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Sítio São Francisco é o único a trabalhar com bubalinocultura de leite e a produzir queijos com leite de búfala num raio de 100 km, a partir de Itanhandu, no sul mineiro

EMPREENDEDORISMO

Produtor quebra a tradição da família e investe na

criação de búfalas para produzir queijos

Descendente de um dos pioneiros na criação de gado Holandês em Itanhandu (MG), ele deu um incremento no negócio leite com seus queijos premiados e muito bem aceitos pelo consumidor

João Carlos de Faria

O Laticínio Pérola da Serra, especializado em lácteos de leite de búfalas, localizado em Itanhandu, no sul de Minas, é um negócio familiar que desafiou a lógica e a tradição de uma das mais importantes bacias leiteiras e berço do gado Holandês no Estado. Ele faz parte das atividades produtivas do Sítio São Francisco, a única propriedade num raio de 100 km à sua volta, a se “aventurar” na criação de búfalas para a produção de leite e fabricação de muçarela e, hoje, diversos tipos de queijos.

Sua trajetória é marcada pela surpresa de muitos e a descrença de alguns, que não acreditavam na sua viabilidade, mas a persistência e a determinação da equipe encabeçada pelo médico veterinário Carlos Alberto Pinto Cunha, proprietário do sítio, fizeram o negócio prosperar e ter ótimas perspectivas no mercado de lácteos com a sua marca.

O time completo inclui também sua esposa, Adriana Carvalho Pinto Cunha, os filhos Pedro e Rafael (ambos médicos veterinários) e uma equipe de 12 dedicados funcionários. A união da família é, segundo ele, um dos pontos mais fortes, que alavanca o negócio.

A primeira surpresa foi a decisão pela criação de búfalas, após várias gerações da família dedicadas às vacas da raça Holandesa, gozando de grande prestígio entre os criadores, pois o bisavô de Carlos Alberto Cunha, Batista Scarpa, foi um dos pioneiros no Brasil na importação das primeiras matrizes da raça, num tempo em que a fazenda era tão grande, que chegou a ter mais de 50 famílias trabalhando em suas terras.

Carlos Alberto Cunha (à esquerda), juntamente com os filhos Pedro (segundo à esquerda) e Rafael (à direita) e a esposa, Adriana trabalham juntos na gestão da propriedade

 “Cresci nesse meio, me formei em medicina veterinária e sempre mexi com vacas de leite, tanto de produção própria como na assistência a outros produtores”, afirma o produtor, que já teve clínica veterinária e prestou serviços de assistência técnica por anos a cooperativas e laticínios.

A mudança começou em 2014, quando do retorno à atividade, depois de ter liquidado o rebanho e ido morar por um tempo no Rio Grande do Sul.

Na volta, Carlos Alberto Cunha propôs à família “algo diferente” e, juntos, foram conhecer a criação de búfalas de um amigo. Voltaram encantados e decididos a iniciar um novo negócio. “Foi paixão à primeira vista, mas quando vieram as primeiras búfalas fomos chamados de loucos e começamos nossa peregrinação”, conta.

Ele lembra que uma das características ancestrais das búfalas originalmente é a parição de todas numa só época, que era uma forma de melhor proteger as crias dos ataques dos animais selvagens. “Isso na natureza é lindo, mas quem precisa do seu produto o ano todo não quer saber dessas coisas.”

Como no Brasil, segundo Carlos Alberto Cunha, 90% das búfalas ficam secas no fim do ano, foi preciso fazer um trabalho para quebrar esse ciclo e programar os partos de forma escalonada, para garantir produção de leite o ano todo.

 

Dificuldades – Quando as búfalas deram as primeiras crias, a família, que se achava preparada para produzir o queijo, deparou-se com uma situação muito diferente do que imaginava quanto às semelhanças com a receita tradicional com leite de vaca.

Uma das primeiras dificuldades foi conseguir o ponto certo para “esticar” e moldar a massa. Várias tentativas foram feitas, inclusive com a ajuda de amigos queijeiros, mas pelo menos quatro meses de produção foram perdidos. “Ficamos desesperados e eu costumo sempre contar que tinha um cachorro aqui que ficou pesando uns 100 quilos de tanto comer queijo que não dava certo”, brinca Carlos Alberto Cunha.

