotaram a mesma técnica. O projeto Redes Socioprodutivas custou R$ 16 milhões e, além do apoio à cadeia de leite, contempla o café, os hortifrutigranjeiros, a castanha-do-brasil, o babaçu e o cacau.

O coordenador do Programa de Negócios Sociais do ICV, Eduardo Darvin, conta que o trabalho teve início em janeiro de 2018, a fim de apoiar 20 grupos da agricultura familiar, em parceria com associações e cooperativas dos municípios de Alta Floresta, Paranaíta, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes, Cotriguaçu e Colniza. As atividades focaram nos diversos elos da cadeia produtiva, desde a produção, o beneficiamento até a comercialização.

“O objetivo era trazer benefícios para esses grupos, melhorando a renda, mas também apoiar atividades sustentáveis, boas práticas de produção, recuperação de áreas degradadas e outras ações”, esclarece.

No caso da pecuária leiteira, a equipe do projeto verificou que um dos grandes gargalos estava da “porteira para dentro”, que precisava melhorar a produção com boas práticas, a partir da realidade de uma pecuária extensiva, do uso inadequado do solo, da reduzida densidade de animais por hectare e da capacidade limitada de produzir alimentação, refletindo em baixa produtividade de leite. “Da porteira para fora apoiamos a reestruturação da Cooperativa Mista Ouro Verde (Comov), com sede em Alta Floresta, que abrange a maior parte desses pecuaristas”, relata.

Aprendizado contínuo – O engenheiro agrônomo Romário Fogaça do Prado, que é filho de produtor de leite na região, foi o responsável pela orientação e pelo acompanhamento técnico dos produtores, trabalhando especialmente no processo produtivo como um dos elos da cadeia.

Romário Fogaça do Prado: “Focamos também nas aptidões de cada grupo familiar em relação às novas tecnologias, porque as mudanças são gradativas”

“Sentimos que havia uma deficiência e por isso colocamos como meta a adoção do pastejo rotacionado como uma tecnologia mais adequada à intensificação de áreas, evitando a necessidade de abertura de novas áreas”, conta. O pastejo rotacionado possibilita o aumento do número de cabeças de gado e maior produtividade por hectare, reduzindo a ocorrência de desmatamento.

Com os recursos do projeto foi possível oferecer aos produtores os insumos necessários para que os piquetes fossem formados, beneficiando 38 propriedades, todas com área média de 50 hectares, bem menor em relação às propriedades familiares na região, que têm em média 400 hectares.

“Focamos também nas aptidões de cada grupo familiar em relação às novas tecnologias, porque as mudanças são gradativas e exigem estudo e um processo de aprendizado para manejar adequadamente as pastagens. Ao aprender com a assistência técnica, os produtores também se adaptam a tecnologias como manejo de solo, adubação e ampliação dos sistemas”, afirma Prado.

No total, foram 87,7 hectares utilizados para a formação de piquetes, o que corresponde a apenas 5% da área total, com lotação média de até 3 UA/hectare (unidades animais por hectare), levando em conta que a região apresenta deficiências como pastagens degradadas, vacas desnutridas e uma realidade de quem não adota melhorias para o sistema de produção.

“Fizemos capacitações sobre manejo de pastagens, qualidade da água e promovemos encontros, levando grupos de cinco famílias cada para visitar as propriedades, num sistema de rodízio, para que pudessem verificar as transformações que vinham ocorrendo e para a troca de conhecimentos e de informação, num aprendizado mútuo.”

Também foi abordada a questão dos resíduos orgânicos, com incentivo à autogestão e à instalação de biodigestores, trabalho iniciado em 2020, quando cinco propriedades optaram pela substituição da adubação química pela adubação orgânica, a partir da compostagem e da utilização do biofertilizante.

Capacitação dos produtores foi realizada com a proposta de levar informações para melhorar seus respectivos sistemas produtivos

Noutra frente, as propriedades foram sensibilizadas a fazer a restauração de áreas em processo de degradação, recebendo não só os insumos, mas também capacitação para trabalhar esses processos. A mesma preocupação ocorreu em relação à qualidade da água, atingindo inicialmente dez propriedades, com a instalação de um sistema de bombeamento com placas de energia solar, para levá-la aos piquetes e a outras áreas da fazenda, preservando os rios ao impedir o acesso dos animais às áreas de proteção permanente.

Ainda quanto à sustentabilidade, o plano é introduzir espécies arbóreas em áreas de piquete, adotando o sistema silvipastoril como opção tecnológica de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), para ter mais alimentos para o rebanho, com o plantio de espécies consumíveis, aumentando seus níveis de energia e proteína ou para trazer maior conforto térmico e proporcionar ganhos extras ao produtor.

Com as mudanças feitas gradativamente, a maioria das propriedades dobrou sua capacidade de lotação, passando de 3 UAs para 7 UAs por hectare. “Há casos em que se chegou a 10, num sistema bem tecnificado, com ótima produtividade e média de 23 litros por vaca/dia”, relata. No contexto geral, a média das propriedades subiu de 5 litros/dia para 8 a 10 litros/dia por vaca, acrescentando cerca 50 litros ao seu volume diário de produção.

“Mas temos ainda muito a avançar”, diz Prado, se referindo, por exemplo, ao melhoramento genético do rebanho. Segundo avalia, essa é uma questão a ser trabalhada numa nova etapa, após essas propriedades se consolidarem como boas produtoras de alimentação de qualidade.

Nesse quesito, hoje, na seca, a maioria das propriedades já utiliza a silagem de milho, recomendada pelo técnico por suas características energéticas e proteicas e pela facilidade de ensilagem, uma vez que a cooperativa oferece os equipamentos para essa finalidade. O capim capiaçu, no caso, é sugerido como alternativa.

A irrigação dos piquetes também é outro passo a ser dado, segundo o técnico, mas o fato de eles serem poupados no período de seca permite a sua recuperação mais rápida e aumenta o período de uso. “Quando chegam as primeiras chuvas fica nítido que quem tem pastejo rotacionado ganha um ou até dois meses em relação aos que não têm”, avalia.

Outro gargalo que ainda exige ações mais incisivas é a gestão financeira das propriedades, questão que foi trabalhada na medida do possível nesta primeira fase do projeto. “A gente percebe que houve melhoria de renda para essas famílias, que passaram a ganhar mais, mas ainda não conseguimos que todas tenham seus dados anotados e monitorados, relativamente ao seu desempenho”, afirma.

Prado ressalta que tudo isso foi possível porque tinha uma cooperativa, a Comov, que estava trabalhando com foco na comercialização, regularizando seus processos de produção de laticínios com mais qualidade, recebendo também o respaldo do projeto para buscar melhorias e auxiliar no incremento da venda, podendo assim remunerar melhor os produtores.

Antonio Favarin Sobrinho: Tudo isso chegou numa hora muito boa, quando estávamos trabalhando com o foco da melhoria dos processos de produção do laticínio, da qualidade dos produtos e em ampliar a comercialização

Cooperativa – A parceria da Comov com o ICV começou em 2019, com uma pesquisa sobre suas demandas, num momento em que a cooperativa estava “virando a chave”, como diz seu presidente Antonio Favarin Sobrinho, referindo-se ao aumento de produção e aos investimentos na indústria que estavam sendo feitos à época. Foi a partir dessa integração que aconteceram diversas ações reportadas por Favarin, como um complemento que vinha ao encontro do trabalho que estava sendo feito. “Tivemos reuniões, dias de campo, dinâmicas, sempre planejadas conjuntamente e de forma transparente, e, mesmo com chegada da pandemia, continuamos trabalhando”, ressalta.

Atuando em três municípios da região, a Comov, fundada em 1994, a partir de uma associação de produtores familiares de café, inaugurou seu laticínio em 2006 e tem hoje cerca de 150 associados, além de alguns produtores não associados. A captação gira em torno de 350 mil litros/mês, volume que dobrou nos dois últimos anos, com média per capita de 100 litros/dia, possivelmente como reflexo do projeto.

Segundo Favarin, a parceria com o ICV trouxe muitos resultados positivos, que vêm se firmando a cada dia, favorecendo o produtor, tanto na assistência, com orientações sobre sanidade e boas práticas de manejo, como também na gestão e operação da cooperativa, ajudando na comercialização de seus produtos. “Tudo isso chegou numa hora muito boa”, afirma.

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