A solução veio no início de 2015, por meio de um curso ministrado pelo mestre queijeiro italiano Ângelo Citro, criador de búfalas na província de Salerno e autor do livro “Mozzarella de Búfala (e outros queijos)”, numa de suas vindas ao Brasil, a convite da Associação Brasileira de Criadores de Búfalo (ABCB). Depois de uma imersão no universo e segredos de um bom “queijo mozzarella”, o filho, Pedro Carvalho Cunha, hoje o responsável pela gestão do laticínio, voltou afinado. Em uma semana ele conseguiu fazer todas as receitas que aprendeu.

Posteriormente, voltou a fazer outros cursos com o mesmo mestre queijeiro, mas também levou alguns consultores para a fazenda a fim de conhecer e opinar sobre o que vinha sendo feito e contribuir para o aperfeiçoamento do processo. “A gente vem evoluindo, mas ainda assim apanhamos muito”, resume Pedro. As búfalas, diz ele, têm muitas especificidades e trabalhar com elas é sempre um desafio.

Mas o padrão alcançado com o tempo é inquestionável e isso, segundo Pedro, consumidor contumaz do seu próprio produto, pode ser aferido a partir de quatro critérios simples: pelo seu próprio paladar, pela ótima aceitação, pelo retorno positivo dos clientes e pelas premiações conseguidas em várias competições. “Isso demonstra que estamos no caminho certo e significa o reconhecimento do trabalho do dia a dia de toda a equipe”, afirma.

Aliás, é essa sincronia que garante qualidade ao fim do fluxo de produção, que começa pela boa saúde dos animais e por uma boa alimentação – que exige bons pastos –, passa pela ordenha em ambiente tranquilo e limpo para não causar estresse ou contaminação e finaliza com a fabricação do queijo.

O pai, por sua vez, completa o raciocínio ressaltando que o trabalho conjunto e a qualidade do leite são fatores primordiais para se obter um bom queijo. “Ninguém no mundo ainda conseguiu fazer um queijo bom com um leite ruim e nenhum laticínio consegue melhorar o leite, só preservar ou piorar.”

Os cuidados incluem também análises periódicas do leite, sempre em busca dessa qualidade, pois o lucro, segundo ele, é apenas uma consequência das coisas bem feitas. “Costumo dizer que a gente não vende queijo, mas vende felicidade. Por isso, temos de ter uma cadeia de felicidade, na qual todos estejam felizes. A venda só termina quando o cliente come o queijo e se sente bem e feliz com ele”, afirma Carlos Alberto Cunha.

Manejo das búfalas, por suas características bastante diferentes dos bovinos, foi uma das dificuldades iniciais do negócio

Construção do laticínio – Ter o próprio laticínio era uma das etapas previstas no negócio, até porque, caso contrário, não haveria para quem vender a produção na região. “A gente precisava agregar valor ao produto final, pois caso fosse só para vender o leite teríamos ficado com as vacas. Daí que decidimos fazer nosso próprio queijo”, afirma Pedro.

O início foi improvisado, mas com o aumento da produção e do consumo e com as búfalas se multiplicando e obtendo bons índices de produção, a construção de uma estrutura adequada tornou-se inadiável.

Segundo Pedro, o laticínio foi construído com capacidade para processar 1.500 litros/dia, mas por enquanto são processados praticamente a metade disso, o que resulta numa produção de cerca de 100 quilos/dia de muçarela e outros queijos.

Carlos Alberto P. Cunha com o búfalo Afonso, que encanta os turistas pela docilidade e ajuda a reverter o preconceito em relação aos animais

Como já foi mencionado, cada etapa do sítio e do laticínio foi se tornando um novo aprendizado, fato que se repetiu na hora da comercialização e prospecção de clientes e mercado. “Havia na região um preconceito em relação ao queijo de búfala. Não era da nossa cultura consumi-lo e os que chegavam aqui vinham de longe e nem sempre eram confiáveis, pois eram feitos com leite de vaca misturado.”

Pedro explica que, por enquanto, o mercado é restrito à região que integra o Consórcio Intermunicipal da Microrregião do Circuito das Águas (Cimag), que reúne os Serviços Municipais de Inspeção Municipal (SIM) de 24 municípios, incluindo as cidades turísticas. A meta, no entanto, é ter o Selo Arte para chegar a mercados maiores como Rio de Janeiro e São Paulo.

Os consumidores, segundo ele, procuram por um queijo artesanal, que “tenha uma história” e não apenas por um queijo industrializado, como os produzidos em grandes laticínios. Por isso, a propriedade incentiva as visitas do público e acolhe quem quer conhecer a história do produto que consome ou que vai consumir. “Isso tem dado muito certo, quebrado muito o preconceito e hoje já temos um bom consumo dos nossos produtos aqui na região”, relata.

Construção do laticínio tornou-se uma necessidade com o aumento da produção de leite e da demanda pelos produtos da marca Pérola da Serra

O carro-chefe do mix de produtos que leva a marca “Pérola da Serra” é a burrata que já conquistou o gosto dos consumidores brasileiros, como uma opção de entrada nos cardápios dos melhores restaurantes do País, orgulha-se Pedro. “O bolinha – que já ganhou vários prêmios – e a barrinha de meio quilo também são queijos que vendemos muito”, afirma.

Além da muçarela, o laticínio tem opções como o meia-cura e o parmesão de búfala maturado por um período de seis meses a um ano, vencedor de vários concursos nacionais, os mais recentes em Araxá, São Paulo e Ilha do Marajó. “Esse é um jeito também da gente estocar a produção e agregar valor à linha de queijos”, afirma o produtor, que batizou o parmesão com o nome de “Pedra da Mina”, inspirado pela sua boa aceitação e volume de vendas.

Pedro Carvalho Cunha: A gente precisava agregar valor ao produto final, pois caso fosse só para vender o leite teríamos ficado com as vacas. Por isso, decidimos fazer nosso próprio queijo

Qualidade do leite – É fato que a búfala produz menos leite que a vaca, registrando médias que chegam a 10 litros por dia – caso do rebanho do Sítio São Francisco, hoje com 60 búfalas em lactação –, mas leva a vantagem de ter uma composição mais rica, que supera os índices do leite de vaca.

São 58% a mais de cálcio, 47% fósforo, 13% de proteína e 33% a menos de colesterol. “Para os portadores de doenças como a osteoporose, esse indicador de cálcio é muito importante. Já tem muitos médicos e nutricionistas aqui da região indicando o nosso produto”, diz.

Pedro ressalta que são excelentes os índices de qualidade do leite da fazenda, explicando que isso se deve muito ao conjunto de práticas e ao esforço da equipe em cumprir os protocolos definidos para esse fim, inclusive para manter controladas doenças como a mastite, por exemplo.

“Um erro no Brasil é tratar a búfala simplesmente como um animal rústico, porque ela sempre responde bem a um bom manejo. Não é porque é um animal rústico que ela come qualquer coisa e pode ser deixada em um ambiente ruim. Quando recebe boa alimentação e fica num ambiente com boa pastagem, área de sombra, bebedouro com água fresca e limpa e comida à vontade, ela corresponde com a redução da incidência de mastite e qualidade do leite, entre outras vantagens”, resume.

A preocupação e adoção de práticas de sustentabilidade e bem-estar animal visam à certificação do sítio, como mais um fator valorização dos seus produtos, mas também passa ser uma informação a ser levada aos consumidores para que conheçam os procedimentos e a forma sustentável como o leite é produzido, conforme ressalta Carlos Alberto Cunha.

Adriana apresentando os queijos para degustação aos visitantes ao sítio, num conceito de turismo rural para fortalecer o negócio leite

“A gente mexe com uma espécie de animal que dá muito prazer, porque interage com a gente e tudo que fizermos por eles nessa questão do bem-es­tar vai trazer resultados extraordinários na produção. Temos búfalas com mais de 20 litros/dia, o que a gente nunca imaginou ser possível”, diz ele.

Isso também é resultado de cuidados como a correção de solo, boa alimentação, boas condições de sombra e manejo correto, com bom tratamento aos animais, sem agressões e num ambiente tranquilo na hora da ordenha para que possam exteriorizar todo o seu potencial genético e produtivo. Por isso, o laticínio só utiliza leite da sua própria produção e não de terceiros para garantir a procedência e qualidade do produto.

Turismo rural – Um segmento que vem se fortalecendo no sítio é o turismo rural, que já representa cerca de 20% na composição da receita da propriedade. Além da venda direta, isso também ajuda a divulgar a marca e os produtos. “Tudo começou com a curiosidade das pessoas aqui da própria região, que queriam vir conhecer as búfalas. Resolvemos então abrir o sítio para visitação pensando mais uma vez em agregar valor na venda do queijo.”

Nos fins de semana e feriados, os visitantes, muitas vezes em grupos que vêm de ônibus, são recebidos com degustação dos produtos e podem fazer um tour pela fazenda para tomar contato com os animais, tirar fotos e até montar e andar num deles, comprovando assim a sua docilidade e quebrando o tabu de que o búfalo é um animal selvagem e arredio.

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